“O capitalismo cria necessidades artificiais para vender suas mercadorias”. Entrevista com Razmig Keucheyan


Quais são realmente as nossas necessidades? Pergunta a que a sociedade francesa se viu de alguma maneira obrigada a responder durante a quarentena, o que obrigou a definir uma lista de atividades “essenciais à vida da nação”. Numa época em que proliferam as chamadas necessidades “artificiais”, criadas do nada pelo capitalismo e incentivadas pela sociedade de consumo, esta não é uma tarefa fácil. Em seu livro Les besoins artificiels. Comment sortir du consumérisme? (As necessidades artificiais. Como sair do consumismo?), publicado em setembro de 2019, o sociólogo e professor da Universidade de Bordeaux Razmig Keucheyan imagina uma forma de redefinir coletivamente nossas necessidades, para torná-las mais ecologicamente sustentáveis e menos alienantes para o indivíduo. Esta é uma questão essencial se quisermos ter alguma esperança de mudar nossas formas de produzir e consumir.
Eis a entrevista.
Seu livro tem por título “as necessidades artificiais”. Em poucas palavras, o que essas necessidades abarcam?
Cada um de nós sente no fundo o que é uma necessidade artificial, mesmo que depois seja difícil integrar essa noção a uma reflexão mais teórica. E, acima de tudo, encontrar os meios de lutar contra. Podemos citar como exemplo a obsessão pela enésima versão do iPhone.
Dito isso, também existem necessidades mais ambivalentes. Ouvir música, viajar, são necessidades artificiais no sentido de que não são uma condição necessária para a sobrevivência. Estas não são necessidades vitais. São necessidades culturais que nem sempre existiram, ou não da forma que as conhecemos hoje. Portanto, nem toda necessidade artificial é necessariamente prejudicial.
Torna-se nociva quando deixa de ser ecologicamente sustentável – é o caso, por exemplo, do turismo que, com o desenvolvimento de voos low cost [baixo custo], passa a ser um grande emissor de gases de efeito estufa – e/ou que provoca certos afetos alienantes no indivíduo. Pode ser frustração ou formas de vício que às vezes podem levar ao transtorno do consumo compulsivo.
Porque o consumismo não é nefasto apenas para o meio ambiente, também é ruim para cada um de nós. Menciono no meu livro o exemplo dos “Devedores Anônimos”, concebido no modelo dos Alcoólicos Anônimos, onde pessoas superendividadas por causa de seu frenesi de consumo compartilham seu desconforto e falam do seu vício em círculos de conversa.
Você cita abundantemente as obras de André Gorz e Agnes Heller. Como elas inspiraram você?
Esses dois autores me interessaram porque tratam da ligação entre necessidades e capitalismo. Esse vínculo pode ser formulado de duas maneiras: podemos perguntar “como o capitalismo cria necessidades artificiais”, mas também “como politizar as necessidades para desenvolver uma crítica do capitalismo”. Questionar o que distingue as necessidades genuínas das necessidades artificiais é, portanto, colocar-se a questão da superação do sistema capitalista.
Gorz escreveu durante a Guerra Fria na Europa Ocidental; ele toma, pois, a sociedade de consumo como objeto de estudo. Heller, na mesma época, encontra-se na Hungria, do outro lado da Cortina de Ferro, onde percebe que a existência de uma casta de burocratas que decide sobre as necessidades de todos leva ao desastre. Portanto, aborda as necessidades sob o ângulo da “ditadura sobre as necessidades”.
Meu objetivo neste livro era atualizar suas teorias complementares, usando-as para pensar sobre a crise ambiental em que vivemos e as saídas.
Tudo isso se encaixa mais amplamente na teoria marxista, parte da aparelhagem é útil para compreender nossas necessidades. A alienação referida por Marx é outra maneira de falar das necessidades artificiais.
Quem cria essas necessidades artificiais?
