Cúpula Biden-Putin: sem hostilidades, mas com claras divergências

Direitos humanos, segurança cibernética, Ucrânia e armas nucleares são temas. Putin compara prisão de Navalny com processos contra invasores do Capitólio. "Ridículo", responde Biden. Os presidentes dos Estados Unidos, Joe Biden, e da Rússia, Vladimir Putin, avaliaram de forma positiva a primeira reunião de cúpula entre ambos, que ocorreu nesta quarta-feira (16/06) em Genebra, na Suíça.
Putin, que foi o primeiro a falar com a imprensa depois da cúpula, classificou o encontro de produtivo e disse que não houve hostilidades entre os líderes durante as conversas, que acabaram mais cedo do que o esperado. O líder russo disse que Biden é um homem de Estado experiente e muito diferente do ex-presidente Donald Trump e que ambos falaram o mesmo linguajar.
Biden, que falou pouco depois do líder russo, disse que o tom do encontro foi positivo. "Eu fiz o que vim para fazer", resumiu, acrescentando que não houve ameaças de ambos os lados.
Direitos humanos
O presidente americano afirmou que abordou a questão dos direitos humanos na Rússia, em especial a prisão do líder oposicionista Alexei Navalny. "Deixei claro para Putin que as consequências seriam devastadoras para a Rússia", afirmou sobre a eventualidade de Navalny morrer na prisão.Putin confirmou que Biden abordou o tema de direitos humanos na Rússia, incluindo a detenção de Navalny. O líder russo desviou de perguntas sobre a situação no seu país com a já tradicional tática de apontar o dedo para o outro, desta vez mencionando os protestos do grupo Black Lives Matter, a invasão do Capitólio e a prisão de Guantánamo.
O presidente da Rússia então comparou a prisão de críticos como Navalny, que lutam por eleições livres na Rússia, com as ameaças de detenção de pessoas que participaram da invasão do Capitólio, que, ao contrário, tentavam invalidar à força o resultado de uma eleição cuja lisura foi atestada por várias autoridades.
Putin afirmou que os manifestantes tinham "demandas políticas" e acabaram presos. Biden disse que retrucou. "Acho essa comparação ridícula", afirmou o presidente americano na sua entrevista à imprensa. Ele sublinhou haver uma grande diferença entre manifestações a favor de eleições livres e a invasão do Capitólio por pessoas que ameaçaram policiais com armas.
Cibersegurança
Putin negou que a Rússia tenha desempenhado algum papel nos ataques cibernéticos a instituições nos EUA. Os Estados Unidos e a Rússia também iniciarão consultas sobre segurança cibernética, após as acusações do governo americano sobre supostos ataques realizados a partir de território russo, anunciou o presidente russo.
Biden afirmou ter destacado que, se a Rússia violar regras básicas, os Estados Unidos vão responder. "Destaquei para ele que temos uma significativa capacidade cibernética, e ele sabe disso." O líder americano disse ter entregue ao russo uma lista com 16 instituições da infraestrutura crítica que devem estar fora dos limites de qualquer ataque.Biden expressou confiança em que Putin tenha entendido a mensagem. "Acho que a última coisa que ele quer é uma guerra fria."
Outros temas
Os dois presidentes concordaram em iniciar negociações sobre limitar armas nucleares com o objetivo de substituir o atual tratado Start, que se encerra em 2026. Os EUA se retiraram das negociações em 2014, depois da anexação da Crimeia pela Rússia e do apoio russo aos separatistas na região ucraniana do Donbass. As negociações foram retomadas em 2017, mas pouco avançaram desde então.
Biden disse ter deixado claro o compromisso dos Estados Unidos com a integridade territorial da Ucrânia.
Putin ainda disse que o embaixador dos Estados Unidos em Moscou e o embaixador russo em Washington, John Sullivan e Anatoly Antonov, respectivamente, retornarão aos seus postos de trabalho em breve.
A Rússia retirou seu embaixador de Washington depois de Biden chamar Putin de assassino. Dois meses depois foi a vez de Sullivan deixar Moscou.
O encontro durou menos do que o previsto. Em vez de cinco horas foram apenas três, divididas em duas sessões. Da primeira participaram os dois presidentes e seus respectivos ministros do Exterior. A segunda sessão teve a participação de assessores.
"Cara a cara é melhor"
A reunião com Putin foi o ponto alto da primeira viagem de Biden à Europa, em meio às crescentes tensões entre a Rússia e os países ocidentais.
"Muitas questões se acumularam nas relações russo-americanas", declarou Putin no início do encontro, quando agradeceu a Biden pela iniciativa. Já o americano respondeu que "é melhor quando nos vemos cara a cara".
Confusão entre jornalistas
O início da cúpula foi marcado por cenas de tensão, com gritos e empurrões entre jornalistas americanos e russos, tanto do lado de fora de Villa La Grange como dentro da mansão, na sua biblioteca.
Repórteres americanos reclamaram que não foi permitido que todos os credenciados entrassem na biblioteca da mansão, enquanto a emissora russa Rossiya 24 culpou os jornalistas americanos por procurarem as melhores posições.
Como consequência dessa situação, os dois líderes fizeram suas declarações de abertura na cúpula enquanto jornalistas de ambos os países gritavam e se empurravam dentro da sala.
Em meio à confusão, Biden foi questionado pela jornalista da NBC Elyse Perlmutter se confiava em Putin. O presidente dos EUA balançou a cabeça para cima e para baixo, o que foi interpretado pela mídia como um sim.
Mais tarde, a Casa Branca negou que o aceno de cabeça de Biden tenha sido uma resposta à pergunta e afirmou que o presidente apenas balançou a cabeça ao ver o caos que se desenrolava entre os jornalistas dentro da biblioteca.
Quando um repórter questionou o presidente russo sobre se ele temia o opositor preso Alexei Navalny e o que ele faria se a Ucrânia aderisse à Otan, Putin ergueu os olhos e não respondeu.
Contraste com Trump
Após participar das cúpulas do G7 e da Otan e se reunir com líderes da União Europeia, Biden chegou a Genebra munido de novos argumentos e com forte apoio dos países parceiros.
Na reunião de segunda-feira, em Bruxelas, a Otan afirmou que "as ações agressivas da Rússia constituem uma ameaça" à sua segurança.
A abordagem de Biden face à Rússia assinala uma clara ruptura com a do seu antecessor, Donald Trump.
O único encontro que Trump e Putin tiveram, em julho de 2018 em Helsinque, ficou marcado pela recusa de Trump em legitimar as conclusões das suas próprias agências de informações sobre a interferência russa na eleição de 2016, preferindo ficar com a palavra de Putin de que a Rússia não interferiu.
Alexandre Schossler/Caminho Político
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