"Ao perceber que jovens são um dos principais alvos de notícias falsas, ex-repórter criou o programa "Detectores de Mentiras". Objetivo é ajudar alunos de escolas europeias a identificar fontes de desinformação.A jornalista Juliane von Reppert-Bismarck achou curioso o fato de a criança alemã de 13 anos que ela estava questionando sobre política apresentar opiniões tão fortes sobre a eleição presidencial nos EUA – especialmente porque ela disse que seus colegas de classe estavam bastante entusiasmados com Donald Trump. Reppert-Bismarck perguntou de onde eles estavam recebendo suas informações sobre os candidatos americanos. E a resposta foi: Instagram. "Eu disse: 'isso não é uma fonte, é um aplicativo de foto'!", afirmou ela, pedindo então à criança alemã para compartilhar a postagem. "Lá estava um screenshot de algum texto que teria sido copiado do Instagram e agora circulava em um grupo privado de bate-papo no WhatsApp." Não foi tanto a tecnologia que a impressionou, porém, o conteúdo. "Era um texto absurdo de um bot russo, escrito num alemão muito ruim", recordou Reppert-Bismarck. "Mas basicamente o que estava dizendo era que tudo o que estava sendo veículo [na grande mídia] era besteira." "Vou lhe contar uma coisa que está realmente acontecendo. Hillary Clinton está assassinando todos esses agentes da CIA", citou Reppert-Bismarck o que estava descrito na postagem. "Pense em como você se sentiria se seus pais tivessem sido assassinados por Hillary Clinton. Comparado com isso, o que Trump fez não é absolutamente nada." Mas por que espalhar a mensagem entre adolescentes que não são eleitores nem americanos? Trata-se de uma das táticas básicas dos desinformadores. Eles não precisam provar as afirmações sobre seus alvos, apenas precisam plantar sementes de dúvida sobre eles. Usar uma fotografia com texto no Instagram também contorna funções automatizadas de checagem de fatos que podem detectar mensagens incendiárias caso fossem escritas abertamente no Facebook ou no Twitter. E não há controle sobre um grupo privado do WhatsApp – trata-se de um espaço digital em que especialistas em checagem de fatos não conseguem entrar.A experiência com os alunos alemães foi um divisor de águas para Reppert-Bismarck, que havia trabalhado como repórter por duas décadas. "Que diabos estou fazendo exercendo um jornalismo bonito se as pessoas não conseguem diferenciar entre o belo jornalismo e a ficção total e não estão nem questionando a fonte, de onde tudo vem?", indagou. Ela largou o trabalho como repórter e criou um programa intitulado "Detectores de Mentiras", que treina jornalistas que vão às escolas e ensinam jovens de até 10 anos de idade como checar informações e quais fontes são confiáveis. Reppert-Bismarck tem evitado receber financiamento de governos ou de plataformas de alta tecnologia que apoiam tantas outras "iniciativas jornalísticas". O principal apoio do programa "Detectores de Mentiras" provém de uma organização americana de caridade, a Wyss Foundation. A reportagem da DW acompanhou uma das sessões do "Detectores de Mentiras" numa escola internacional em Bruxelas, onde a veterana jornalista americana Anna Mulrine Grobe comandou, numa sala repleta de jovens de 15 anos, um debate sobre que tipo de informação poderia tê-los como alvo nas redes sociais. Ao citar sátiras, Grobe perguntou se os jovens já tinham ouvido falar da publicação satírica americana The Onion. Algumas poucas mãos levantaram. "Do que mais você chamaria algumas dessas coisas?", questionou Grobe. "Propaganda?", sugeriu a jovem Ioanna Kakomyta. "Sim", confirmou Grobe. Posteriormente, Kakomyta afirmou que sempre checa duas vezes o que lê, mas confessou estar preocupada com seus colegas adolescentes. "[Com] as mídias sociais não sabemos realmente em que acreditar", disse ela. "Eu vejo muitas pessoas expressando suas opiniões sem saber o que está realmente acontecendo, e elas estão apenas criando um falso ponto de vista." Seu colega de classe, Johannes Wehrheim, disse que busca suas informações somente de páginas de notícias confiáveis, mas também se mostrou preocupado com pessoas que não fazem o mesmo. "Por exemplo, a AfD [o partido populista de direita Alternativa para a Alemanha]. As pessoas realmente seguem sua conta no Twitter e confiam em qualquer notícia que publicam. Preocupa-me que outras pessoas acreditem neles", disse o jovem. Notícias falsas para o bem Para aqueles que não têm a oportunidade de aprender numa sala de aula a detectar notícias falsas, mas que ainda sim querem adquirir algumas habilidades, existem outras maneiras. Embora o endereço de internet "getbadnews.com" pareça um mau conselho, trata-se na verdade de um jogo online criado por um grupo holandês chamado DROG, formado por acadêmicos, jornalistas e especialistas em mídia.Marije Arentze explicou que eles estão trabalhando para diminuir o impacto da desinformação usando a "teoria da inoculação", que sugere que expor pessoas à desinformação em um ambiente controlado pode ajudá-las a reconhecer e criar resistência a estas – uma espécie de "anticorpo mental" contra notícias falsas. Usuários do "getbadnews.com" desempenham