A declaração de Paulo Guedes sobre o AI-5 é absurda e intolerável. As palavras mostram falta de consciência democrática e de respeito para com os próprios cidadãos brasileiros, escreve a colunista Astrid Prange. Caros brasileiros, Quando um político tem que entregar o seu cargo? Quando cometeu um delito e foi condenado? Quando faltou decoro para o cargo? Quando se envolveu num escândalo? Ou simplesmente quando perdeu o apoio político?
No Japão, por exemplo, o ministro encarregado dos Jogos Olímpicos de 2020 em Tóquio, Yoshitaka Sakurada, teve que sair por falta de tato e decoro. Em fevereiro, ele havia dito que “estava muito decepcionado” com o diagnóstico de leucemia da nadadora Rikako Ikee. A ausência da potencial vencedora de uma medalha de ouro, disse ele, reduziria a euforia pelos Jogos.
Alguns meses depois, Sakurada pisou outra vez na bola e ofendeu a população de Fukushima. A região, que foi devastada por um terremoto e a catástrofe nuclear em 2011, continua abandonada. Mesmo assim, Sakurada afirmou que "a política é mais importante que a recuperação da região".
Na Inglaterra, quem renunciou este ano foi a primeira-ministra Theresa May, que não conseguiu o apoio necessário no Parlamento para seu acordo costurado com Bruxelas sobre o Brexit. Na Franca, o ministro do Meio Ambiente François de Rugy teve que renunciar em julho, acusado de desperdício de dinheiro público.
Na Alemanha, durante o governo da chanceler federal Angela Merkel, dois ministros tiveram que deixar os seus cargos, pois foi descoberto que parte das suas respectivas teses de doutorado eram plagiadas. Primeiro foi o ministro da Defesa, Karl-Theodor zu Guttenberg, em 2011, e depois a ministra de Educação e Ciência, Annette Schavan, em 2013.
E no Brasil? Em poucos meses do governo Bolsonaro, vários ministros já entraram na dança das cadeiras. Uma das saídas mais destacadas foi a do general Santos Cruz, da Secretaria de Governo. A baixa ocorreu após críticas do filósofo Olavo de Carvalho à ala militar do governo.
Saíram também Joaquim Levy, ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e Ricardo Vélez, ministro da Educação a quem o próprio Bolsonaro atestou "falta de expertise".
O próximo na fila deveria ser o ministro da Economia Paulo Guedes. Um membro do gabinete que publicamente desmerece instituições democráticas, a meu ver, não poderia mais fazer parte do governo da quinta maior democracia do mundo.
Até agora, as críticas a respeito da declaração de Guedes sobre uma possível edição de um novo AI-5 no país foram contundentes. Mas, apesar do repúdio das instituições democráticas no Brasil, o ministro de Economia não parece estar ciente da gravidade política de suas palavras.
Não dá para relativizar: a meu ver, o que Paulo Guedes fez foi ameaçar com a volta de uma ditadura militar. Com isso, ameaçou acabar com a liberdade de expressão, a volta da tortura, e desmereceu instituições democráticas como o Congresso Nacional e uma Justiça independente. Como se não bastasse, ele ainda fez isso sem nenhuma razão concreta, simplesmente por uma raiva irracional de uma esquerda política supostamente agitada.
É como se um ministro alemão ameaçasse com a volta dos nacional-socialistas caso houvesse manifestações de grupos de esquerda ou de ativistas que alertam para a mudança climática. Provavelmente, nem o partido de extrema direita AfD (Alternativa para a Alemanha) teria coragem de reivindicar isso publicamente.
A declaração de Paulo Guedes sobre o AI-5 é absurda e intolerável. As palavras mostram falta de consciência democrática e de respeito para com os próprios cidadãos brasileiros. Elas espantam até os próprios adeptos da agenda neoliberal perseguida pelo ministro.
Paulo Guedes tem que renunciar. Na Alemanha, um ministro que deseja a volta da ditadura nazista teria que sair da mesa do gabinete no mesmo instante. As fantasias ditatoriais desse ministro tem que ser banidas pelo governo. Tomara que a "possível radicalização dos protestos de rua no Brasil", que ele tanto teme, acelere a renúncia dele.
Astrid Prange de Oliveira foi para o Rio de Janeiro solteira. De lá, escreveu por oito anos para o diário taz de Berlim e outros jornais e rádios. Voltou à Alemanha com uma família carioca e, por isso, considera o Rio sua segunda casa. Hoje ela escreve sobre o Brasil e a América Latina para a Deutsche Welle. Siga a jornalista no Twitter @aposylt e no astridprange.de.
Comentários
Postar um comentário