Os paradoxos impostos por novas tecnologias, que muitas vezes ao longo da história surgiram para resolver problemas e acabam criando outros, repetem-se neste momento no jornalismo. Ferramentas que permitem a qualquer pessoa ter seu próprio canal e viabilizam iniciativas jornalísticas independentes criam também situações de difícil solução. Aqui no Reino Unido, onde há grande pressão para impor às plataformas digitais controles semelhantes aos da mídia tradicional, um caso judicial concluído na semana passada exemplifica bem uma das principais questões: uma pessoa que transmite notícias via redes sociais estaria sujeita às mesmas normas que valem para um jornalista? O Tribunal entendeu que sim. O objeto deste caso é um personagem controvertido: Stephen Yaxley-Lennon, autodenominado Tommy Robinson. Um radical nacionalista, contrário a imigrantes e muçulmanos, que chegou a tentar sem sucesso uma vaga no Parlamento Europeu.
Robinson foi condenado à prisão por desacato ao Tribunal. Em maio do ano passado, ele transmitiu via Facebook o julgamento de jovens muçulmanos acusados de exploração sexual de adolescentes, incitando perseguição aos envolvidos. Como a imprensa não tem permissão para transmitir as sessões, o juiz mandou prendê-lo imediatamente, alçando-o ao patamar de celebridade entre outros nacionalistas radicais. Outro juiz concedeu-lhe liberdade até o julgamento final. Ao condenar Robinson por infringir regras aplicadas a jornalistas, o Tribunal entendeu que ele também estava sujeito a elas, ainda que transmitindo para o seu canal pessoal. Mas entidades que defendem a liberdade de expressão não têm a mesma opinião. Há um movimento para evitar que propostas de regular e responsabilizar plataformas digitais (principalmente Google e Facebook) pelo conteúdo nelas veiculado acabem por provocar censura e cerceamento dos canais digitais de ativistas.
O assunto é tão controvertido que até as empresas de mídia tradicional levantam questionamentos quanto ao projeto de regulação do Governo, cuja consulta pública acaba de ser encerrada. Entidades que representam as organizações posicionaram-se contrárias a vários aspectos. Um deles é o risco de as empresas serem responsabilizadas pelo conteúdo dos comentários postados por leitores nas edições online.
O fato é que as regras a que a imprensa está submetida aqui são rigorosas, enquanto os independentes digitais gozam de boa liberdade. Além das atuantes entidades reguladoras, a Justiça tem papel ativo. Em 8/7, Heather Mills, ex-mulher de Paul McCartney, ganhou uma causa contra o News Group, que publicava o jornal News of The World, por ter tido o sigilo telefônico quebrado entre 1998 e 2008, no escândalo que culminou com o fechamento do título.
A batalha judicial durou dez anos. E a empresa que publicava o jornal teve que se desculpar na Corte, além de arcar com o que está sendo classificada como a maior indenização paga por uma empresa jornalística da história do país. Os valores não foram revelados.
Também por força de uma decisão judicial, The Times teve negado, depois de mais de um ano de tentativas, o direito de publicar matéria sobre um importante empresário britânico acusado de assediar sexualmente e moralmente seus funcionários. O juiz sustentou que a proteção da reputação do acusado tem precedência sobre o princípio de justiça aberta, em que a imprensa atua como olhos e ouvidos do povo na Corte.
Em vista disso, na sexta-feira (5/7), o jornal recorreu a uma solução que fez lembrar as páginas censuradas de nossos tempos de ditadura. Publicou a matéria com todos os detalhes e tarjas pretas sobre as menções ao nome do empresário. Uma edição de alto impacto.
Espera-se que casos como esses acabem por sinalizar os caminhos para um padrão que consiga combinar liberdade de expressão e responsabilidade, respeitando as características de empresas jornalísticas, plataformas digitais e indivíduos ou instituições com seus canais próprios. Afinal, tarja preta nunca foi o melhor remédio.
Luciana Gurgel/Caminho Político
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