Derrubada da legislação pela Justiça impulsiona apoio para que modelo da capital seja adotado no âmbito nacional e fortalece iniciativa para expropriação de imóveis de gigantes do setor imobiliário. Há cerca de duas semanas, o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha derrubou a lei que impunha um teto para os aluguéis em Berlim. Por meio dessa lei que, desde novembro de 2020, aluguéis que estivessem 20% acima do limite fixado para uma residência deveriam ser reduzidos. Desde o início, a lei era vista como polêmica e experimental, pois não havia ainda um entendimento jurídico de que ela fosse constitucional. Havia dúvida se o tema seria de competência exclusiva do governo federal. Sob essa alegação, os partidos União Democrata Cristã (CDU) e Partido Liberal Democrático (FDP) entraram com uma queixa na Justiça contra a legislação berlinense.
Porém, diante de uma situação extrema de explosão dos aluguéis nos últimos anos – com um aumento de 70% no valor médio entre 2004 e 2016 –, que não veio acompanhada do crescimento da renda média local, e da forte especulação imobiliária na cidade, que se tornou o paraíso para investidores de fundos imobiliários, a coalizão que governa Berlim, formada pelo Partido Social-Democrata (SPD), A Esquerda e Partido Verde, decidiu apostar na lei.
No início, houve muito debate sobre o tema e muitas críticas, principalmente de liberais e conservadores que alegam que a lei afastava investidores dispostos a construir moradias novas na cidade. Entre a população também havia uma grande divisão sobre o tema. Mas o impacto a decisão do Tribunal Constitucional teve um efeito não era esperado pelos opositores do experimento.
Já era esperado que, com a derrubada da lei, muitos proprietários de imóveis passassem a cobrar retroativamente a diferença que deixaram de receber com a redução dos aluguéis, além de aproveitar para reajustar os valores. A gigante do setor Deutsche Wohnen, que possui mais de 100 mil apartamentos em Berlim e é alvo de uma campanha de expropriação, foi uma das primeiras anunciar que iria exigir o ressarcimento dos inquilinos. Outras grandes empresas imobiliárias, talvez já prevendo reações negativas, descartam cobrar a diferença perdida.
O que aconteceu, a partir de então, surpreendeu muitos. No mesmo dia da decisão, cerca de 10 mil foram as ruas protestar contra a mudança. O tema também foi central nas manifestações de 1º de maio na capital alemã. Protestos já eram esperados, pois manifestações contra a especulação imobiliária vêm acontecendo com frequência. O crescimento do apoio à lei derrubada, no entanto, foi além do esperado.
Pesquisas divulgadas na semana passada mostraram que 75% dos berlinenses defendem a adoção de uma legislação nacional para o congelamento e redução de aluguéis, nos modelos da de Berlim. Somente entre os eleitores conservadores, esse apoio chegou a 68%. Apenas entre os liberais, essa legislação ainda não conquistou a maioria.
Outro impacto foi o impulso da campanha para a estatização de apartamentos pertencentes às empresas do setor imobiliário que atuam na cidade e possuem mais de 3 mil imóveis. Os ativistas recolheram dezenas de milhares de assinaturas nas últimas duas semanas e também viram o apoio à iniciativa entre a população aumentar.
Os ativistas têm até final junho para recolher cerca de 175 mil assinaturas para alcançar a meta que estabelece a realização da consulta popular. Até agora mais de 100 mil moradores de Berlim já apoiaram a iniciativa. Uma pesquisa feita na semana passada também mostrou que 47% dos berlinenses são a favor da expropriação – 18 pontos percentuais a mais do que no levantamento anterior realizado em novembro. As chances de que a consulta popular seja aprovada pela maioria dos eleitores cresce.
Com a derrubada da lei, o debate sobre a especulação imobiliária na cidade ganhou também um novo impulso e deve ser um dos principais temas das eleições locais que ocorrem em setembro. A adoção de lei nacional nos moldes de Berlim poderá ainda ser um dos temas nas eleições legislativas alemãs, pois diversas cidades do país enfrentam problemas semelhantes, e alguns candidatos já passaram a defender uma legislação nacional sobre essa questão.
Apesar do fracasso da lei local, a iniciativa serviu para conscientizar uma ampla parcela da população sobre o problema e para impulsionar um debate nacional, que pode no futuro servir realmente para o estabelecimento de uma política mais social sobre a questão da moradia.
Clarissa Neher é jornalista da DW Brasil e mora desde 2008 na capital alemã. Na coluna Checkpoint Berlim, escreve sobre a cidade que já não é mais tão pobre, mas continua sexy. Siga-a no Twitter.
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