Um equívoco e as suas razões: o amplo consenso do Papa Francisco e o silêncio de muitos teólogos. Artigo de Andrea Grillo














“A função da teologia litúrgica ainda está sujeita a um modelo ‘vinculado ao silêncio’. Eu acredito que o teólogo é obrigado a não se calar. Que deve dizer a verdade e que esta é a sua função específica: dizer sempre a verdade, mesmo quando for incômoda. Mesmo quando o papa dissesse que uma coisa branca é preta, o teólogo deveria dizer, com todo o respeito: não, a coisa é branca.”
Eis o texto.
Por que será que, diante de um texto elaborado pelos escritórios competentes da Cúria Romana, é quase espontâneo atribuir a sua “mens” ou até a sua “redação” a um simples teólogo que não tem nenhuma relação direta com a Cúria Romana e, no máximo, tem a única responsabilidade de ter escrito muitos textos, há 14 anos, precisamente sobre o tema abordado pelo procedimento papal?
As razões mais profundas desse equívoco, pequeno e marginal, afundam as suas raízes em uma condição mais delicada, que diz respeito, ao mesmo tempo, ao consenso amplo e pouco considerado de que Francisco desfruta nesse âmbito e o grande silêncio que encobriu esse tema durante todos esses 14 anos.
O que aconteceu? Tento explicar com alguns dados. Depois de 2007, o tema do motu proprio Summorum pontificum foi cuidadosamente evitado por muitos teólogos, até mesmo liturgistas. Havia um compreensível desconforto.
Eu também lembrei, em um post anterior, que a manifestação de um certo “consenso” em relação ao Summorum pontificum havia se tornado, até 2013, um critério de escolha dos candidatos ao episcopado.
Mas, além desse condicionamento, que também não é desprezível, era evidente que se preferia ignorar esse tema incômodo. Assim ocorreu um fenômeno singular.
Enquanto, no exterior, muitos teólogos, ao longo dos anos, têm tomado uma posição abertamente crítica sobre o Summorum pontificum, na Itália criou-se uma estranha situação: eu ganhei quase a exclusividade sobre o tema – involuntariamente e com a bela exceção do Pe. Matias Augé – mesmo que muitíssimos colegas, às vezes aos sussurros, nos corredores ou nos elevadores (que, como se sabe, são mais seguros), me diziam: “Veja, eu penso como você, poderia subscrever todos os seus comentários, mas, você sabe, existem dificuldades. Além disso, você tem a sorte de ser leigo...”.
Isso criou a estranha percepção, distorcida e enganosa, de que as ideias que podem ser lidas no motu proprio Traditionis custodes são, por assim dizer, um “destilado” do que eu escrevi. Nada de mais falso.
Vamos virar a moeda. Eu simplesmente escrevi o que a maioria dos observadores pensava mas não escrevia. Por isso, o conteúdo do Traditionis custodes é o concentrado de um pensamento comum, amplamente difundido, profundamente enraizado, que habita estavelmente nas mentes e nos corações do povo de Deus e dos seus pastores.
Não há problema aqui. O problema, no máximo, está no obstinado silêncio dos teólogos. Por que não se deveria expressar todas as próprias reservas sobre um procedimento tão frágil e tão mal argumentado, e que causa tanta divisão? Eu não consigo entender isso.
Obviamente, agora todos estão dispostos a falar sobre isso. Mesmo aqueles que haviam exaltado a oportunidade do Summorum pontificum podem falar a favor do Traditionis custodes.
É da lógica das coisas: a tendência da teologia de se encarregar, digamos assim, das variáveis tendências do magistério às vezes é verdadeiramente admirável.
Mas o equívoco está todo aqui: as coisas que eu escrevi pareceram ter muito mais autoridade do que realmente tinham, porque eu trabalhava quase em um regime de monopólio, sem ter escolhido isso. Isso, porém, alterou dois dados fundamentais, que devem ser levados em conta hoje.
a) O Papa Francisco goza do pleno consenso de toda a Igreja e da esmagadora maioria dos teólogos e liturgistas. Ele não segue “teólogos de nicho”, mas dá voz ao “sensus fidei”. O que está escrito no Traditionis custodes interpreta a “communis opinio” dos melhores locais de formação italianos e estrangeiros e do sensus fidei do povo de Deus.
b) A função da teologia litúrgica ainda está sujeita a um modelo “vinculado ao silêncio”. Eu acredito que o teólogo é obrigado a não se calar. Que deve dizer a verdade e que esta é a sua função específica: dizer sempre a verdade, mesmo quando for incômoda. Mesmo quando o papa dissesse que uma coisa branca é preta, o teólogo deveria dizer, com todo o respeito: não, a coisa é branca.
Algo semelhante aconteceu com o motu proprio. O Papa Bento XVI, em 2007, com um gesto muito ousado, disse que o Summorum pontificum era branco. Eu, lendo-o com cuidado, considerei que ele era preto e escrevi isso. Assim como eu, também fizeram outros teólogos nos Estados Unidos, na França, na Bélgica, na Alemanha. Todos os liturgistas italianos também sabiam que o Summorum pontificum era preto, mas não diziam isso e, mesmo quando diziam que ele era branco, poucos realmente pensavam isso.
Agora Francisco disse: o Summorum pontificum é preto. Ele não disse isso porque alguém lhe sugeriu isso a ele, mas ele simplesmente expressou aquilo que todos sabiam há muito tempo e apenas esperavam que outros lhe dissessem.
A opinião é de Andrea Grillo, teólogo italiano e professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em artigo publicado por Come Se Non e Caminho Político. A tradução é de Moisés Sbardelotto. Edição: Régis Oliveira . @caminhopolitico @cpweb

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