"Responsabilização de redes sociais sobre divulgação de fake news divide opiniões"

Especialistas concordam que desinformação vem afetando processo eleitoral, mas divergem sobre criação de normas legais para plataformas e instituição de conselho para formular código de conduta nas redes sociais. No quarto debate na Câmara dos Deputados sobre a proposta para combater desinformação na internet (PL 2630/20), nesta quarta-feira (22), não houve consenso nem mesmo sobre a necessidade de regulação do tema pelo Congresso. Diretor do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, o advogado Luciano Caparroz é um dos que defende a criação de normas para as redes sociais. Segundo ele, a desinformação vem desequilibrando brutalmente o processo eleitoral.


“A informação falsa com tecnologia (divulgação por meio de robôs) destrói qualquer processo eleitoral”, disse. “Não dá para a gente não ter regulação em relação às plataformas. Tem muitas coisas que as plataformas podem fazer tecnicamente para melhorar o sistema”, completou. “Auto-regulação pode ajudar, mas têm pontos que precisam ser regulados, para que a gente possa cobrar”, acrescentou.
O secretário-geral-adjunto e corregedor-geral do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ary Raghiant Neto, apoiou a defesa do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), no último sábado (18), de responsabilização das plataformas pela publicação de fake news. Porém, ele ressaltou que não se trata de um controle prévio das ideias, o que poderia configurar censura, mas de garantir que as plataformas instituam mecanismos para que a circulação de notícias falsas não fique livre de reparação a posteriori.
O advogado observou que hoje a retirada de uma notícia falsa sobre um candidato na internet - que é determinada pela Justiça - chega a levar 30 dias e defendeu mecanismos mais céleres de reparação, seja pela regulação da plataforma, seja por meio de uma estrutura maior na Justiça brasileira para julgar os processos referentes à legislação eleitoral.
Financiamento da divulgação
Coordenador-Geral da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, o advogado Marcelo Pogliese defende que o foco da nova lei seja atacar o uso organizado das plataformas com o fim de manipular o processo democrático. “Temos que focar em quem financia a propagação de notícias falsa”, avaliou. Ele acredita que devam ser incluídos na proposta novos tipos penais para combater o que chamou de “fábrica de fake news com muito dinheiro por trás”.
Ele criticou, porém, o artigo do PL 2630/20 que prevê a criação do Conselho de Transparência e Responsabilidade na Internet pelo Congresso Nacional. Conforme o projeto, uma das atribuições do conselho será elaborar um código de conduta para redes sociais e serviços de mensagem privada, a ser avaliado e aprovado pelos parlamentares. O código vai tratar de “fenômenos relevantes no uso de plataformas por terceiros, incluindo, no mínimo, desinformação”.
Lei de combate às Fake News. Diretora-adjunta da International Fact-Checking Network (IFCN), a rede mundial de checadores de fatos situada no Poynter Institute, nos Estados Unidos, Cristina Tardáguila Para o advogado Marcelo Pogliese, trata-se da criação de um “grande irmão” para decidir o que é ou não verdade. “Isso nos parece um cheque em branco para que se produzam verdadeiras aberrações que possam levar à criminalização de jornalistas, de ativistas dos direitos humanos”, acrescentou o presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Marcelo Träsel.
Manutenção do conselho
Coordenador dos debates e secretário de Participação, Interação e Mídias Digitais da Câmara, o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) defende a manutenção do conselho no texto, embora com alterações em sua composição e atribuições. “O conselho deve ter a competência de editar normas infralegais”, esclareceu.
Ele acredita que a composição do órgão deve contar com representantes do governo, da sociedade civil e das plataformas. Na visão do parlamentar, o conselho deve ter a “missão institucional de co-regulação”, que se somará à auto-regulação das plataformas. “Aqui no Brasil só a auto-regulação não será suficiente”, opinou.
Entretanto, Orlando Silva não considera adequado ampliar excessivamente o poder das plataformas na moderação de conteúdos - para além do já previsto no projeto -, para que isso não seja considerado censura. E defende a inclusão no texto de “abordagem penal minimalista”, para punir a divulgação e o financiamento de notícias falsas.
Necessidade da lei
Diretora-adjunta da International Fact-Checking Network (rede mundial de checadores de fatos situada nos Estados Unidos) e fundadora da Agência Lupa (primeira agência de checagem de notícias do Brasil), Cristina Tardáguila questionou a própria necessidade de regulação. Ela disse que a rede acompanha o processo de legislar sobre o tema em 60 países e afirmou que “leis não têm resolvido o problema”. Segundo ela, países asiáticos como Indonésia, Índia, Malásia e China, são os que têm mais leis sobre o tema, e “não há registro de que a desinformação diminuiu”. Nesses países, conforme Cristina, foi constatado o surgimento de agências de checagem de notícias estatais, o que ela considera “lamentável”, pois beneficiam aqueles que estão no poder. No Brasil, ela não considera adequada a criação do Conselho de Transparência. Para ela, ao formular um código de conduta, o conselho terá que definir o que é desinformação, que não tem um conceito fechado, e sim uma definição mutante.
Em vez de “correr” para legislar sobre o tema, ela defende que no Brasil seja montada nas eleições municipais deste ano uma cópia do "Projeto Certeza”, implementado nas eleições nacionais do México em 2018. Trata-se de “uma coalização ampla nacional contra notícias falsas” - ou seja, uma central envolvendo plataformas, partidos políticos, tribunais eleitorais, veículos de mídia e checadores de notícias. “A colaboração tem chance de vencer a desinformação antes de uma lei”, opinou.
Mesmo que o projeto de lei das fake news seja aprovado este ano, não há tempo hábil para que as normas sejam válidas para as eleições de 2020. Elas só poderão ser aplicadas nas eleições de 2022.
Legislação atual
Fundador do Instituto Beta: Internet & Democracia, o professor Paulo Rená disse que já há na legislação tipos penais para punir a divulgação de notícias falsas durante o processo eleitoral, como a calúnia, a injúria, a difamação, a publicidade enganosa e a denunciação caluniosa com finalidade eleitoral - esta foi inserida na lei em 2019 e será aplicada pela primeira vez em 2020.
Rená acredita que ampliar a legislação penal não vai resolver a questão da desinformação, que deve ser combatida sobretudo com a educação digital, para que as pessoas não acreditem em tudo que leem e veem, e pela inclusão digital, para que toda a população tenha acesso à internet que as possibilite checar as notícias que chegam a elas por meio das redes sociais e dos serviços de mensagem.
A deputada Margarete Coelho (PP-PI) salientou, porém, que é papel dos parlamentares buscar instrumentos jurídicos para enfrentar a desinformação e os comportamentos inautênticos na rede - por exemplo, por meio da punição para quem financia a divulgação de notícias falsas. Os participantes da audiência pediram que, na Câmara, haja tempo hábil para que a sociedade civil avalie o texto que será votado, diferentemente do que ocorreu durante a votação no Senado.
Reportagem - Lara Haje
Edição - Régis Oliveira
Foto: Gustavo Sales
Caminho Político
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