CORONAVÍRUS: Brasil pede ajuda à UE para aquisição de vacinas e medicamentos

Em reunião no Parlamento Europeu, embaixador brasileiro reconhece gravidade da crise no país. Durante encontro, eurodeputados criticam gestão de Bolsonaro e lei que permite aquisição de vacinas pelo setor privado.O embaixador do Brasil na União Europeia, Marcos Galvão, defendeu nesta quinta-feira (15/04) a vacinação no combate à pandemia e pediu apoio do bloco europeu para a aquisição de mais imunizantes e medicamentos que estão em falta no país sul-americano. O apelo foi feito durante uma reunião da Delegação do Parlamento Europeu para as relações com o Brasil.
"Diante da situação, nossas prioridades humanitárias, sanitárias e econômicas precisam ser vacina, vacina, vacina. Não há outro meio para sair deste desastre que afeta a todos. É uma corrida contra o tempo para salvar muitas vidas no Brasil e milhões no mundo", afirmou Galvão na reunião que foi convocada pelos eurodeputados para debater a situação da pandemia de covid-19 no Brasil.
Ao falar sobre a campanha de vacinação, Galvão afirmou que o país tem capacidade de vacinar 2,4 milhões de pessoas por dia. "Se houvesse imunizantes de covid-19 disponíveis em quantidade suficiente poderíamos vacinar nossa população mais rápido", destacou.
O embaixador disse ainda que o governo federal teria assinado contratos de compras de doses suficientes para imunizar toda a população brasileira ao longo deste ano e argumentou que a lentidão da vacinação enfrentada no país é um problema comum a nível mundial, que estaria ocorrendo, em partes, devido a atrasos na entrega de imunizantes e de insumos para a produção destes.
Resistência de Bolsonaro
Galvão, porém, não citou a resistência de Jair Bolsonaro em firmar contratos para a aquisição de vacinas no decorrer do ano passado. Inicialmente, o governo apostou todas as fichas no imunizante criado pela farmacêutica anglo-sueca AstraZeneca e a Universidade de Oxford, que têm parceria com a Fiocruz. O presidente tentou ainda sabotar iniciativas paralelas de vacinação e combate à doença lançadas por governadores e prefeitos em resposta à inércia do seu governo na área.
Em outubro, o presidente afirmou categoricamente que não compraria a vacina chinesa Coronavac – em claro embate com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que impulsionou o desenvolvimento da vacina da Sinovac, da China, em parceria com o Instituto Butantan. Atualmente, mais de 80% das doses aplicadas no país são de Coronavac.
Já a vacina desenvolvida pela farmacêutica americana Pfizer e a empresa de biotecnologia alemã Biontech esteve no centro de uma briga pública entre a Pfizer e o Planalto. Durante meses, Bolsonaro criticou e se recusou a assinar o contrato oferecido pela empresa.
No discurso, Galvão reconheceu a gravidade atual da crise sanitária no país e apresentou um panorama com os atuais números da pandemia no Brasil, além de dados sobre o auxílio emergencial, destacando que, apesar da redução do valor do benefício para a rodada prevista neste ano, a medida "mesmo assim será significante". Ele defendeu ainda o Sistema Único de Saúde (SUS) e pediu o apoio da União Europeia para adquirir medicamentos, principalmente os usados para a intubação de pacientes, e oxigênio que estão em falta no país.
O Brasil enfrenta o pior momento da crise do coronavírus, com uma explosão no número de casos que levou ao colapso do sistema de saúde em vários estados. Os óbitos em decorrência da covid-19 também vêm aumentando nos últimos meses e têm batido recordes diários constantes. A doença já deixou mais de 361 mil mortos no país.
Críticas de eurodeputados
A gestão federal da crise do coronavírus foi alvo de críticas de eurodeputados durante o debate. Desde o início da pandemia, Bolsonaro minimizou a doença, a qual chegou a chamar de gripezinha num pronunciamento na televisão. Ele também defendeu tratamentos ineficazes e se posicionou contra o uso de máscaras, confinamento e distanciamento social – medidas consideradas fundamentais pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para conter a transmissão do vírus. O presidente participou ainda de vários eventos sem máscara e causou aglomerações em diversas ocasiões.
"O que acontece no Brasil é uma tragédia que poderia ter sido evitada. Essa tragédia se baseia em decisões políticas erradas tomadas pelo governo Bolsonaro", afirmou a eurodeputada alemã Anna Cavazzini, do Partido Verde, que é vice-presidente da Delegação do Parlamento Europeu para as relações com o Brasil.
