Seis pacientes receberam órgãos infectados de dois doadores no Rio de Janeiro; Polícia Federal e outros órgãos investigam falha de laboratório contratado para fazer testes, que é de parentes de ex-secretário de saúde. Seis pacientes transplantados receberam órgãos infectados pelo vírus HIV no Rio de Janeiro, em caso sem precedente no Sistema Público de Saúde (SUS). O Ministério da Justiça informou que a Polícia Federal vai investigar o caso. Esses pacientes estavam na fila do transplante da Secretaria Estadual de Saúde (SES-RJ), que confirmou o caso, revelado pela BandNews FM nesta sexta-feira (11/10). Os órgãos infectados vieram de dois doadores.
O Ministério da Saúde, Ministério Público do RJ (MPRJ), Polícia Civil e Conselho Regional de Medicina (Cremerj) também acompanham o caso. Até o momento, o foco das investigações é uma falha detectada no laboratório PCS Lab Saleme, que emitiu os laudos de que os órgãos estavam aptos para serem doados.
O laboratório é privado e contratado pela Fundação Saúde, sob a responsabilidade da Secretaria Estadual de Saúde, para atendimento ao programa de transplantes no estado.
Laboratório investigado
O laboratório PCS Lab Saleme, investigado pela contaminação, assinou três contratos com o governo do Rio que, somados, chegam a R$ 17,5 milhões. Dois deles foram realizados de forma emergencial, com a dispensa de licitação. O terceiro contrato, com valor de R$ 11 milhões, passou por pregão eletrônico em outubro de 2023 e se refere à prestação do serviço de exames para transplantes.
A empresa teve, inclusive, sua capacidade técnica para produzir exames questionada durante a licitação. Segundo o jornal O Globo, um concorrente apontou que o laboratório não conseguiu comprovar que tinha experiência prévia para executar metade dos exames previstos no contrato.
O PCS Lab tem como um dos sócios Matheus Sales Teixeira Bandoli Vieira. Ele é primo do ex-secretário de Saúde do Rio Dr. Luizinho, deputado federal em segundo mandato e líder do PP na Câmara dos Deputados. Outro sócio do laboratório é Walter Vieira, casado com a tia de Luizinho.
Dr. Luizinho esteve no comando da secretaria de saúde entre fevereiro e setembro de 2023. O PCS Lab foi contratado no mesmo ano, mas após a sua saída do cargo, em dezembro de 2023.
O laboratório teve o serviço suspenso logo após o caso vir à tona e foi interditado cautelarmente, de acordo com a secretaria de saúde.
Defesa
Em nota, o deputado federal Dr. Luizinho afirmou que lamenta profundamente a situação e que não participou da escolha do laboratório.
"Quando foi secretário de estado de Saúde, Dr. Luizinho manteve a equipe do Programa Estadual de Transplantes da gestão anterior e jamais participou da escolha deste ou de qualquer laboratório. A contratação, ocorrida em dezembro de 2023, quando ele não era mais secretário, partiu de uma concorrência pública realizada pela Fundação Saúde, que tem gestão administrativa independente, na modalidade de pregão eletrônico, sujeita ao crivo dos órgãos de controle", diz a nota.
O laboratório também divulgou nota nesta sexta dizendo que abriu sindicância interna para apurar as responsabilidades do caso.
O laboratório diz que dará suporte médico e psicológico aos pacientes infectados com HIV e seus familiares e afirmou que está à disposição das autoridades policiais, sanitárias e de classe que investigam a situação.
Como a doação de órgãos pode mudar a vida de uma pessoa
Reação de autoridades
A ministra da Saúde, Nísia Trindade, afirmou que o governo prestará toda assistência aos pacientes infectados e está comprometido em garantir a segurança, a efetividade e a qualidade do Sistema Nacional de Transplantes no Brasil.
Além de pedir a interdição cautelar do laboratório, o Ministério da Saúde determinou que a testagem de todos os doadores de órgãos no Rio de Janeiro volte a ser feita exclusivamente pelo Hemorio, utilizando o teste NAT, que é produzido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
O ministério ordenou ainda a retestagem do material de todos os doadores de órgãos feitas pelo PCS Lab para identificar possíveis novos casos falsos positivos.
Também será feita uma auditoria urgente pelo Departamento Nacional de Auditoria do SUS no sistema de transplante do Rio de Janeiro para a apuração de eventuais irregularidades na contratação do laboratório.
Em nota, o Ministério da Saúde reforçou que o Sistema Nacional de Transplantes (SNT) é reconhecido como um dos mais transparentes, seguros e consolidados do mundo. "Existem normas rigorosas que visam proteger tanto os doadores quanto os receptores, garantindo que os transplantes realizados no país mantenham um alto nível de confiabilidade."
Como são feitos os testes
Há uma série de doenças infecciosas testadas obrigatoriamente em todos os doadores para que esses órgãos possam ser encaminhados para transplante. "Todo esse protocolo é muito rigoroso, muito sério", afirmou o ex-presidente da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO) e especialista em transplante de fígado, Ben-Hur Ferraz Neto, ao jornal O Globo.
Após o diagnóstico de morte encefálica de um potencial doador, o laboratório recolhe o sangue do paciente e faz todos os testes sorológicos de doenças que podem ser transmitidas, como HIV, hepatite B, C, toxoplasmose, citomegalovírus, sífilis, doença de chagas, explica o especialista.
Bárbara Benini, coordenadora do grupo de transplantes de fígado do Hospital São Paulo da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), explicou à Folha de S.Paulo que antes mesmo dos testes, acontece uma entrevista com o familiar do doador para entender como era seu estilo de vida e se existe algum risco – como acontece com doadores de sangue.
Existem vários tipos de testes de sangue. No entanto, quando se trata de doação de órgãos, os exames realizados são "ultrassensíveis", explicou Benini.
"Este não costuma ser um teste rápido, leva de quatro a seis horas para se ter o resultado, tem uma segurança próxima de 100% e muito pouca interferência humana", disse a especialista à Folha. Ela afirma que a chance de um falso negativo em um exame como esse é muito baixa.
Após a testagem, os resultados são encaminhados para a OPO (Organização de Procura de Órgãos), que atua na identificação, manutenção e captação de doadores de órgãos e tecidos.
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