Por ser incomum, o 29 de fevereiro é o dia dedicado a consciência sobre tais patologias, que acometem cerca de 13 milhões de pessoas somente no Brasil. De acromegalia a Zimmermann-Laband, são pelo menos 8 mil tipos de doenças raras em todo o mundo. Há um critério para agrupá-las: de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), uma doença é considerada rara quando atinge até 65 pessoas por 100 mil indivíduos. Mas considerando que são milhares essas patologias, faz sentido o mote adotado por aqueles que trabalham na conscientização da questão: "somos raros, mas somos muitos".
O dia 29 de fevereiro, justamente por ser uma data que só acontece a cada quatro anos, é considerado o Dia Mundial das Doenças Raras. A ideia, proposta em 2008 pela Organização Europeia de Doenças Raras, acabou sendo incorporada em boa parte do mundo, inclusive no Brasil, como uma forma de chamar a atenção para essas enfermidades.
Segundo o médico João Bosco de Oliveira Filho, coordenador do Programa de Medicina de Precisão do Hospital Israelita Albert Einstein e pesquisador-chefe do projeto Genomas Raros, há estudos americanos que apontam para a existência de 9,6 mil doenças raras. "Individualmente elas são incomuns, mas pelo número elevado de patologias, como um grupo, elas são bastante relevantes", argumenta.
Só no Brasil estima-se que pelo menos 13 milhões de pessoas tenham alguma delas — é a mesma quantidade dos pacientes de diabetes. Devido à própria diversidade de doenças, não há como chegar a um total de quantos não são diagnosticados — mas especialistas acreditam que sejam a maioria. "Não conseguimos mensurar de forma correta para responder as duas perguntas, pois não há um cadastramento dos acometidos neste momento", afirma Regina Próspero, CEO do Instituto Vidas Raras.
Calcula-se que, dentre todos os tipos de doenças raras, 30% dos pacientes morrem antes dos cinco anos de idade. "75% delas afetam crianças, 80% têm origem genética e 90% delas não têm cura, mas podem ter um tratamento", acrescenta Próspero.
"E, quando se considera as doenças genéticas, 99% delas são doenças raras", frisa a bióloga geneticista Liya Regina Mikami, da Faculdade Evangélica Mackenzie do Paraná e coordenadora do grupo de pesquisas Investigação Molecular de Patologias. "É importante salientar que esse total de doenças raras pode ser ainda maior, pois devido à sua raridade e variabilidade clínica, muitos afetados não são diagnosticados."
Ela lembra que, embora a lista seja grande, algumas dessas doenças são um pouco mais conhecidas do público em geral, como a atrofia muscular espinhal, a hemofilia e a esclerose lateral amiotrófica (ELA).
Longo caminho do diagnóstico ao tratamento
Pacientes com enfermidades raras enfrentam dificuldades que vão do diagnóstico ao tratamento em si. "Muitas vezes é uma odisseia diagnóstica", diz Oliveira Filho. "Como as patologias são incomuns, eles chegam nos médicos de serviços primários e não têm o reconhecimento da doença. Então é uma caminhada longa."
"Existe o diagnóstico nos centros de excelência, que pode ser feito por sequenciamento genético de última geração, considerando as doenças de causas genéticas. Mas a maioria das pessoas não tem acesso a esses centros", pontua a geneticista Mayana Zatz, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP). "Então eles passam de médico em médico, de serviço em serviço, fazendo uma série de exames desnecessários que não ajudam no diagnóstico."
Uma vez identificada a enfermidade, vem a saga em busca de tratamento. "É a segunda barreira: é comum não haver um medicamento específico. Como são raras, essas doenças não são do interesse da indústria farmacêutica", diz Oliveira Filho. "Economicamente, é pouco viável."
"Pela raridade, não há dados científicos suficientes para se determinar prognóstico e sobrevida e, predominantemente, não há tratamento específico e o manejo clínico então visa a minimizar os sintomas e melhorar a qualidade de vida do paciente", resume Mikami.
Próspero lembra também que os medicamentos indicados costumam ser de alto custo. "Dificilmente alguma doença rara tem um tratamento que o paciente possa pagar sozinho", afirma.
"Os custos são extravagantes. Por exemplo, a amiotrofia espinhal tem um custo de quase R$ 7 milhões por paciente", reforça a geneticista Zatz.
Mikami contextualiza esse ciclo vicioso, lembrando que o desenvolvimento de um medicamento pela indústria farmacêutica envolve grandes investimentos. Isto, por um lado, justifica economicamente o desinteresse na criação de fármacos para doenças raras. Por outro, torna o produto final extremamente caro, nos casos em que é desenvolvido.
As pesquisas também enfrentam dificuldades, até mesmo para encontrar um número considerável de pacientes e analisá-los como amostragem científica. "O estudo é dificultado pelo baixo número de afetados, o que demanda uma cooperação internacional em que pesquisadores do mundo todo juntam suas amostras para um estudo global", afirma Makumi.Política nacional de atenção integral
Mas há boas notícias para os afetados no Brasil. Com a publicação, em 2014, de uma portaria específica, o país passou a ser um dos poucos no mundo com uma política nacional de atenção integral a esses pacientes. O documento traz as diretrizes do atendimento via Sistema Único de Saúde e institui incentivos financeiros de custeio — há a previsão de verbas adicionais para instituições de saúde com equipes especializadas em doenças raras, por exemplo.
"Temos muito a comemorar", comenta Próspero. "A portaria 199 veio para nos guiar e tem feito seu papel. Mas nossa jornada não tem fim. Muitos milhares de brasileiros precisam de ajuda. É um caminho inglório e que necessita de apoios."
A portaria possibilitou a criação de centros de referência em todo o país. "Esses serviços têm acesso a um pouco mais de recurso e a alguns testes genéticos que não estão disponíveis em outros centros", compara Oliveira Filho. "Mas ainda não têm acesso a ferramentas genéticas modernas, como as que temos no projeto Genomas Raros."
Graças a uma parceria firmada entre o Einstein e o Ministério da Saúde, o projeto capitaneado por Oliveira Filho realiza, sem custo, sequenciamento genético de materiais obtidos de 22 desses centros de referência mantidos pelo SUS.
No âmbito das pesquisas, Oliveira Filho ressalta que trabalhos recentes vêm desenvolvendo terapias gênicas que se apresentam como tratamentos eficientes em muitos casos. "São de custo altíssimo", diz ele.
Por fim, pensando no longo prazo, uma estratégia é o chamado aconselhamento genético, em que casais com altas chances de terem filhos portadores de doenças raras são orientados. "Uma solução é o acesso à reprodução assistida, para depois selecionar fetos sem a doença. Isso faria parte de uma iniciativa para diminuir a carga genética com marcadores de doenças raras", afirma Oliveira Filho.
Um trabalho assim está prestes a ser iniciado pela USP. Zatz conta que a ideia é triar casais em idade reprodutiva com potencial de desenvolvimento de doenças recessivas — aquelas que só aparecem se a criança receber um gene recessivo do pai e um gene recessivo da mãe para a mesma enfermidade. "Vamos detectar casais em que ambos são portadores de genes para uma mesma doença antes de eles terem uma criança afetada", detalha.
Na primeira fase, serão 5 mil casais participantes. A geneticista espera que, a partir dos primeiros resultados, o projeto se torne uma política de estado. "Ou seja, que possamos oferecer a todos os casais em idade reprodutiva a possibilidade de saber se eles têm risco aumentado de vir a ter filhos com doenças genéticas graves", vislumbra.
Edison Veiga/Caminho Político
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