Secretário de Saúde Indígena afirma que não pode se responsabilizar por indígenas urbanos

Responsabilidade seria de secretários de saúde, enquanto indígenas em aldeias são vacinados pelo Ministério da Saúde.O secretário especial de Saúde Indígena, Robson Santos da Silva, explicou a parlamentares, nesta sexta-feira (14), que não é tarefa da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) do Ministério da Saúde vacinar, contra a Covid-19, indígenas em áreas urbanas. Ele disse que a responsabilidade do órgão, conforme as normas vigentes, limita-se às terras indígenas, cabendo a estados e municípios a atuação em territórios urbanos.
Silva falou em resposta a deputados e participantes de uma videoconferência que cobraram do governo federal a priorização de indígenas que vivem em cidades na vacinação contra a Covid-19. A audiência, promovida pela Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e Amazônia da Câmara dos Deputados, discutiu política indígena e as consequências da pandemia entre os povos indígenas.
“O governo federal fez a sua parte. Municípios estão sendo remunerados para atender os índios urbanos”, afirmou o secretário. Ele acrescentou que não tem como tirar sua equipe de dentro do território indígena para dentro da cidade. “A gente entende que é uma questão humanitária, mas nós sozinhos não vamos dar conta disso. Não vamos dar conta de vacinar indígena dentro da cidade de Manaus, se as comunidades são mistas. Hoje não temos como saber se uma pessoa fora das aldeias é indígena ou não”, disse.
Atualmente, são prioridade no plano nacional de vacinação os povos indígenas vivendo em terras indígenas. No entanto, na avaliação do deputado Airton Faleiro (PT-PA), um dos que sugeriram o debate, é necessário incluir os indígenas que moram em áreas urbanas. “As populações indígenas, por morarem na cidade, não deixam de ser indígenas e não deixam de ser mais vulneráveis”, argumentou.
Também para a coordenadora da 6ª Câmara do Ministério Público Federal, que trata de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais, Eliana Peres Torelly de Carvalho, não faz diferença um indígena estar ou não na aldeia.
“Veja a própria situação de trânsito dos indígenas que estão nas cidades e muitas vezes retornam a suas aldeias. Nesse movimento, não raro há contaminação. Essas pessoas estão nas cidades por uma série de motivos. Muitas vezes é algo transitório, para resolver uma questão previdenciária, uma consulta ou para estudos. Mas muitas vezes aquele indígena já está lá por algum motivo que vai gerar uma permanência mais longa, mas isso não retira dele a condição de indígena”, disse a coordenadora.
A mesma cobrança – de vacinação prioritária de indígenas em cidades – já havia sido feita por participantes de outra audiência realizada pela Câmara em 19 de abril.
O secretário de Saúde Indígena sugeriu que, da próxima vez, participem da reunião representantes dos secretários municipais e estaduais de saúde, a fim de também falarem sobre suas responsabilidades no assunto.
Números
Segundo Robson da Silva, já no primeiro lote de vacinação o governo federal mandou 907 mil doses de vacinas para os indígenas que estavam sob sua responsabilidade, ou seja, nas terras indígenas. No total, são quase 756 mil indígenas distribuídos em 5,8 mil aldeias.
Dados do boletim epidemiológico da Sesai para Covid-19 indicam a morte de 672 indígenas em decorrência da doença causada pelo novo coronavírus. “Tivemos um pico em junho do ano passado e hoje a gente praticamente zerou”, afirmou Silva.
Robson da Silva negou, em resposta a perguntas que chegaram à audiência, que o ministério tenha mandado os chamados “kits Covid” para os territórios indígenas, mas admitiu que o termo foi usado por um gestor em Rondônia. Ele explicou, por outro lado, que foram mandados medicamentos para malária, o que incluiria cloroquina e ivermectina, que não têm eficácia comprovada no tratamento da Covid-19. “Estamos em uma área endêmica de malária”, justificou.
Territórios indígenas
A audiência abordou ainda outras questões, como proteção de território indígenas. Eliana Torelly criticou o fato de há três anos não se demarcar nenhuma terra indígena no Brasil. “O presidente [Michel] Temer não demarcou. O atual, [Jair] Bolsonaro, também não demarcou. As situações de conflito vão se perpetuando. É um direito garantido pela Constituição, não é nenhum favor aos povos indígenas”, afirmou.
A subprocuradora-geral da República também pediu atenção dos parlamentares a proposições legislativas que ameaçam os povos indígenas. Uma delas seria o Projeto de Decreto Legislativo 177/21, que autoriza o presidente da República a denunciar a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho. “Essa convenção tem sido um enorme instrumento de proteção aos povos indígenas.”
O deputado José Ricardo (PT-AM), que também sugeriu e coordenou os debates, acrescentou que há uma série de projetos em análise na Câmara para retirar direitos de indígenas e permitir, por exemplo, o garimpo em seus territórios. “É uma ameaça permanente e constante”, avaliou o parlamentar.
Já a deputada Vivi Reis (Psol-PA) afirmou que o governo de Jair Bolsonaro mostrou em seu primeiro dia de que lado está. “Não me parece que estão a serviço da garantia da saúde dos povos indígenas.”
Reportagem – Noéli Nobre
Edição – Cláudia Lemos
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