Além de fortalecer cadeias de valor, mulheres contribuem para manter a floresta em pé

Acordar antes do sol nascer, cultivar e produzir conforme as mães ensinaram e participar da gestão de programas de grande magnitude. Isso costuma ser a rotina de mulheres que trabalham no campo, indígenas e lideranças de projetos. Além de fortalecer a família e comunidade em que vivem, são elas que também contribuem para manter a floresta em pé. As indígenas Zoró, de Rondolândia (1.064 km de Cuiabá), por exemplo, são a força motriz da aldeia. Elas são responsáveis por coletar, quebrar e limpar as castanhas do Brasil. Segundo o engenheiro agrônomo, Paulo César Nunes, as mulheres têm mais paciência na lida da extração. 
Agora, os indígenas contam com uma agroindústria em meio a Amazônia, para beneficiamento da produção da castanha.
“Vai beneficiar diretamente a comunidade com um olhar muito atencioso para a questão da inclusão de gênero, a inclusão de jovens, a valorização do trabalho na comunidade e da agregação do valor de um produto da floresta, da sociobiodiversidade local que pode com certeza promover uma transformação social muito importante, garantindo a proteção do território e a conservação da floresta”, explica Paulo César.
É um trabalho minucioso, que exige um cuidado quase que maternal, de extrair a amêndoa da dura casca sem quebrá-la. São pelas mãos das mulheres Zoró que as castanhas do Brasil, da terra indígena, chegam até o consumidor final.
Katiele Pandere Puxut Zoró aprendeu ainda menina como que se colhe a castanha do Brasil no meio da Amazônia. O trabalho todo é feito em família, então crianças e adultos acompanham a ida até a floresta para encontrar os ouriços – onde as castanhas ficam abrigadas.
“Minha mãe me ensinou, meu pai, minha vó que entende mais, e ela me explicou tudo que a gente faz, como coletar a castanha. Eu aprendi com eles, eu vou ensinar meus filhos quando tiver eles”, comenta sobre o trabalho genealógico.
Aliada à extração das castanhas, os Zoró cuidam da floresta como se fosse da sua própria família, explica Gisele Atura'am Zoró, na língua Pangyje. “Nós cuidamos da floresta, porque a floresta é a nossa casa mesmo, por isso que a gente pode cuidar e não desmatar, porque nossas avós moravam aqui. Se a gente morrer, a gente vai ficar aqui mesmo, não vai mudar, por isso é importante cuidar, para a floresta ficar bem”.
Reforçando a fala de Gisele, Katiele conta como as mulheres são importantes na manutenção da família e da vegetação nativa. “É importante nós, mulheres, cuidar, porque nós, mulheres, que cuidamos da nossa família também, e a gente pode cuidar da floresta, porque a floresta que dá renda para nós”.
Mulheres na cadeia do leite
Nas primeiras horas do dia, elas já estão de pé. Em uma rotina que pode durar até 14 horas, as mulheres da cadeia do leite fazem a ordenha, higienizam os galpões, alimentam os animais e cuidam do pasto. O árduo trabalho, por sua vez, ganha reconhecimento aos poucos.
Associadas da Cooperprata (Cooperativa da indústria alimentícia do leite de Brasnorte), a produção de leite da região agora está mais valorizada. Antes da cooperativa, as famílias vendiam o leite a preços muito baixos para os laticínios, que aproveitavam a falta de concorrência.
De acordo com a coordenadora de finanças da Cooperprata, Janeina Braun, as mulheres exercem um importante papel na produção de leite. Responsáveis pela ordenha, elas direcionam as compras de insumos, assim como os trabalhos a serem feitos.
As mulheres também são mais preocupadas com a higienização e bem-estar dos animais. “Mesmo que o associado aqui seja homem, na maioria das famílias quem toca a frente dessa atividade é a mulher, pra fazer a ordenha. Ou seja, ela já tem mais cuidado com a higiene na hora de tirar o leite, tanto na hora da ordenha como depois, manter o local limpo pra próxima hora que for tirar o leite”, explica.
Além de facilitar a venda de insumos para o gado, a cooperativa ajuda a orientar as famílias em como preservar o pasto e também a vegetação próxima, explica a produtora Sinair Caldeira Primo.
“Antes a gente não tinha uma orientação, levava do jeito que achava que era o certo. Hoje não, a gente consegue produzir com melhor qualidade, com ajuda deles”.
Já a produtora Sueli Garcia começou no ramo após se casar com o marido Adriano Garcia, fundador da Cooperprata. Ela compartilha a paixão pela vida bucólica que leva no assentamento São Bento. Junto com a filha, Sueli coordena a ordenha.
As duas aproveitam o produto para também produzir queijo, consumido pela família.
“Aqui tem bastante mulher que gosta de tirar leite. Eu falo que o leite é a família, é a mão de obra familiar que alavanca o leite. É um ajudando o outro, um faz uma coisa, o outro faz outra. Tem outros cooperados que as mulheres vão lá tirar o leite cedo, e elas têm certeza que gostam também, eu vejo isso”, observa.
Mulheres na pecuária
No campo, elas representam mais de 40% da mão de obra agrícola nos países em desenvolvimento, de acordo com os dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Como exemplo de quebra de paradigmas, Rochelle Verlaine Beltramin é fazendeira e possui três propriedades rurais de pecuária de corte no município de Nova Bandeirantes, a quase mil km da capital.
Referência na região, ela relata que enfrentou muita resistência na hora de comprar as propriedades e criar o gado, pois produtores diziam que "não era coisa de mulher".
As propriedades de Rochelle estão inseridas no projeto Conect@gro: conectando conhecimento e boas práticas, do Instituto Centro de Vida (ICV). A iniciativa faz parte do rol de projetos financiados pelo REM MT.
No Conect@gro o trabalho é focado na gestão das propriedades nos aspectos econômico, social e ambiental. O objetivo é produzir com qualidade, gerar lucro, sem a necessidade de degradar novas áreas para abertura de pastos.
Para a fazendeira, quanto mais mulheres protagonistas no campo, melhor para a pecuária. “Nós somos cuidadosas com as coisas que fazemos. Somos detalhistas e dedicadas. O setor só tem a ganhar com a nossa participação cada vez mais efetiva nesses espaços de poder e tomadas de decisão”, afirma.
O desafio de ser mulher também se encontra na gestão de projetos socioambientais. Em Mato Grosso, o REM MT é uma das principais políticas de Estado no combate ao destamento ilegal, em especial na Amazônia.
A bióloga e coordenadora do REM MT, Lígia Vendramin destaca que estar a frente de um programa dessa magnitude é desafiador independente da questão de gênero, mas o fato de ser mulher lhe ajuda a lidar com situações muito diversas que o cargo exige.
“Penso que as mulheres, via de regra, possuem uma sensibilidade muito apurada. E isso ajuda a enfrentar diferentes tipos de situações com pessoas de opiniões e ideologias diversas. E o REM MT tem justamente essa característica, pois dialogamos com diferentes públicos: do produtor de commodities a comunidades indígenas, por exemplo”, destaca.
Assessoria/Caminho Político
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