
O atentado dos irmãos Chérif e Said Kouachi, que até então tinham se destacado como pequenos criminosos nos subúrbios de Paris, se dirigia ao periódico que ousara publicar caricaturas de Maomé.

"O ataque terrorista parisiense provocou um choque paralisador, um sentimento de, sem ser consultado, se pertencer ao pessoal de uma guerra entre dois mundos conflitantes. Para muitos artistas, a mídia com que trabalhavam ganhou, de repente, o significado de uma arma. Eles se viam como soldados no campo de batalha", afirma, lembrando, entretanto, que quase todos os cartunistas voltaram a sua vida cotidiana já depois de algumas semanas, sem qualquer "tesoura na cabeça".
O caso Rushdie

A obra provocou uma série de protestos e atos de violência por parte dos muçulmanos. O líder religioso iraniano aiatolá Ruhollah Khomeini emitiu uma fatwa contra Rushdie, um decreto religioso exigindo a morte do escritor, sob a alegação de que o livro era "contra o Islã, o profeta Maomé e o Corão".No campo das caricaturas, a primeira celeuma internacional foi em 2005, quando o jornal dinamarquês Jyllands-Posten publicou 12 desenhos satíricos de Maomé – por exemplo, com uma bomba em lugar de turbante –, mais tarde também divulgados na Noruega. Dois dos ilustradores tiveram que se esconder devido a ameaças. O então primeiro-ministro dinamarquês, Anders Fogh Rasmussen, apoiou o jornal e rejeitou o pedido para uma conversa com embaixadores de 11 países islâmicos.

Segundo Guillaume Doizy, a maioria dos muçulmanos também pode rir sobre caricaturas religiosas – e se ficarem irritados, que seja como um cristão ou um budista quando sua religião é retratada satiricamente. "Mas sempre há um pequeno grupo que usa essa ocasião para reforçar suas crenças religiosas e manipular as pessoas", avalia o especialista, frisando que, nesse caso, o que há de se fazer é mostrar atitude e seguir em frente.
Festa de 50 anos sob proteção policial
Também os editores sobreviventes do Charlie Hebdo voltaram à carga uma semana após o ataque, com uma nova edição da revista. A capa mostrava um Maomé desconsolado segurando um cartaz escrito "Je suis Charlie", sob o título "Tudo está perdoado".
A circulação do jornal, que era antes um produto de nicho antes do 7 de janeiro de 2015, subiu temporariamente para vários milhões de cópias. Por algum tempo, houve até uma edição alemã. Desde então, os números de vendas caíram novamente, e a edição alemã deixou de circular.
"O humor é algo suspeito para muitos, e isso não se aplica apenas aos muçulmanos", diz Riss, também conhecido como Laurent Sourisseau, sobrevivente do atentado e atual editor-chefe do jornal, que celebrará seu 50º aniversário em 2020 – em local secreto e sob proteção policial. A sátira continua sendo uma luta.
"Já desde a celeuma provocada pelas caricaturas dinamarquesas, e no mais tardar desde o atentado contra o Charlie Hebdo, as charges ganharam mais a atenção da opinião pública", diz Guillaume Doizy.
"As charges têm perdido espaço na imprensa, e 2019 foi um ano particularmente sombrio", lamenta Claire Carrard, presidente da associação Cartooning for Peace. Ela lembra que o renomado jornal New York Times não publica mais caricaturas em sua edição internacional desde meados de 2019, depois que um desenho foi considerado antissemita. Ele mostrava o presidente americano, Donald Trump, portando uma quipá e levando o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, como cachorro na coleira.Na opinião de Guillaume Doizy, não é só por causa do debate sobre conteúdo que o New York Times suspendeu a publicação de charges. Para ele, o cartum é um gênero moribundo: "O desenho da imprensa era o meio dos séculos 19 e 20. Hoje as pessoas querem ver fotos e vídeos."
Diante da queda da circulação, as editoras tampouco querem irritar seus leitores e anunciantes – pois as shitstorms na internet estão hoje na ordem do dia. "O número de ataques verbais, ou seja, xingamentos, ameaças e intimidações aumentou muito, muito", confirma Juliane Matthey, assessora de imprensa da ONG Repórteres Sem Fronteiras.
Apesar de tudo, para Bernd Pohlenz a charge continua tendo um futuro: os desenhistas têm a vantagem de poder oferecer arte relativa a temas da atualidade, e encontram uma simbiose cada vez maior com centros culturais, galerias e museus: "Os caricaturistas são muito criativos nesse ponto."
Suzanne Cords (md)Caminho Político
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