Socióloga Angela Alonso identifica três subcampos na direita brasileira. Maior afinidade com o presidente tem o grupo autoritário, que é "anti-iluminista, não crê na ciência e desdenha pandemia de coronavírus", afirma. A direita brasileira se divide atualmente em três grupos: o autoritário, o conservador e o liberal. O campo autoritário é focado em segurança, incluindo aí o extermínio dos diferentes, não crê na ciência e faz pouco caso da pandemia de coronavírus. É esse o campo que tem mais afinidade com Bolsonaro. Quem faz essa análise é a socióloga Angela Alonso, professora da USP e pesquisadora do Cebrap. Ela monitora organizadores de manifestações desde 2011.
Os três grupos, ou "subcampos", se associaram estrategicamente no final do governo da presidente Dilma Rousseff para criticar a corrupção e tirar o PT do poder. Uma vez consumado o impeachment, passaram por "diferenciação acelerada" e hoje "operam de maneira autônoma", afirma Alonso em entrevista à DW Brasil.
O grupo autoritário, ou "anti-iluminista", é o que foi às ruas no domingo passado (15/03) para protestar contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF) e pedir intervenção das Forças Armadas, com o intuito de forçar os limites da institucionalidade e, se possível, rompê-la.
Os atos ocorreram em várias cidades, apesar da orientação do Ministério da Saúde e de autoridades brasileiras e mundiais de se evitar aglomerações para reduzir o ritmo de contágio do novo coronavírus.
Bolsonaro, que fez nesta terça-feira um segundo teste para verificar se está infectado pelo vírus, participou do ato em Brasília, quando teve contato direto com pelo menos 272 pessoas, segundo levantamento do jornal O Estado de S. Paulo.
Na outra faixa da direita, o grupo liberal defende o livre mercado e a redução da intervenção do Estado na vida das pessoas, não só na economia, mas também no campo do pensamento e do comportamento. Já o grupo conservador tem uma agenda moral e valoriza os costumes tradicionais, a família e a pátria, mas atua dentro dos limites da democracia.
Tanto o grupo liberal quanto o conservador, diz Alonso, apoiam agendas agendas econômicas ou de costumes do governo. "Mas são mais racionalistas e, em parte, se espantaram com o nível de obscurantismo exibido pelo próprio presidente", afirma.
Ela alerta que, no passado, crises mundiais como a que se avizinha com o impacto do coronavírus geraram grande desorganização social, um "terreno fértil para salvadores da pátria — à direita ou à esquerda".
Que tipo de pesquisa a sra. tem conduzido para mapear as manifestações e grupos de rua em atuação no Brasil?
Angela Alonso: Venho trabalhando num levantamento de eventos de protesto e das associações civis que os organizam. Comecei a pesquisa em 2013, mas acabei retroagindo para o início do governo Dilma, e estou acompanhando os protestos até a eleição do Bolsonaro. Assim, tenho atualmente um banco de dados com informações sobre organizadores e agendas dos participantes das principais manifestações no país entre 2011 e 2018. Também realizei entrevistas com lideranças.
Vamos focar nos grupos da direita. A sra. identifica três subcampos na atual direita brasileira: autoritário, conservador e liberal. Qual a diferença entre eles?
São subcampos que se constituíram e se associaram estrategicamente, convergentes em dois pontos: no combate à corrupção e na oposição aos governos petistas. Cresceram muito desde 2015, o que levou a uma progressiva diferenciação. Hoje cada um dos subcampos é quase um mundo à parte, com muita diversidade interna. Mas cada um deles tem traços mais característicos: o liberal focaliza o livre mercado e a redução da intervenção do Estado na vida coletiva. Aí entram as liberdades econômicas, mas também as de pensamento e de comportamento, o que inclui desde liberdade sexual até a liberdade de possuir armas. O subcampo conservador é tradicionalista nos costumes, muito aferrado às ideias de família e de pátria, sua agenda é mais moral, tem reverência às autoridades fortes, mas trafega dentro do campo democrático. O terceiro subcampo é o que foi às ruas neste domingo: tradicional nos costumes, autoritário na política e centrado no tema da segurança, que aí entra não só como autodefesa, mas como extermínio dos diferentes.
Esses subcampos já estavam presentes nos protestos de 2013 ou se diferenciaram depois, durante os atos pelo impeachment de Dilma?
Em 2013, estes três subcampos estavam misturados no combate ao petismo, eram menos organizados. E se uniam usando o verde-amarelo para se diferenciar de outros dois campos na rua, os autonomistas, que tendiam a usar o negro e defender pautas identitárias, e os socialistas, com o vermelho e as pautas redistributivas. São campos que dá pra distinguir analiticamente, mas na rua, claro, aparece tudo mais misturado. Depois que depuseram o inimigo comum, os subcampos do campo patriota entraram em diferenciação acelerada e agora operam de maneira autônoma.
A sra. tem alguma estimativa sobre número de grupos e apoiadores nesses três subcampos?
Há uma grande variação ao longo do tempo e associações e movimentos se formam e desaparecem muito rápido. Também é preciso cautela para não considerar toda a página de internet um grupo efetivo. Estou trabalhando neste levantamento ainda, então o que posso dizer por hora é que o subcampo autoritário é menor do que os dois outros.
Como os três subcampos da direita se posicionam em relação ao governo Bolsonaro e aos atos de domingo passado?
Quem foi à rua no domingo foi o subcampo autoritário, que é anti-iluminista, não crê na ciência e, portanto, desdenha a pandemia de coronavírus. Os outros dois subcampos apoiam agendas econômicas ou de costumes do governo, mas são mais racionalistas e, em parte, se espantaram com o nível de obscurantismo exibido pelo próprio presidente.
Qual é a interface desses três subcampos com os partidos políticos e como se articulam para 2022?
É muito cedo para falar de 2022. Precisamos sobreviver até lá, como democracia e, em face do coronavírus, como sociedade organizada.
Qual é a relação de Bolsonaro com esses três subcampos e como ele os mobiliza em seu benefício?
O presidente não tem controle da rua. Ninguém tem. Mas há uma relação de afinidade entre ele e o subcampo autoritário.
Há grupos na direita buscando forçar os limites da institucionalidade para rompê-la?
Este subcampo autoritário clamou por isso no domingo com todas as letras. Aliás, já faz isso nas redes sociais há muito tempo. O que é inaceitável é que o presidente da República, que jurou respeitar e defender a Constituição democrática, compareça a uma manifestação que repudia a Constituição.
A sra. teria um prognóstico para a atuação dos grupos da direita nos próximos dois anos?
Sociólogo faz cenários projetando para o futuro padrões identificados no passado, mas sem saber se vão se repetir ou não. No passado, situações de crise mundial como a que estamos passando, que o Macron comparou a um estado de guerra, geraram grande desorganização social, terreno fértil para salvadores da pátria — à direita ou à esquerda.
Bruno Lupion/Caminho Político
Edição: Régis Oliveira
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