"Especialista sugere criminalizar divulgação de informações distorcidas em período eleitoral"

Em debate sobre o Projeto das Fake News, especialistas criticaram artigo do texto que prevê que redes sociais e serviços de mensagem tenham sede no País. No oitavo debate promovido pela Câmara dos Deputados sobre o Projeto Fake News (PL 2630/20), o presidente da Comissão Especial de Direito Digital da Ordem do Advogados do Brasil (OAB) de São Paulo, Spencer Sydow, sugeriu incluir no texto a tipificação do crime de utilizar-se, em período eleitoral, de meios de comunicação de massa para divulgar informações distorcidas ou forjadas para obter vantagens no pleito.


Ao contrário do que publicamos na primeira versão desta matéria, a OAB-SP esclarece que a posição do especialista não é a da entidade. "Dr. Spencer Sydow falou no debate como especialista, professor e doutor na área. Jamais em nome da OAB-SP", informou em nota encaminhada à reportagem.
O projeto aprovado pelo Senado, que agora está em análise na Câmara, não inclui novos tipos penais na legislação brasileira. Para Sydow, não basta coibir a conduta ativa de disseminar notícias falsas, mas é preciso punir outras formas de desinformação, de forma genérica.
Ele explicou que existem três tipos de desinformação:
- conduta ativa: alguém produz um conteúdo falso ou manipulado e faz força para que o conteúdo chegue a seus alvos;
- desinformação passiva: alguém produz uma informação falsa ou manipulada e a joga na virtualidade, para que o alvo a encontre quando for atrás de informações;
- manipulação da percepção da informação: manipulação de mecanismos de busca (Google, por exemplo) e uso de hashtags, por exemplo.
Conforme ele, essa terceira forma de desinformação atinge especialmente pessoas sem opinião definida e foi utilizada, por exemplo, nas últimas eleições norte-americanas.
Relatora da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News, a deputada Lídice da Mata (PSB-BA) observou que qualquer medida incluída na proposta em tramitação não será aplicável às eleições de 2020.
Sede no Brasil
Já a diretora do Instituto de Referência em Internet e Sociedade, Luiza Brandão, defendeu o aperfeiçoamento do artigo 32 do projeto de lei, que obriga os provedores de redes sociais e de serviços de mensagem privada a ter sede no Brasil, bem como a manter acesso remoto, a partir do Brasil, aos seus bancos de dados, os quais conterão informações referentes aos usuários brasileiros, especialmente para atendimento de ordens judiciais brasileiras.
Para ela, o artigo visa tratar o problema de desinformação “de forma unilateral”, quando a questão precisa ser resolvida levando em conta a cooperação internacional.
No caso de conteúdos de mensagens privadas, explica, hoje são igualmente aplicáveis as legislações brasileira e a do país que sedia a empresa – no caso do WhatsApp, por exemplo, os Estados Unidos.
Existe um acordo de cooperação mútua entre os dois países para resolver questões judiciais que envolvem os conteúdos de mensagens. Ela acredita que o artigo 32 do projeto trata uma discussão muito complexa “de forma improvisada” e, da maneira como está redigido, pode inclusive ser judicializado.
“O Brasil não é uma ilha. O pensar e o agir global é muito importante”, concordou a deputada Angela Amin (PP-SC).
Fuga de empresas
O conselheiro do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e diretor-presidente do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto br (NIC.br), Demi Getschko, também criticou o artigo 32.
Ele citou lei recentemente aprovada na Turquia, que obriga redes sociais que têm mais de 1 milhão de usuários a ter sede local. “Isso impede, por exemplo, que uma empresa de internet brasileira ofereça serviços aos turcos”, explicou. Para ele, esse tipo de regra apenas gera fuga de empresas para outros lugares em que isso não é exigido.
Na visão do especialista, a internet já permite rastreamento de delitos, inclusive melhor do que fora das redes. “A internet tem rastros de tudo que você faz, por meio de metadados (endereço IP, data e hora de conexão)”, disse. Por isso, para ele, não é preciso ampliar controles na rede, por meio de mais mecanismos para identificar usuários, como previsto no projeto de lei.
Impacto regulatório
Para o presidente da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico, Leonardo Palhares, é preciso fazer análise de impacto regulatório do Projeto das Fake News, para mostrar quais setores seriam atingidos.
Segundo ele, o Brasil é um dos cinco maiores países do mundo em número de usuários de internet e em tamanho de mercado, “e tem se beneficiado com isso”. Ele apontou que, em maio de 2020, foi constatado crescimento de 110% nas operações digitais em comparação ao mesmo período de 2019 e destacou ainda que 1/3 dos micronegócios no Brasil já são digitais.
Palhares ressaltou que qualquer movimento que prejudique o mercado digital poderá gerar impactos econômicos para o Brasil. “Remédio demais às vezes mata o paciente”, disse. “Esta lei não é para regular o WhatsApp e o Facebook, mas para regular a desinformação. Temos que ter cuidado para não cair nessa tentação de fazer uma lei para regular os gigantes”, completou.
Ele acredita que o texto que veio do Senado “não é adequado” para endereçar a discussão da desinformação.
Poder do Estado
Para Alexandre Atheniense, membro da Comissão de Direito Digital do Instituto dos Advogados do Brasil (IAB), o foco da lei de combate às fake news deve ser ajudar no cumprimento de ordem judicial pelas redes sociais em incidentes que envolvam empresas internacionais, para garantir a soberania brasileira.
Segundo o advogado, há inúmeros casos em que empresas resistem ao máximo em cumprir a legislação nacional. “O Estado hoje está em desvantagem em relação ao poder decisório das empresas, e isso precisa ser equilibrado”, argumentou.
Para ele, o desejável é que nas próximas eleições nenhum político seja eleito por disparo em massa de fake news. Para tanto, entende que a lei deve fornecer mecanismos ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para coagir empresas como o WhatsApp a cumprir ordens judiciais quando houver identificação de disparo em massa de fake news.
Atheniense lembrou que recentemente o Facebook e o Twitter bloquearam perfis que consideram fakes. “Mas o poder de decidir que perfis apagar não pode estar na mão de empresas, deve estar nas mãos do Estado, já que o que prevalece para as empresas são interesses comerciais”, ressaltou.
O deputado André Janones (Avante-MG) acredita que uma das questões cruciais da discussão é decidir quem vai ter o monopólio de determinar o que é ou não fake news.
Reportagem – Lara Haje
Edição – Rachel Librelon
Caminho Político
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