Especialista em polarização política afirma que presidente está inflamando divisões ideológicas e culturais existentes no país. Na outra ponta do espectro político, Lula só terá sucesso se priorizar alianças, diz. "Ausência de polarização é ruim, alguma polarização é normal, mas excesso também é ruim", diz Thomas Carothers, especialista em democracia e governança que acaba de lançar o livro Democracies Divided: The Global Challenge of Political Polarization (Democracias Divididas: O Desafio Global da Polarização Política, em tradução livre). Vice-presidente de estudos do think tank Carnegie Endowment for International Peace, ele afirma que o Brasil evitou a polarização severa nas primeira décadas após a democratização. Mas o cenário mudou quando escândalos de corrupção afastaram os eleitores das forças políticas tradicionais e abriram caminho para Jair Bolsonaro chegar ao poder. Carothers descreve o atual presidente como um "demagogo" com potencial para "polarizar o país de forma não vista anteriormente".
Em entrevista à DW Brasil, ele afirma que, ao longo dessa mudança de cenário na política brasileira, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva perdeu popularidade aos olhos de parcela dos brasileiros e, agora livre da prisão, só terá sucesso político se construir uma "coalizão ampla" em vez de contar somente com os seguidores de seu núcleo tradicional.
Preocupado com o aumento de casos de polarização severa, fenômeno em que lados antagônicos ficam tão distantes que sobra pouco terreno em comum e se tornam grupos identitários, Carothers aponta como elementos aceleradores dessa dinâmica as redes sociais e, em alguns casos, a desigualdade social.
"Quando a política se torna um confronto de identidades, as pessoas de um lado olham para o outro lado e deixam de dizer apenas 'eu não concordo com você nisso', mas dizem 'eu sou diferente de você'. Isso rapidamente se transforma em ‘eu não gosto de você', e logo depois em ‘na verdade, eu te odeio'”, diz.
O especialista afirma não ter respostas prontas para reduzir a polarização severa. Um possível caminho, diz, são movimentos criados para construir espaços de convergência, citando a Bridge Alliance, nos Estados Unidos, que tenta reverter o antagonismo na sociedade americana.
DW: Em que medida um grau de polarização é positivo em democracias?
Thomas Carothers: É importante que os cidadãos tenham opções políticas diferentes, e normal que os partidos apresentem programas distintos. Isso pode envolver diferenças significativas em termos de ideologia. Só quando a separação entre os diferentes lados políticos se torna muito ampla e intensa é que ocorrem problemas.
O que define a polarização severa segundo sua análise?
Há quatro características da polarização severa. Em primeiro lugar, os dois lados se separaram a uma distância tão grande que dividem pouca base em comum. Além disso, essa divisão prevalece sobre posições que as pessoas dos dois grupos possam ter em comum. Ela se ramifica da elite da sociedade para as massas. E é uma polarização sustentada, ao longo do tempo, e não em apenas um episódio.
Na polarização severa, a política se torna um confronto de identidades em vez de um confronto sobre preferências de políticas públicas. Em uma sociedade assim, os dois lados se veem como um grupo identitário, e as opiniões das pessoas sobre os assuntos são formadas pelo grupo, em vez do contrário.
A polarização severa está crescendo ao redor do mundo?
Há certamente um aumento, mas ele não é abrupto, tem ocorrido ao longo dos últimos 20 anos. Com o surgimento da política de polarização à esquerda na América Latina, o novo nacionalismo religioso na Índia, a polarização no Oriente Médio, tanto na política israelense como na palestina, a polarização se intensificando firmemente nos Estados Unidos, e agora a preocupação sobre polarização severa na Europa.
O senhor aponta três divisões tradicionais que fomentam a polarização: etnia, religião e ideologia. Mas, além disso, o que leva ao atual aumento da polarização severa?
