Pior do que a censura, só a autocensura: o caso do teólogo Lintner e o serviço eclesial dos teólogos.
Diante de um posicionamento de uma Congregação romana, que censura uma abertura doutrinal, pode-se tomar posição. Mas é muito pior se os teólogos, mesmo antes de serem censurados, se “autocensuram”, identificando uma série de temas sobre os quais “não se deve escrever”. Nem sequer dão a oportunidade à Congregação para dar o pior de si.
Eis o texto.
Há diversas questões que o “nihil obstat” negado à promoção a reitor do Prof. Martin Lintner levantaram no corpo eclesial de uma Igreja Católica que há anos está empenhada em um “caminho sinodal”.
Com a solidariedade ao colega, atacado por ter escrito ideias em âmbito moral e sexual diferentes do Catecismo da Igreja Católica, gostaria de expressar uma preocupação mais geral, que diz respeito à função que a teologia deve exercer a serviço do caminho eclesial de anúncio do Evangelho.
O ponto decisivo, a meu ver, é que a Igreja precisa de uma teologia verdadeiramente livre, porque só assim pode assumir verdadeiramente a tarefa de iluminar a tradição à luz da palavra de Deus e da experiência humana. Precisamente essa delicada ligação, que a GS 46 exprime da forma mais límpida, impõe ao “governo pastoral” uma relação sincera e franca com uma palavra teológica que seja, ao mesmo tempo, audaz e paciente. Sem audácia, não se é teólogo, e a Igreja, sem a audácia deles, carece de algo fundamental para si mesma. Teólogos domesticados tornam a Igreja mais solitária e mais velha.
No campo da moral sexual, um ideal burocrático, que certamente tem uma grande força sedutora nos escritórios das Congregações romanas, seria o de assumir o ponto de vista do Catecismo da Igreja Católica e desenvolver ordenadamente suas consequências. Mas esse, evidentemente, não é um verdadeiro ideal, mas sim uma via de escape em relação à tarefa eclesial efetiva: diante da experiência humana e diante da renovação da interpretação da Escritura, a sapiência doutrinal caminha, evolui, transforma-se e especifica-se. Por isso, precisamos de teólogos, para ajudar a Igreja a interpretar os “sinais dos tempos” com os quais a história sabe continuamente salpicar as vivências pessoais, sociais e eclesiais.
Toda a teologia requer essa capacidade de ler a história com profecia e com clarividência. Não só o campo moral exige essa força de superação de princípios considerados insuperáveis, diante das novas evidências da história e da consciência. O campo litúrgico-sacramental, que eu conheço melhor, também precisou de profetas nas últimas décadas para configurar de modo diferente a celebração eucarística, a iniciação cristã, para pensar de modo novo o exercício do ministério, para considerar também a mulher como sujeito ministerial, para repensar o rito da penitência ou o ministro da unção dos enfermos.
Em todos esses âmbitos, tivemos profetas, que pagaram também pessoalmente pelas novas evidências que trouxeram à tona, graças a seu estudo e a suas publicações.
Hoje também temos “desafios em aberto”, que não podem ser fechados por um escritório romano: não só para pensar diferentemente o conceito de homossexualidade ou de bênção, mas também os critérios de tradução do latim, o acesso da mulher ao ministério ordenado ou o papel da inculturação na práxis celebrativa nos cinco continentes. Tudo isso exige teólogos corajosos, capazes de interpretar aquilo que de bom aparece na história para o saber teológico comum, nesses grandes desafios ao pensamento e à prática da Igreja.
No entanto, justamente em relação a esses pontos delicados, mas decisivos, os teólogos muitas vezes permanecem tímidos demais e tendem a se esconder. Nas grandes discussões sobre o paralelismo ritual inaugurado pelo motu proprio Summorum Pontificum ou nas geradas pela instrução Liturgiam authenticam no delicado campo das traduções litúrgicas, muitíssimos dos meus colegas simplesmente se calaram. Não estavam de acordo, mas calavam.
Diante de um posicionamento de uma Congregação romana, que censura uma abertura doutrinal, pode-se tomar posição. Mas é muito pior se os teólogos, mesmo antes de serem censurados, se “autocensuram”, identificando uma série de temas sobre os quais “não se deve escrever”. Nem sequer dão a oportunidade à Congregação para dar o pior de si. Assumem isso em primeira pessoa. Isso se torna a mortificação do ministério do teólogo, que sempre deve se ocupar também daquilo que se tornou problemático para a vida da Igreja. E deve fazer isso mesmo contra o próprio interesse e contra a própria carreira. Até pagando pessoalmente. Somente assim permite que a Igreja avalie profundamente todo o quadro das questões em campo. Essa é a sua tarefa e o seu ministério.
Um caso de censura suscita a justa reação. Mas muito mais grave é condescender com uma pretensão burocrática, que pretenderia ter uma teologia exercida apenas no âmbito circunscrito das evidências catequéticas: não importa se alguns homens não são reconhecidos, se as mulheres são marginalizadas, se algumas dinâmicas pessoais são ignoradas e julgamentos sumários e injustos são reiterados. O mais importante passa a ser “quieta non movere et mota quietare”. Mas essa lógica, que nunca se justifica totalmente nem mesmo para um escritório burocrático como uma Congregação, é a que está mais longe do ministério do teólogo.
Recordemos que, em 2012, no 50º aniversário do início do Concílio, a Congregação para a Doutrina da Fé sobrepôs o Ano da Fé a esse aniversário e colocou o aniversário do Concílio em concorrência com o aniversário do Catecismo da Igreja Católica, pretendendo tornar o Catecismo o critério de leitura do Vaticano II. Os escritórios até podem fazer fiascos desse tipo, que não podem minimamente condicionar os teólogos.
Os teólogos, se têm um sentido no serviço à Igreja, devem oferecer esclarecimentos e salvar os fenômenos, com rigor e parrésia. Eles fazem isso à luz da Palavra de Deus e da experiência dos homens e das mulheres, na reciprocidade exigente entre essas duas fontes. As críticas às estruturas doutrinais adquiridas também fazem parte de seu ministério, até mesmo duro e exigente, mas nunca domesticável. Se a censura a um teólogo obtém o resultado de elevar o nível comum de autocensura, isso só ocorre em detrimento da experiência eclesial comum. Porque a Igreja não é nem um quartel nem uma associação mafiosa, mas sim uma comunidade de discípulos do Senhor.
O controle sobre a “doutrina comum” não pode mais ocorrer nas formas anônimas do Conselho dos Dez da República de Veneza. Mas a autocensura, que encontra milhares de pretextos para se justificar, priva a Igreja de um elemento vital de sua identidade: a audácia crítica de uma leitura diferente, com a qual o magistério pastoral é obrigado a se defrontar com seriedade, sem recorrer à desqualificação do interlocutor.
A censura muitas vezes tem como objetivo elevar o nível de autocensura. Se essa censura a Martin Lintner ajudar a mostrar que a autocensura não cresce, mas diminui, então será possível que se possa realmente falar do mérito – ou seja, da moral sexual – de modo profético e não apenas a partir de evidências em declínio (mas, em todo o caso, violentas) de uma sociedade fechada.
Tal sociedade perfeita, baseada em diferenças insuperáveis, não é mais o ideal da Igreja Católica, ainda que permaneça a ideologia persistente de alguns escritórios de Congregação. Não vai ser uma censura que vai inverter o curso da história. Em vez disso, uma pesada autocensura pode retardar o amadurecimento da consciência eclesial.
A reflexão é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma. O artigo foi publicado em Come Se Non e no Caminho Político. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Assessoria/ Caminho político
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