Com iPads e smartphones, agentes Indígenas de Manejo Ambiental monitoram ameaças à floresta. Criado em 2005, projeto reúne rede de pesquisadores locais na região do Alto Rio Negro. No coração da Amazônia, em meio à imensidão da floresta, o indígena Rogelino Tukano caminha com um iPad em mãos. Ele une tradição e modernidade. É um observador experiente da densa mata verde e usa a tecnologia para monitorar cada transformação na paisagem, identificando clareiras abertas e árvores derrubadas que podem sinalizar ameaças ao ecossistema. O mapeamento digital das mudanças naturais e o controle dos impactos humanos têm se tornado sua arma pacífica para proteger a floresta. Mas o seu olhar vai além: o indígena da etnia Tukano também registra a rica biodiversidade local, anotando com precisão as mudanças nos ciclos reprodutivos das plantas e dos animais.
Rogelino Tukano é um dos Agentes Indígenas de Manejo Ambiental (AIMAS), uma inspiradora rede que reúne cerca de 70 pesquisadores, todos eles indígenas, que combinam a sabedoria ancestral com a tecnologia contemporânea para preservar e proteger a floresta na região do Alto Rio Negro, no noroeste amazônico.
Na região, os rios serpenteiam a densa floresta, ocupada por cerca de 700 comunidades e 23 etnias indígenas. São populações tradicionais que há milênios mantêm o equilíbrio ecológico através das suas formas de manejo ambiental. Não há estradas na região, por isso os deslocamentos se dão pelos rios, em pequenos barcos conhecidos como voadeiras.
"Na minha região, quando estou no mato, pesquisamos sobre as árvores. Como as pessoas tiram madeira para construção das casas, observamos isso. Com o celular ou o iPad, é mais fácil registrar e acompanhar. Também registrados muitas fotos no celular", explica Rogelino à DW.
Ferramentas de preservação
Com a tecnologia, os AIMAS transformam iPads e smartphones em ferramentas de preservação. Uma vez registrados, os dados obtidos – fotos, tabelas preenchidas com questionários pré-elaborados e descrições em textos – são guardados para serem posteriormente analisados em conjunto com uma equipe de especialistas, nos encontros que acontecem três vezes por ano em diferentes aldeias da região.
Os agentes respondem questionários com perguntas sobre as mudanças observadas na vegetação, a presença ou ausência de espécies, o nível da seca nos rios, entre outros. As informações coletadas são fundamentais para a preservação da floresta e de seu ecossistema. Com base nesses dados, é possível adotar medidas práticas e eficazes, como ações intensivas contra as queimadas, o desmatamento e o declínio de espécies, frequentemente associados à caça ilegal.
Mas eles não se limitam ao que é visível. O saber tradicional também entra nessa análise. A etnia Tukano, por exemplo, acredita que os ciclos celestes exercem uma influência direta sobre os fenômenos da terra, como as secas e cheias nos rios, a presença ou ausência de animais e outros eventos naturais. Há milênios, esse povo baseia sua forma de vida na observação das constelações, fundamentais para o seu cotidiano, pois permitem prever aspectos essenciais como a alimentação e a caça.
Refúgio preservado
A parceria com o Instituto Socioambiental (ISA) e a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) impulsiona o projeto, financiado por ONGs e iniciativas governamentais, como o Fundo Amazônia.
Para desenvolver as atividades, os pesquisadores indígenas recebem uma bolsa de R$ 500 mensais, instrumentos de trabalho e combustível para os deslocamentos, embora alguns optem pelo trabalho voluntário quando os recursos são escassos. Desde o início, os participantes recebem treinamento especializado de pesquisadores do ISA, que orientam a coleta e análise dos dados.
Criado em 2005, o projeto visava no início apenas expandir o manejo de peixes. Inicialmente, tinha um número reduzido de observadores no rio Tiquié. Com o tempo, ele se tornou uma ferramenta essencial para um vasto leque de observações sobre o ecossistema. O monitoramento das mudanças climáticas também passou a ser um tema de grande relevância na documentação dos agentes ambientais.
Os AIMAS também adaptam suas atividades às necessidades regionais. Em Barcelos, focaram-se no combate às queimadas que, segundo o Global Forest Watch, devastaram 130 mil hectares de cobertura arbórea entre 2001 e 2021. Embora não atuem diretamente na redução do fogo, os dados coletados ajudam a indicar áreas de incidência para apontar onde devem ser tomadas ações preventivas.
"O AIMA também é um pesquisador e, dependendo da demanda de cada região, a pesquisa é um pouco diferente", explica à DW o biólogo Danilo Parra.
Além de coletar dados, os agentes desempenham um papel fundamental em outras frentes, como a coleta de lixo eletrônico nas aldeias. Essa atividade complementa o trabalho de documentação, especialmente diante dos desafios contemporâneos, como o descarte inadequado de pilhas e baterias. Com o objetivo de proteger o meio ambiente e prevenir doenças, os agentes são responsáveis por recolher esse material, proveniente de aparelhos eletrônicos utilizados nas aldeias.
"Há pouco tempo registrou-se chumbo, mercúrio e cádmio nas pilhas e as comunidades não tinham orientação sobre como descartá-las. O destino dessas era frequentemente os rios, ou valas", explica Parra. "Seria ideal reciclá-las, mas isso está fora do nosso alcance a curto prazo. As pilhas recolhidas pelos AIMAS vão todas para o lixão de São Gabriel da Cachoeira ou, quando conseguimos, para o de Manaus. Gostaríamos de dar visibilidade ao problema para que as pilhas fossem recicladas", acrescenta.
Tainã Mansani/Caminho Político
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