Antes da reunião, Cavazzini já havia responsabilizado "as políticas desastrosas" do governo federal pela grave situação enfrentada no Brasil. "Ao encorajar aglomerações, se opor a medidas como restrições de contato e lockdown, e negligenciar a compra de vacinas, Bolsonaro tem responsabilidade pela situação catastrófica no Brasil".
Já o eurodeputado espanhol Miguel Urbán Crespo, do Grupo da Esquerda, afirmou que crise sanitária enfrentada no Brasil tem causas políticas, cuja responsabilidade é do atual governo federal. "Em vez de declarar guerra ao coronavírus, Bolsonaro declarou guerra à ciência, à medicina e à vida", destacou.
Crespo criticou ainda a lei aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente que permite à aquisição de vacinas contra a covid-19 por empresas privadas, a qual, segundo ele, deve levar ao aumento dos preços dos imunizantes e beneficiará apenas poucos. "Por ação ou omissão, a necropolítica de Bolsonaro é um crime de lesa humanidade contra a população brasileira", ressaltou.
A eurodeputada espanhola Clara Aguilera, do grupo da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas, também considerou preocupante a aprovação da legislação que permite que empresas privadas adquiram vacinas e afirmou que esse tipo de medida pode ter um impacto a nível mundial nos preços dos imunizantes.
Ao responder o questionamento dos eurodeputados, Galvão evitou comentar as críticas e afirmou que o Brasil possui instituições fortes e capazes de investigar e analisar a questão sobre responsabilidades de supostos erros e omissões na pandemia.
"Estamos falando aqui de vidas, vamos deixar a política para depois. Não vamos salvar vidas hoje, amanhã, na próxima semana, se entrarmos num debate que já acontece e continuará a acontecer. Minha missão aqui é pedir aos senhores que usem sua influência política para apoiar um país que tem capacidade não somente de se salvar, mas também ajudar outros, pois somos industrialmente fortes na produção de vacinas", disse o embaixador.
Mudanças em critérios de distribuição de vacinas
Participaram ainda do debate Veronique Lorenzo, diretora do departamento da América do Sul, do Serviço Europeu de Ação Externa, o serviço diplomático da UE; Sylvan Aldigheri e Socorro Gross Galiano, representantes da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), e Camila Asano, diretora de programas da ONG Conectas.
Em seu discurso, Aldigheri e Galiano defenderam mudanças nos critérios de distribuição de vacinas pelo consórcio global liderado pela OMS Covax Facility para que mais doses sejam enviadas as Américas, principalmente para o Brasil. Segundo eles, diversos países da região, principalmente os do Cone Sul, enfrentam um aumento preocupante no número de casos de covid-19, com a propagação da variante brasileira do coronavírus em ao menos 19 deles.
"Pela primeira vez na história, o Brasil enfrenta um colapso no sistema de saúde. O país está no epicentro da pandemia neste momento", afirmou Galiano, que é representante da Opas no Brasil. Ela destacou que a situação é crítica, com a escassez de medicamentos dos kits de intubação, oxigênio e leitos. Segundo ela, dez estados estão com 95% dos leitos de UTIs ocupados.
Já a diretoras da ONG de direitos humanos Conectas fez críticas às políticas federais de combate à pandemia. Segundo Asano, a resposta do governo brasileiro não pode ser somente definida por incompetência ou omissão. "Houve medidas proativas que não protegeram a população e aumentaram a velocidade da transmissão do vírus", afirmou, exemplificando com o veto de Bolsonaro a uma lei aprovada pelo Congresso que determinava a obrigatoriedade do uso de máscara em locais público e a recusa inicial do presidente em negociar a compra de vacinas.
Asano afirmou ainda que Bolsonaro realizou uma campanha contra a saúde pública, ao disseminar fake news e informações sem nenhuma comprovação científica, estimular o uso de medicamentos sem eficácia comprovada, como a hidroxicloroquina, se recusar a comprar vacinas e minimizar a pandemia.
"Em vez de lutar com todos as forças para conter a pandemia, Bolsonaro aumentou os ataques contra instituições democráticas, jornalistas e sociedade civil", ressaltou Asano. "Não vivemos mais em uma situação de normalidade democrática, pedimos que o Parlamento Europeu continue observando de perto essa situação", acrescentou.
Clarissa Neher/Caminho Político
@caminhopolitico @cpweb

Comentários