A criação de necessidades artificiais cada vez numerosas em nossa sociedade deve ser encontrada na própria lógica do capitalismo, um sistema que é essencialmente produtivista e consumista. Do lado produtivista, o capitalismo encoraja a produzir cada vez mais, pela concorrência dos capitais privados. O capitalismo não produtivista é uma contradição nos termos.
Só que, para que ocorra essa rotatividade cada vez mais rápida de mercadorias, as pessoas precisam consumir. Muitas vezes, isso requer a criação de necessidades das quais o próprio consumidor muitas vezes não estava consciente. Assim, caímos em uma lógica consumista, construída por dispositivos socioeconômicos como a publicidade, a obsolescência programada e a facilitação do crédito.
Nossas necessidades artificiais vieram à tona durante a quarentena, quando foi feita uma tentativa de definir quais eram as necessidades “essenciais” da nação. Que lições você tira deste período tão especial?
Esta crise sanitária foi trágica, mas interessante do ponto de vista das necessidades. Em tempos normais, em uma economia de mercado, produzimos primeiro e depois nos perguntamos quais são as necessidades que esses bens serão capazes de atender.
Durante a crise, emergiu um outro tipo de funcionamento econômico – que, infelizmente, não durou muito – onde as necessidades estavam no cerne da organização da produção. Com a urgência de encontrar máscaras e respiradores, as necessidades imediatas prevaleceram sobre a lógica mercantil, o que levou a fenômenos de requisição ou controle de preços.
Eu sou crítico das metáforas de guerra que foram empregadas pelo Executivo, porque não estávamos em uma economia de guerra. No entanto, devemos reconhecer que certos elementos podem sugerir isso. Tivemos assim um vislumbre do que poderia ser uma economia planificada, onde começamos por definir as necessidades e onde produzimos de acordo com elas.
A planificação tem má fama porque aquela que foi implementada na URSS no século XX foi um fracasso retumbante. Mas planificar significa simplesmente colocar as necessidades – e não os mecanismos de mercado – no centro do nosso sistema econômico. Um dos desafios hoje é planificar a satisfação das necessidades democraticamente.
Portanto, na sua opinião, a reflexão sobre as necessidades é indissociável da questão do planejamento econômico?
A palavra “planificação” chegou a ser usada por Emmanuel Macron em um dos seus discursos durante a quarentena... Na minha opinião, sim, um sistema econômico que coloca a satisfação das necessidades no centro pressupõe necessariamente formas de planificação. Desde que seja uma planificação ecológica adaptada ao século XXI, que estabelece como objetivo não o crescimento, como antes, mas o decrescimento material.
Satisfazer as necessidades definidas democraticamente supõe virar as costas à lógica produtivista que resulta da concorrência entre as empresas privadas e, assim, retomar o controle da produção politizando-a.
Você diz que existem necessidades que não são artificiais, mas “genuínas”. Você distingue, nesta categoria, as necessidades biológicas e as necessidades radicais. Qual é a diferença entre as duas?
Não existe uma definição objetiva de uma necessidade genuína que seja externa à deliberação democrática. Caso contrário, corremos o risco de cair naquilo que Agnes Heller chama de “ditadura das necessidades”. Ela definiu a URSS como uma ditadura. Isso não significa, porém, que devamos desistir de defini-las, mas esse trabalho deve ser feito no plano político.
A satisfação das necessidades biológicas é a condição da sobrevivência: respirar, ter acesso a comida e água, bem como à escuridão que permite o bom funcionamento do organismo, etc.
Sem serem necessários para a sobrevivência, outros tipos de necessidades são essenciais para uma vida boa, interessante e gratificante. Heller as chama de necessidades radicais, retomando esse conceito de Marx. André Gorz, por sua vez, fala de necessidades “qualitativas”. Podemos citar várias delas: amar e ser amado, cultivar-se, demonstrar autonomia, contemplar a natureza, demonstrar criatividade intelectual, estar realizado sexualmente, etc.
Há um sentimento de que a satisfação das necessidades biológicas está evoluindo no mundo. No entanto, você enfatiza que algumas são cada vez menos satisfeitas, levando-nos, assim, a uma fase que você qualifica como “deprivação coletiva”. O que você quer dizer com isso?
