A procura de um “mágico”: o Marketing Existencial e a angústia contemporânea

Quando lemos O Mágico de Oz, escrito por L. Frank Baum, 1900, deparamos com uma situação intrigante. A história é, basicamente, sobre uma menina que, por acidente, aparece numa Terra chamada Oz. A trama, tecida por fios de angústia, é sobre como buscar recursos para voltar para o Kansas (EUA), de onde veio. Durante essa brilhante história, ela encontra o Espantalho, que deseja um cérebro; o Homem de Lata, que quer um coração; e o Leão Covarde, que busca coragem. Unidos pelas angústias, buscam um “milagre” que só um tal Mágico de Oz pode fazer.
O clímax ocorre quando, após enfrentarem desafios e provações, encontram o grande Mágico de Oz. No entanto, a frustração vem em seguida. O homem que esperava resolver seus problemas era um impostor e não podia fazer magia porque: “sou um impostor!”.
O pobre homem confessa que mentiu a vida toda para sobreviver nessa Terra, e que faria tudo o que pedissem para não revelarem seu segredo. Então, acham que eles desistiram? Não, eles precisavam de uma solução! Assim, obrigaram o pobre “homenzinho”, a realizar um “milagre” para cada um deles. Pressionado, o impostor respondeu: “Eu tenho fingido ser um mágico por tantos anos que posso continuar por um pouco mais” (Mágico de Oz).
A atitude desses personagens revela algo intrigante no comportamento humano. Por que acreditamos em coisas que não existem, ou que não podem nos ajudar? Carlo M. Cipolla (2020) diria: em razão da estupidez! A neurociência aponta para outras razões. Às vezes, essas coisas nos fazem sentir seguros. Também tendemos a acreditar no que todo mundo acredita, numa espécie de “efeito manada”. Entretanto, o caso mais surpreendente é quando acreditamos em algo, mesmo quando todas as evidências apontam para o contrário. Por quê? Porque faz sentido!
No mundo de Oz, é claro que faz sentido! Ali, tudo é possível. O mágico sempre ajudou todos em suas angústias. As histórias que a menina e seus amigos ouviram sobre ele, como o grande Mágico que soluciona todos os dilemas, construíram sentido à vida, justificaram todo sofrimento que passaram juntos. Acreditar nele, mesmo sendo um impostor, foi de menos!
Como assim? Ora, uma possível explicação recai sobre o que chamamos de Narrativa! O conjunto de discursos que garantem significado à existência. A narrativa ajuda a formar o tecido das culturas ao narrar as experiências vividas e conectá-las com o presente numa espécie de teia de significados. “Meu filho, você está vivendo isso porque é assim que funciona a vida”… “na minha época”… “quando tinha sua idade”. Explicação que junta passado, presente e futuro, dando uma direção, um sentido para o homem. Nesses termos, ela organiza a realidade.
Hoje em dia, temos muitas narrativas que concorrem entre si, gerando uma instabilidade cruel. Essas narrativas que atualmente modulam a vida constroem novas relações sociais. As narrativas produzidas pelo Marketing Existencial, por exemplo, dão sentido à vida a partir das relações de consumo. O que se vende, neste caso, são promessas de experiências significativas!
Assim, você não sai satisfeito de uma hamburgueria porque matou apenas sua fome, mas porque está ajudando a salvar o planeta, pois seu hambúrguer era livre de toxinas, resíduos químicos e antibióticos, além de ter sido produzido com sustentabilidade. Quem não gostaria de um belo jantar promovido pela Bompas&Parrem gravidade zero em Londres?
Ora, o Marketing Existencial é uma área do marketing que vende bens e significados, bens que podem ser considerados invisíveis, mas que possuem uma compreensão clara por parte do consumidor (PONDÉ:2023). Esse consumidor, sedento por sentido de vida, compra carro para ter gotas de prazer; se empurra em shopping centers atrás de migalhas de felicidades; perde sono na espera pelo tênis com selo ESG (Environmental, Social andGovernance).
Convencidos, compramos, clicamos, editamos, achando que voltaremos para o Kansas! Para tentar driblar a angústia existencial, o Marketing nos oferece viagens, dietas, modas comportamentais, espiritualidades, experiências radicais, diamantes feitos a partir das cinzas cremadas de entes queridos, enfim, ele nos diz que esse mágico pode nos explicar “como voltaremos para casa”.
A narrativa funciona a tal ponto que chegamos a não distinguir o real do falsário. Acreditamos tanto no “mágico” que, mesmo quando ele não pode nos dar o que ansiávamos, quando somos confrontados com a realidade de sua impostura fraudulenta e efêmera, acha que desistimos? Não! Compramos outro! Nesses termos, vivemos num mundo imaginado, onde os “mágicos de Oz” são produzidos para fazer sentido à nossa existência.
Nesse tipo de mundo, saúde, felicidade, família, sucesso, identidade, até religião entram na lógica do Marketing Existencial. Uma vez convencidos, queremos que as mercadorias nos tragam felicidade, sentido, paz e sucesso. Enfim, ali tudo é possível, pois a vida feliz é uma commodity para o marketing. O “mágico de Oz” está o tempo todo sendo vendido, mudando de cor, ao nosso bel-prazer.
Ao fim e ao cabo, o impostor irá dizer: “Como posso evitar ser um impostor", [...], "quando todas essas pessoas fazem-me fazer coisas que todos sabem que não podem ser feitas”? (Mágico de Oz). Não é à toa que nossa geração é a mais ansiosa e, provavelmente, a mais infeliz de todos os tempos, pois estamos o tempo todo acreditando no “Mágico de Oz”, mesmo que ele não possa fazer nada por nós.
Portanto, não consumimos mentiras, claro que não! Não somos tão estúpidos assim. Compramos aquilo que faz sentido para nós, mesmo que não resolva nossos problemas. Se Deus já não dá sentido à sua vida, por que não fazer uma viagem à Disneylândia? Afinal, nada como uma selfie com o Mickey Mouse para preencher o vazio existencial e garantir alguns likes nas redes sociais!
Eduardo Leite é doutor em História pela UFMT
@eduardoleite.prof

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