Quem faz trabalhos de escritório está trocando blazers por pijamas e cadeiras ergonômicas pelo próprio sofá. Disseminação da covid-19 transforma a atividade profissional e mostra benefícios do trabalho remoto. Enquanto escrevo este artigo, uso calça de moletom, faço pausas muito, muito, muito regulares. Por exemplo, para fazer café ou verificar o que há na geladeira.
Venho trabalhando em casa há cerca de uma semana e, digamos, é divertido, frustrante, gratificante e irritante ‒ tudo ao mesmo tempo. Atualmente, milhões de pessoas isoladas em suas próprias casas devem estar tendo experiências semelhantes. O coronavírus transformou o trabalho remoto numa realidade repentina. Sim, isso não é uma novidade. Startups de tecnologia, nômades digitais e novos gurus do trabalho vêm elogiando há muito seus benefícios, como o aumento de produtividade e felicidade.
Mas nem todo mundo estava exatamente ansioso para abraçar as possibilidades disponibilizadas pela tecnologia moderna.
Veja a Alemanha, por exemplo. Antes da propagação do vírus, somente cerca de um quarto das empresas permitia que pelo menos alguns de seus funcionários trabalhassem remotamente, de acordo com um estudo do Instituto de Pesquisa de Emprego (IAB) da Alemanha.
O instituto também constatou que somente 20% dos funcionários faziam uso do trabalho remoto. E a maioria dos que não trabalhavam em casa, dizia preferir ir diariamente ao escritório.
Revolução do trabalho remoto?
Mas, no momento, muitos desses empregados não podem ir a seus escritórios. A Alemanha ‒ e todos os outros países afetados pelo coronavírus ‒ encontra-se em meio a um enorme experimento de trabalho remoto.
Isso levanta a questão de como a vida profissional vai continuar depois que retornarmos, tomara, a algo que se assemelhe vagamente à normalidade, pelo menos quem poderia, teoricamente, trabalhar em casa.
Vamos, simplesmente, guardar nossos laptops e voltar para o escritório? Ou as próximas semanas e meses provarão a eficácia do trabalho remoto ‒ e continuaremos a verificar o que há na geladeira e enviar e-mails de nossas cozinhas?
"Acredito realmente que isso mudará algo", disse por telefone Josephine Hofmann, do Instituto Fraunhofer de Engenharia Industrial. Segundo ela, as empresas passariam a ver os aspectos positivos de deixar os funcionários trabalharem de casa, agora que a única alternativa a isso é, basicamente, não deixá-los trabalhar.
Lições da China
Reuniões ineficientes e demoradas podem ser substituídas por um e-mail. Compromissos comerciais que exigem viagens podem ser transformados numa videoconferência.
Também após a crise, essas constatações podem permanecer, e levar as empresas a aumentarem sua infraestrutura de trabalho remoto. "Isso seria do interesse do nosso planeta, do nosso clima e de uma forma mais sustentável de trabalhar", acredita Hofmann.
Um estudo de caso na China parece, em princípio, encorajar essa mudança. A agência de viagens CTrip permitiu que alguns de seus funcionários de call center trabalhassem em casa. Um grupo de economistas mediu o impacto, constatando que eles estavam mais felizes, mais produtivos e economizavam dinheiro da empresa, reduzindo a necessidade de espaço de escritório.
Na realidade, o experimento foi tão bem-sucedido que a diretoria logo o estendeu a toda a empresa – só para descobrir que trabalho remoto não funciona para todos. Enquanto alguns podem ser bem-sucedidos, conseguindo executar tarefas após tarefas no conforto de seu próprio sofá e longe da presença sondadora de seus supervisores, outros podem se sentir abandonados. Alguns funcionários da CTrip disseram que a principal para não gostar do trabalho remoto era se sentirem sozinhos.
E isso é algo que constato: depois de uma semana trabalhando sozinho à mesa da cozinha, sinto falta da troca de ideias com meus colegas. Estamos em contato, é claro, por e-mails, mensagens de texto, telefonemas ‒ até tomamos um drinque rápido juntos depois do trabalho, num bate-papo por vídeo. Mas não é o mesmo que a avalanche espontânea de energia criativa proporcionada por um espaço compartilhado de escritório.
No futuro, o melhor de dois mundos
"A solução será trabalhar do lugar certo no momento certo", explicou via Skype Tristan Horx. Ele atua no Zukunftsinstitut, um think tank da Alemanha que pesquisa tendências futuras. Horx afirma que ambientes diferentes favorecem diferentes tipos de trabalho ‒ e os empregados estarão cada vez mais inclinados a buscar isso.
Ou seja: no futuro, os funcionários poderão realizar a partir de casa tarefas individuais que exijam muita atenção, e ir ao escritório quando precisarem trabalhar juntos em determinados projetos.
Com o mundo do trabalho já indo nessa direção, Horx afirma que a situação atual deverá acelerar essa mudança: "Quem tem muitas reuniões virtuais no momento perceberá como é melhor um processo criativo de colaboração real numa reunião 'analógica'."
Sim, o coronavírus deverá mudar a forma como trabalhamos, pois, se as empresas constatarem que podem enfrentar essa crise com seu pessoal em casa, "business as usual" não será o desafio mais difícil.
Malte Rohwer-Kahlmann (ca
Edição: Régis Oliveira
Caminho Político
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