Na mídia, impeachment ou renúncia até parecem ser as duas únicas opções de curto prazo para o presidente da República. Mas ele tem muito mais poder e apoiadores do que seus críticos supõem.Depois das saídas caóticas do então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e do antigo ocupante do Ministério da Justiça, Sergio Moro, o destino político do presidente Jair Bolsonaro parecia mesmo estar selado.
Afinal, um presidente da República que, no meio de uma pandemia histórica – que logo chegará a centenas de milhares de infectados e possivelmente dezenas de milhares de mortos –, passa 40 minutos falando sobre os namoros do filho com metade do condomínio e de como ele próprio desligou o aquecimento da piscina para economizar em meio à crise, fracassou de forma tão retumbante como comandante de uma nação em situação de emergência que sua saída parece simplesmente lógica.
Muitos dos comentários na mídia adotaram essa linha: falou-se em renúncia – sugestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Especulou-se sobre a possibilidade de um impeachment. Até sobre golpe militar se falou na semana passada. Ou – como esperam algumas pessoas no meio econômico – que o vice, general Hamilton Mourão, assuma o governo. O argumento aqui é que o Brasil, afinal, já teve boas experiências com governos interinos, de Itamar Franco a Michel Temer.
Mas mesmo no médio prazo todos esses cenários não são realistas: é muito cedo para a despedida de Bolsonaro. É verdade que o capitão da reserva está enfraquecido, como afirmam muitos críticos. Mas eles subestimam a sua força, que o mantém firme no cargo.
São vários os motivos:
Bolsonaro tem uma base de apoiadores estável. Entre eles estão os evangélicos, que são pelo menos um terço da população, segundo estimativas. Esses não se deixam assustar pela pandemia, que consideram um castigo de Deus. Eles também não ligam para o discurso de ódio de Bolsonaro, desde que ele se empenhe pelos seus interesses conservadores.
Quem esteve uma manhã diante do Palácio da Alvorada e viu como esses fãs acolhem o palavreado de Bolsonaro com benção e amém sabe que essas pessoas vão com ele até o fim.
Bolsonaro também poderá continuar contando com o apoio dos inúmeros nostálgicos da ditadura, dos fãs das milícias e dos demais linhas-duras na questão da segurança pública. Nenhum outro político usa os estereótipos sociais tão bem como o ex-capitão. Ele os agrada com medidas como o relaxamento nas exigências para a importação de armas ou a compra praticamente ilimitada de munição.
Some-se a isso o Poder Executivo: o presidente da República tem o poder da caneta. Até aqui foram poucos os cargos na burocracia e nas estatais que Bolsonaro preencheu com nomeações políticas. Mas, agora, ele "foi às compras" e começou a negociar com os deputados tradicionalmente à venda.
E ele está com sorte: em meio à crise, obter apoiadores no Congresso está até mais barato, dito de uma forma cínica. Qualquer verba para um banco de desenvolvimento regional ou uma agência subordinada faz milagres políticos nestes tempos difíceis. E as eleições municipais de outubro ainda não foram adiadas. Uma verba pública para comprar alguns respiradores para um hospital municipal pode decidir uma eleição.
Os apoiadores de Bolsonaro rejeitam o balcão de negócios com a "velha política" – o que Bolsonaro também descarta desde a campanha eleitoral. Mas ele pode sair dessa com um truque fácil: o seu argumento para defender o regateio de postos em prol de sua sobrevivência política será o de que ele colocou militares em todos os níveis do seu governo, e eles saberão manter os políticos corruptos dentro da linha.
E, claro, os próprios militares são uma importante garantia para a sobrevivência política de Bolsonaro: os generais continuarão apoiando o capitão da reserva enquanto ele não for afastado do cargo por meio de um impeachment. Mesmo no curso inconstante das últimas semanas, eles não o criticaram publicamente.
Também, a vida em Brasília, no centro do poder, é atraente demais para isso: eles desfrutam dos privilégios, dos acréscimos salariais e nas aposentadorias, do acesso aos orçamentos estatais para os seus setores, da importância recém-adquirida depois de – do ponto de vista deles – décadas de opróbrio e insignificância, após o fim da ditadura militar.
Em resumo: não está com cara de que o Brasil vá conseguir se livrar, no curto prazo, de um presidente para quem a gestão da atual crise é claramente pedir demais.
Assessoria/Caminho Político
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