Quase 24 mil maiores de 60 anos não têm um lar para viver no Brasil; em São Paulo, onde estão metade deles, o segmento já representa 12% do total de sem-teto. O número de pessoas sem-teto no Brasil cresceu mais de dez vezes em uma década — em dezembro, 261 mil brasileiros estavam nesta situação, segundo o Cadastro Único, do governo federal, ante 22 mil em 2013. Um recorte desta triste estatística tem chamado a atenção de pesquisadores e de quem atua na assistência aos mais vulneráveis: os idosos.
No total, os maiores de 60 anos em situação de rua já são 23.693. Praticamente metade desse contingente (10.108 idosos) vive no estado de São Paulo. Com dificuldades decorrentes da idade avançada, essas pessoas enfrentam uma rotina mais vulnerável nas ruas e a precariedade de sua qualidade de vida preocupa aqueles que atuam na assistência.
E o tema deve estar muito presente neste ano de eleições municipais, sobretudo nas grandes cidades brasileiras, onde pessoas em situação de rua são uma das principais questões sociais a serem enfrentadas.
"No cotidiano, observo um aumento de idosos nas ruas", comenta a psicóloga Lívia Maria Fontana, que atua no serviço de atenção primária à saúde Consultório na Rua, oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Fontana acredita que não exista uma causa única para explicar essa ocorrência. "É um fenômeno multifatorial e muito singular de cada situação", comenta. "Tem aquelas pessoas em situação de rua que já viviam na rua há muito tempo e ficaram idosas. Temos tido casos, infelizmente, de famílias que, literalmente, largam o idoso no portão."
"Também aparecem idosos na rua que não necessariamente tinham trajetória de situação de rua mas, por questões de saúde, neurológicas ou psiquiátricas, perdem-se de suas famílias e aparecem desorientadas nas instituições", acrescenta ela. "Tem idosos com renda física, como aposentadoria, que acabam comprometendo esse ganho com empréstimos e passam a viver na rua por dificuldades econômicas."
A presença de tantos idosos nas ruas brasileiras pode ser vista como consequência de dois fatores simultâneos: a crise econômica em que o país mergulhou nos últimos anos e o envelhecimento da população.
Apesar da urgência da questão, não existe nenhuma política nacional específica para esses idosos que vivem nas ruas — esta foi uma das principais conclusões da tese de doutorado Veia Arada: Velhices e Situações de Rua, Uma Etnografia, que a socióloga Natalia Negretti defendeu no ano passado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Em outras palavras, compete a cada município a definição de um modelo de atendimento a essas populações — e isto mostra como a questão é ainda mais crucial em um período eleitoral.
Em sua pesquisa de campo, Negretti refez os caminhos da população idosa da cidade de São Paulo, verificando suas condições nas ruas, em estabelecimentos prisionais e nas entidades assistenciais.
Em seu trabalho, a socióloga partiu de dados dos censos de população de rua realizados periodicamente pela prefeitura. E ao comparar os dados de todas as faixas etárias com aqueles específicos dos acima de 60 anos, a pesquisadora constatou o crescimento maior do grupo idoso. Em 2015, por exemplo, 7% dos sem-teto paulistanos eram idosos. Em 2019, 13%. Este foi o maior salto na série histórica analisada por ela.
No censo de 2021, o mais recente feito pela capital paulista, houve uma queda na proporção, com um registro de 12% dentre os moradores de rua. "Mas essa queda precisa ser vista com cuidado, porque houve a pandemia", ressalta a pesquisadora. Idosos estavam entre os grupos de risco da covid-19, especialmente antes do desenvolvimento das vacinas.
Necessidades específicas
A psicóloga Fontana avalia que os idosos em situação de rua têm necessidades diferentes daqueles que também não tem teto mas que são de outras faixas etárias. Ela comenta que a maior parte das instituições de acolhimento não contam com vagas adequadas, adaptadas para eles. E também lembra que as necessidades de saúde desse grupo são diferentes — muitos já enfrentam doenças crônicas, por exemplo, além de problemas de mobilidade.
"Na minha opinião, qualquer serviço que almeje acolher um idoso, mesmo sendo um equipamento de assistência social, deveria contar com profissionais de enfermagem ou, no mínimo, com cuidadores de idosos", defende Fontana.
Para o gerontólogo Henrique Salmazo da Silva e para a enfermeira e professora na Universidade de São Paulo (USP) Beatriz Aparecida Ozello Gutierrez, essa população precisa ser observada em suas peculiaridades. "Morar nas ruas durante a velhice implica em uma série de males futuros, incluindo a exposição à violência, à criminalidade, morbidade, acessos precários a serviços sociais e de saúde e baixa expectativa de vida", argumentaram, no artigo acadêmico Dimensões da Qualidade de Vida de Idosos Moradores de Rua do Município de São Paulo, de 2013.
"No que se refere aos moradores de rua e, principalmente, no contexto dos idosos moradores de rua, salienta-se a necessidade de ações que reduzam os estigmas em torno dessa população e ao mesmo tempo, identificar quais processos transformaram este segmento social em um problema, marcando uma questão social que precisa ser acompanhada pelos governantes, profissionais da saúde e sociedade civil, merecendo a formulação e implementação de políticas pública viáveis", recomendam os pesquisadores.
A socióloga Negretti vê nas questões de rotina as maiores especificidades deste segmento. "Desde problemas diários em torno de cuidados, e da saúde, como a questão da subjetividade, de como é diferente a autoestima", comenta.
Edison Veiga/Caminho Político
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