A satisfação das necessidades biológicas tende a melhorar – pelo menos em algumas partes do mundo. Mas, hoje, constatamos um paradoxo: algumas necessidades biológicas que antes eram satisfeitas tendem a não ser mais. Respirar ar de qualidade, por exemplo, está se tornando cada vez mais difícil nas grandes metrópoles. Dizer que uma necessidade é biológica não significa que ela escapa inteiramente à história.
Falamos de “privação” quando somos impedidos de satisfazer uma necessidade, como a fome, por exemplo. O conceito de “deprivação”, retomado na psiquiatria infantil e teorizado por Donald Winnicott, descreve uma situação em que uma necessidade que antes era satisfeita deixa de ser satisfeita por vários motivos. A memória desse estado lamentável permanece então em nossa memória. Winnicott, por exemplo, cita a perda do amor materno no contexto de um divórcio, o que pode levar a problemas de comportamento no filho.
Tento me inspirar nisso para pensar na crise ambiental. Isso não tem apenas uma dimensão quantitativa, não é apenas uma sucessão de números sobre o aumento das emissões de gases de efeito estufa. É também uma experiência coletiva de deprivação que dá origem a lutas sociais para encontrar o que foi perdido. Fiquei, portanto, muito interessado em movimentos que militam contra a progressão da poluição luminosa e por um “direito à escuridão”.
Você escreve: “As necessidades radicais (...) são possibilitadas pelo capitalismo, mas não são satisfeitas por ele”. Por quê?
Para André Gorz e Agnes Heller, há um paradoxo das necessidades no capitalismo. Por um lado, o desenvolvimento econômico permite que deixemos de nos preocupar apenas com nossas necessidades básicas imediatas. Viajar, por exemplo, é uma necessidade histórica: até a segunda metade do século XX, era reservada principalmente para uma elite. De lá para cá, tendeu a se democratizar. Mas, ao mesmo tempo, o capitalismo não permite que essas novas necessidades sejam plenamente satisfeitas para todos.
Por produzir estruturas políticas não igualitárias, concentração de poder e alienação por meio do trabalho, o capitalismo, em vez disso, cria frustrações. Neste interstício entre a satisfação e a insatisfação emergem os movimentos sociais em prol de uma nova sociedade pós-capitalista mais propensa a permitir a satisfação dessas necessidades.
Nesse sentido, as necessidades radicais ou qualitativas são um dos motores da mudança histórica, explicam-nos André Gorz e Agnes Heller.
Apesar de um enriquecimento coletivo de nossas necessidades genuínas, estamos assistindo a um empobrecimento individual?
De fato, notamos ao longo da história um enriquecimento coletivo: o progresso social leva a uma diversificação das necessidades na escala da espécie humana. Mas, paradoxalmente, devido ao significativo tempo gasto no trabalho e à padronização de produtos em particular, temos paralelamente um empobrecimento individual.
Devido à falta de tempo, os indivíduos não estão mais em condições de vivenciar a diversidade das necessidades que teoricamente lhes são acessíveis. Essa discrepância entre as necessidades coletivas e individuais é outra maneira de entender a disfunção que o capitalismo cria para satisfazer as nossas necessidades.
Não é por acaso que André Gorz, grande teórico das necessidades, também fez campanha pela redução da jornada de trabalho. A expropriação temporal induzida pelo trabalho assalariado e a exploração que nos acompanha tornam-nos mais propensos a sucumbir às necessidades artificiais. Porque, como já assinalou Marx, quando há escassez de tempo, a relação consigo mesmo e com os outros induz também a uma relação alienada com o ambiente material.
Além do trabalho, a não satisfação de grande parte das nossas necessidades e a multiplicação das necessidades artificiais também têm a ver com a aceleração do tempo social observada pelo filósofo alemão Hartmut Rosa.
Uma vez que percebemos que algumas necessidades são genuínas e outras não, quem tem o poder de decidir em último recurso? Como evitar cair em uma ditadura com base nas necessidades?