Problemas econômicos, sobretudo o aumento da desigualdade e da exclusão, estimularam a polarização em alguns lugares, como na América Latina. Mas nem toda polarização resulta de estagnação ou declínio econômico. A Turquia, por exemplo, se polarizou bastante durante os anos de seu maior sucesso econômico.
O desenvolvimento de mídias sociais claramente tem um papel e acelera esses processos. Mídias sociais permitem que líderes polarizadores falem diretamente aos seus seguidores, e os encorajam a usar mensagens simplistas e carregadas de emoção. Mídias sociais também permitem que cidadãos entrem em bolhas de informação nas quais eles aprendem pouco sobre outros pontos de vista. E elas encorajam os cidadãos a clicarem em artigos que estão mais próximos dos extremos políticos do que do centro. E, claro, mídias sociais são terreno fértil para desinformação e manipulação da informação com objetivos extremistas.
Qual a diferença entre um líder polarizador e um líder populista?
Todos os líderes populistas são polarizadores. Populismo é um projeto político "nós contra eles", liderado por alguém de fora do sistema que entra na política para abalar os partidos e as opções convencionais. Mas alguns líderes polarizadores não estão implementando projetos populistas. Eles não são outsiders, mas políticos que usam táticas polarizadores, como demonizar os oponentes e criar narrativas de diferenças profundas na sociedade, com o propósito de construir e inflamar sua base. Tanto o presidente Recep Tayyip Erdogan, na Turquia, como o primeiro-ministro Narendra Modi, na Índia, são líderes polarizadores, mas não populistas — eles têm atuado dentro do sistema político convencional por muitos anos e não representam movimentos genuínos de outsiders.
A Bolívia passou por mudanças políticas agudas nos últimos dias, com a renúncia de Evo Morales, sob pressão das Forças Armadas, e a emergência do líder opositor Luis Fernando Camacho, que representa empresários e associações conservadoras. O país está em polarização extrema?
A política boliviana se tornou mais polarizada quando um movimento que representa os indígenas do país conseguiu entrar na vida política, e o poder então estabelecido se sentiu desafiado. Isso de certa forma foi saudável, uma chance de incorporar muitas pessoas que tradicionalmente eram excluídas. Mas, ao perseguir seu projeto político, o ex-presidente Morales começou a minar algumas normas democráticas, especialmente sobre seu período no poder, e o país se polarizou mais severamente.
Como você descreve a polarização no Brasil nos últimos anos e atualmente?
O Brasil é um caso complexo. Nas últimas décadas ele evitou a polarização severa de esquerda que dominou outros países sul-americanos, como a Venezuela. Havia política muito competitiva entre forças diferentes, mas não uma divisão enraizada no país entre "nós e eles". Contudo, escândalos de corrupção produziram um forte afastamento entre cidadãos e a maioria dos atores políticos existentes, abrindo caminho para um ator demagogo e secundário, o presidente Jair Bolsonaro, entrar no palco principal. Ele é um líder mais confrontador e extremo, e pode polarizar o país de forma não vista anteriormente.
Que tipo de polarização Bolsonaro conduz?
Ele busca uma agenda mais raivosa e extremista, que mescla temas econômicos com uma agenda sociocultural em torno de temas como direitos LGBT e controle de armas. Isso está inflamando algumas das divisões ideológicas e culturais existentes no Brasil. Mas não está claro ainda se sua presidência simplesmente reflete um momento polarizador ou se uma real mudança para um país mais profundamente polarizado por um período sustentado de tempo.
Como o senhor vê o papel do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no contexto da polarização no Brasil e de possíveis consequências de sua saída da prisão?
Ainda não está claro se Lula tem um futuro político muito significante – apesar de ele ainda ter alguns seguidores fiéis, ele também foi desacreditado aos olhos de muitos brasileiros. Seu único caminho potencial para o sucesso político é se ele trabalhar duro para construir uma coalizão ampla em vez de simplesmente contar com os seguidores de seu núcleo tradicional.
Bruno Lupion/Caminho Político
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