Para ex-diplomatas e pesquisadores, declarações do presidente Lula puseram país em saia justa diplomática desnecessária. A disputa diplomática entre Tel Aviv e Brasília segue. Depois que o embaixador brasileiro em Israel foi convocado ao memorial do Holocausto Yad Vashem, o governo em Brasília o chamou de volta ao Brasil. De acordo com a imprensa, especula-se que o embaixador de Israel possa ser expulso do Brasil. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva desencadeou uma crise diplomática com Israel no último domingo (18/02), após declarações sobre a guerra Israel-Hamas. "O que está acontecendo na Faixa de Gaza e com o povo palestino não existe em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu: quando o [Adolf] Hitler resolveu matar os judeus", disse Lula à margem da Cúpula da União Africana (UA) em Adis Abeba.
Lula aparentemente não está disposto a retirar suas palavras e pedir desculpas, mesmo depois que o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, lhe dirigiu palavras duras e o declarou persona non grata em Israel. Com exceção de Netanyahu, Lula havia tido uma boa relação com líderes israelenses. Durante décadas, ele demonstrou ser um amigo próximo de Israel como líder da oposição e, mais tarde, como presidente (2003-2010).
Como explicar, então, a polêmica declaração?
"Ninguém entende, né? É, é difícil de explicar", resume o ex-diplomata e ex-ministro Rubens Ricupero, sintetizando a estupefação de especialistas brasileiros em política externa.
Uma possível explicação seria o fato de que Lula, hoje, lida com uma oposição diferente da que enfrentou nos mandatos anteriores. Enquanto naquela época seu rival era o centro moderado, hoje é uma extrema direita, o que fortaleceria a polarização interna. É por isso que, segundo essa lógica, Lula assumiria posições extremas da esquerda e do seu Partido dos Trabalhadores, incluindo duras críticas a Israel.
Apesar disso, Ricupero diz que os brasileiros estão majoritariamente ao lado de Israel. "A posição do Lula e de alguns setores da esquerda que é muito minoritária, né? Eu acho que a opinião pública brasileira, em geral, é favorável a Israel – inclusive, na imprensa. Nesse episódio, eu não vi praticamente nenhuma defesa [das palavras do presidente]".
Caso a fala tenha sido feita de olho nos eleitores – tendo em vista os pleitos municipais de outubro –, o tiro saiu pela culatra, avalia o cientista político Maurício Santoro, do Centro de Estudos Político-Estratégicos da Marinha. "A declaração só lhe trouxe problemas. Pode até mobilizar suas bases eleitorais na esquerda, que têm visão bastante crítica de Israel, mas mesmo nesse caso houve divisão nos grupos que o apoiam."
Gosto por falar de improviso é "problemático"
Em Adis Abeba, Lula teria se tornado mais uma vez vítima do seu entusiasmo pelo discurso de improviso, diz Santoro. "O presidente gosta de improvisar em discursos ou entrevistas, mas suas declarações sobre política externa estão causando problemas na diplomacia."
O ex-embaixador Marcos Azambuja reconhece os perigos da improvisação. "Ela ajuda muitas vezes, pela cordialidade, pelo calor humano, pela vontade de se comunicar." Mas, às vezes, tem seu lado ruim: "ocasionalmente, como todo comunicador usa a palavra, em muitos contextos acontecem deslizes."Para Roberto Abdenur, ex-embaixador que serviu ao Brasil na China e na Alemanha entre outros países, os deslizes em política externa não são novidade em se tratando de Lula e do PT. Ele lembra de um acordo nuclear que o presidente e seu à época ministro do Exterior Celso Amorim tentaram selar por conta própria em 2010 com o Irã.
Abdenur condena a fala de Lula sobre Gaza e o Holocausto. "É uma comparação totalmente descabida, e é compreensível a reação dura de Israel." No entanto, para o ex-diplomata, Israel também contribuiu para elevar a tensão. "Netanyahu foi muito duro nas suas palavras, e o chanceler de Israel, até agora, continua insistindo em palavras chulas."
Abdenur, porém, avalia que a crítica de Lula ao governo Netanyahu não é descabida. "Era uma crítica forte ao que Israel está fazendo em Gaza. Não tenho dúvida de que é crime de guerra e é crime de humanidade. Agora, se é ou não genocídio, ainda é cedo para dizer. E isso está nas mãos da Corte Internacional de Justiça."
Clima belicoso é ruim, diz professor
Especialista em política externa e professor da Universidade de São Paulo (USP), Feliciano de Sá Guimarães adverte contra uma piora do clima nas relações Brasil-Israel.
"A minha interpretação é que existe um contexto no Palácio do Planalto propício a essa atitude belicosa. Lula escuta só um lado, só uma parte, ele montou uma equipe de política externa que não está ligada à frente ampla que o elegeu. Então, ele só escuta um lado, que é um lado mais à esquerda, mais antiamericano, de reconstrução da ordem global, um pouco mais agressivo nas suas colocações."
Ex-embaixador do Brasil em Washington e Londres, Rubens Barbosa diz que agora é hora de conter os danos. "É um grande desafio para o Itamaraty, não só para conter o dano para o Brasil, mas também para recuperar sua influência e protagonismo na formulação e execução da política externa."
Santoro concorda: "É fundamental criar mais pontes e canais de diálogos entre nações do Norte e do Sul Globais, evitando polarizações que reforcem estereótipos e radicalizações ideológicas em um mundo que já está bastante exaltado."
Thomas Milz/Nilson Brandão colaboração/Caminho Político
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