Como eu disse, a delimitação entre a autenticidade e a artificialidade das nossas necessidades deve ser decidida democraticamente, não pode ser colocada a priori. Esta deliberação democrática pode, especialmente, basear-se em três instituições.
Num primeiro momento, num parlamento nacional – e porque não também supranacional – que não seja, como é hoje, uma câmara de ressonância do Executivo, mas um lugar onde se pode exprimir a complexidade dos interesses sociais. Deveria ser possível debater questões importantes como “de quais serviços públicos precisamos?”
No serviço público, a satisfação das necessidades é, em princípio, realizada fora do mercado, resguardada da lógica da rentabilidade. A pandemia mostrou que precisamos fortalecer e expandir o alcance dos serviços públicos.
Em segundo lugar, teríamos que imaginar uma assembleia que, nos moldes da assembleia do futuro de Dominique Bourg, fosse responsável por decidir o que diz respeito ao médio e ao longo prazo, como o declínio de determinados setores econômicos, ou a realização de investimentos a favor da transição ecológica. Certamente, seria uma assembleia encarregada da planificação ecológica e econômica.
Para que isso funcione, há a necessidade de um terceiro pilar da democracia direta. Isso poderia ser feito por meio de comitês estabelecidos em nível de distrito ou empresa e concebidos no modelo das “associações de produtores e consumidores” para reunir os dois lados da atividade econômica em torno da deliberação sobre as necessidades.
Se olhamos para a história das associações de consumidores, vemos que quando foram criadas, no início do século XX, eram próximas dos sindicatos. Posteriormente, as associações de produtores (sindicatos) e consumidores foram se afastando gradativamente. Os dois devem se aproximar novamente hoje.
Essas associações de produtores e consumidores seriam responsáveis por deliberar sobre as principais escolhas produtivas, sob restrições ambientais. Assim, a escolha do que produzir ou não produzir não ficará mais com os mercados e o capital privado como hoje, mas sim com os cidadãos. Este é o ponto de partida para uma sociedade em ruptura com o produtivismo.
Em um processo de definição coletiva das nossas necessidades, que lugar resta para os desejos individuais?
A ideia, claro, não é que cada parte da nossa vida pessoal esteja sujeita à deliberação coletiva. Heller diz que o que importa é o respeito pelas necessidades individuais.
Cada um pode decidir viver a sua vida como bem entender, desde que essas necessidades sejam universalizáveis, ou seja, não privilegiem nem rebaixem ninguém e sejam compatíveis com a sustentabilidade dos ecossistemas. Em caso de descumprimento desta condição de universalidade, e somente nesses casos, será necessário deliberar.
Obviamente, devemos garantir coletivamente que cada um pode satisfazer toda a gama de necessidades humanas potenciais, a partir das quais pode escolher por si mesmo o que lhe parecer relevante e desenvolver suas próprias necessidades singulares.
Você acredita que o período atual é adequado para refletirmos sobre nossas necessidades?
A pandemia mostrou-nos os limites do mercado e enfatizou a necessidade de inventar uma outra lógica. Dito isso, infelizmente não parece que estamos trilhando um caminho que coloque nossas reais necessidades de volta no centro.
Veja o debate atual sobre a relocalização, por exemplo. É um absurdo querer trazer de volta para a França fábricas que produzam o mesmo que já produzimos hoje, a saber, produtos descartáveis, nocivos e poluentes, com a diferença de que serão produzidos localmente. Pelo contrário, teríamos que produzir outra coisa e de forma diferente: objetos mais duráveis, com maior tempo de garantia – ideia que desenvolvo longamente em meu livro –, o que envolve o uso de materiais mais robustos.
Produzir outra coisa e de outra forma é a única forma de acabar com as necessidades artificiais e, assim, construir um outro mundo.
A entrevista é de Aude Martin, publicada por Alternatives Économiques e Caminho Político. A tradução é de André Langer.Edição: Régis Oliveira. Foto: Ilust. @CaminhoPolitico

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