"Para os opositores, não se trata simplesmente de identificar um candidato que ponha freio na linha do pontífice argentino. Trata-se de encontrar uma pessoa que se apresente ao mundo com uma aura de confiança igualmente consistente", escreve Marco Politi, jornalista, ensaísta italiano e vaticanista, em artigo publicado por Il Fatto Quotidiano e Caminho Político. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o artigo.
Em poucas semanas, o Papa Francisco completará 84 anos, e não é de hoje que se articulam nos bastidores as manobras para a sua sucessão. Não são especulações abstratas. Pessoas autorizadas dizem isso, como o cardeal alemão Walter Kasper, seu grande eleitor no conclave de 2013, ou o Pe. Arturo Sosa, geral da Companhia de Jesus.
Há uma fatia do mundo eclesiástico que não gosta desse papa, há um alinhamento entre bispos e cardeais que quer influenciar no próximo conclave e pressiona para impedir que seja eleito um continuador da sua linha de remodelagem da Igreja, da Cúria, do próprio modo de entender o testemunho de fé no século XXI.
As motivações que animam o front conservador são variadas e vão desde argumentos teológicos a posições político-econômicas. Mas há um elemento de propaganda anti-Bergoglio, que é particularmente insidioso e que é repetido implacavelmente nos bastidores.
No fundo, Francisco seria um pontífice “inconclusivo”, que desorienta os bons católicos e suscita um maior número de seguidores entre os estranhos e os externos à Igreja do que entre os fiéis. É realmente assim?
Uma recente pesquisa de Ilvo Diamanti desmente esse estereótipo de propaganda. Na verdade, se o consenso geral na Itália em relação ao Papa Bergoglio ainda se mantém alto, em cerca de 70%, as coisas mudam se a atenção se focar no “povo da missa”: a parcela de fiéis que permanecem apegados à tradição do rito dominical e não interromperam a conexão estável com sua própria paróquia.
Diamanti fez a pergunta: “Quanta confiança você sente em relação ao Papa Francisco?” para aqueles que vão à missa todas as semanas ou quase todos os domingos. E a resposta é que 91% dos católicos praticantes questionados expressaram a sua “confiança” em Francisco. Um percentual ainda maior do que o consenso excepcional (88%) que Bergoglio registrou em 2013, o ano da sua eleição.
Confiança é uma palavra particular, revela uma atitude de confiança que vai além da concordância meramente intelectual. Significa que você confia na orientação dada, para além dos altos e baixos e até mesmo dos erros que podem acontecer ao longo do caminho. Significa confiar na direção tomada e na sinceridade de quem a segue. Esse é o capital que Francisco parece ter acumulado ao longo dos anos.
O ano 2020 não foi fácil. Mas existem três fatores cruciais que fortaleceram a figura simbólica do pontífice argentino nesse período. O primeiro diz respeito à capacidade de orientação espiritual, que ele conseguiu assumir quando eclodiu a pandemia do coronavírus, quando negou a visão da “peste” como julgamento de Deus, defendendo, pelo contrário, que é hora de os homens e as mulheres do século XXI (crentes ou não) julgarem que tipo de sociedade e de convivência – solidária ou não – pretendem escolher (sobre esse tema, publiquei recentemente um livro, “Francesco, la Peste, la Rinascita”, Ed. Laterza).
O segundo fator é recente. Diz respeito ao afastamento do cardeal Angelo Becciu do colégio cardinalício. Os investigadores vaticanos ainda estão lutando para desfazer o emaranhado de investimentos errados e malversações, relações com mediadores opacos, favoritismos familiares, encargos de missões secretas para personagens improváveis como Cecilia Marogna – mas Bergoglio foi direto ao coração da opinião pública no momento em que determinou que Becciu não merecia continuar sentado tranquilamente no “senado da Igreja”.
Foi uma ruptura com a atitude inveterada de deixar que personalidades responsáveis por escolhas muito questionáveis continuassem usando a púrpura nas grandes cerimônias. A opinião pública percebeu essa ruptura imediatamente.
Ainda mais claro e compartilhado foi o terceiro gesto de Francisco, muito recente. A publicação do muito mais do que exaustivo relatório sobre o cardeal (também ex, porque foi expulso pelo pontífice) Theodore McCarrick. A opinião pública entendeu perfeitamente que o Papa Bergoglio não teve medo de trazer à tona as responsabilidades de João Paulo II e da sua comitiva ao promover às mais altas honras um bispo que não era digno delas e a responsabilidade de Bento XVI (como já ocorreu com o fundador dos Legionários de Cristo, Marcial Maciel) ao não ter aberto um processo eclesiástico contra McCarrick.
É nessa transparência de conduta, nessa clareza de linha (apesar dos zigue-zagues a que Bergoglio às vezes é forçado pela guerra civil em curso no catolicismo) que se encontra o motivo do capital de confiança que o Papa Francisco parece ter acumulado entre os católicos praticantes, assim como entre muitos não crentes.
No domingo passado, no Ângelus, o pontífice argentino reiterou mais uma vez o que significa estar “do lado das ovelhas”. Não é uma questão de doutrina, não é uma questão de sentimentos abstratos. Muito concretamente, o cristão será julgado pela “compaixão que se faz proximidade e ajuda solícita. Aproximo-me dos doentes, dos pobres, dos sofredores? Esta é a pergunta de hoje”.
Assim, torna-se mais complicado o jogo do próximo conclave. De fato, para os opositores, não se trata simplesmente de identificar um candidato que ponha freio na linha do pontífice argentino. Trata-se de encontrar uma pessoa que se apresente ao mundo com uma aura de confiança igualmente consistente. E isso não é fácil.
Artigo publicado por Il Fatto Quotidiano e Caminho Político. A tradução é de Moisés Sbardelotto. @CaminhoPolitico
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