o papel de "jornalistas" que tentam espalhar histórias falsas, conquistar o maior número possível de seguidores e ainda manter a credibilidade como fonte de informação. "A ideia é que, ao convidá-los a cruzar suas próprias fronteiras mentais, isso desencadeie um processo de pensamento que os ajuda a construir resistência", explicou Arentze, que afirmou que os estudos indicam que o jogo online deles está obtendo resultados. "Estamos realmente fazendo pesquisa sobre a existência de chamadas imunizações em cooperação com a Universidade de Cambridge", disse Arentze. "E os primeiros resultados sugerem que, depois de jogar o nosso jogo, as pessoas ficam melhores em detectar notícias falsas e, ao mesmo tempo, não há diminuição no quanto elas confiam nas notícias reais." Arentze comparou a iniciativa ao ensino de artes marciais. Não se trata de sair atacando os outros, mas de obter a habilidade de se defender, caso necessário. E na arena da desinformação, as habilidades de defesa definitivamente ainda são necessárias. Reppert-Bismarck espera poder retornar ao jornalismo algum dia, mas neste momento a infelizmente tem muito trabalho pela frente com sua iniciativa. O programa "Detectores de Mentiras" está próximo de completar sua 700ª visita em salas de aula na Bélgica, Alemanha e Áustria. Há planos de expandi-lo para outros países e idiomas, na tentativa de garantir que não haja mercado para desinformação. Teri Schultz/Caminho Político'
Ao perceber que jovens são um dos principais alvos de notícias falsas, ex-repórter criou o programa "Detectores de Mentiras". Objetivo é ajudar alunos de escolas europeias a identificar fontes de desinformação.A jornalista Juliane von Reppert-Bismarck achou curioso o fato de a criança alemã de 13 anos que ela estava questionando sobre política apresentar opiniões tão fortes sobre a eleição presidencial nos EUA – especialmente porque ela disse que seus colegas de classe estavam bastante entusiasmados com Donald Trump. Reppert-Bismarck perguntou de onde eles estavam recebendo suas informações sobre os candidatos americanos. E a resposta foi: Instagram.
"Eu disse: 'isso não é uma fonte, é um aplicativo de foto'!", afirmou ela, pedindo então à criança alemã para compartilhar a postagem. "Lá estava um screenshot de algum texto que teria sido copiado do Instagram e agora circulava em um grupo privado de bate-papo no WhatsApp."
Não foi tanto a tecnologia que a impressionou, porém, o conteúdo. "Era um texto absurdo de um bot russo, escrito num alemão muito ruim", recordou Reppert-Bismarck. "Mas basicamente o que estava dizendo era que tudo o que estava sendo veículo [na grande mídia] era besteira."
"Vou lhe contar uma coisa que está realmente acontecendo. Hillary Clinton está assassinando todos esses agentes da CIA", citou Reppert-Bismarck o que estava descrito na postagem. "Pense em como você se sentiria se seus pais tivessem sido assassinados por Hillary Clinton. Comparado com isso, o que Trump fez não é absolutamente nada."
Mas por que espalhar a mensagem entre adolescentes que não são eleitores nem americanos? Trata-se de uma das táticas básicas dos desinformadores. Eles não precisam provar as afirmações sobre seus alvos, apenas precisam plantar sementes de dúvida sobre eles.
Usar uma fotografia com texto no Instagram também contorna funções automatizadas de checagem de fatos que podem detectar mensagens incendiárias caso fossem escritas abertamente no Facebook ou no Twitter. E não há controle sobre um grupo privado do WhatsApp – trata-se de um espaço digital em que especialistas em checagem de fatos não conseguem entrar.A experiência com os alunos alemães foi um divisor de águas para Reppert-Bismarck, que havia trabalhado como repórter por duas décadas. "Que diabos estou fazendo exercendo um jornalismo bonito se as pessoas não conseguem diferenciar entre o belo jornalismo e a ficção total e não estão nem questionando a fonte, de onde tudo vem?", indagou.
Ela largou o trabalho como repórter e criou um programa intitulado "Detectores de Mentiras", que treina jornalistas que vão às escolas e ensinam jovens de até 10 anos de idade como checar informações e quais fontes são confiáveis.
Reppert-Bismarck tem evitado receber financiamento de governos ou de plataformas de alta tecnologia que apoiam tantas outras "iniciativas jornalísticas". O principal apoio do programa "Detectores de Mentiras" provém de uma organização americana de caridade, a Wyss Foundation.
A reportagem da DW acompanhou uma das sessões do "Detectores de Mentiras" numa escola internacional em Bruxelas, onde a veterana jornalista americana Anna Mulrine Grobe comandou, numa sala repleta de jovens de 15 anos, um debate sobre que tipo de informação poderia tê-los como alvo nas redes sociais.
Ao citar sátiras, Grobe perguntou se os jovens já tinham ouvido falar da publicação satírica americana The Onion. Algumas poucas mãos levantaram. "Do que mais você chamaria algumas dessas coisas?", questionou Grobe. "Propaganda?", sugeriu a jovem Ioanna Kakomyta. "Sim", confirmou Grobe.
Posteriormente, Kakomyta afirmou que sempre checa duas vezes o que lê, mas confessou estar preocupada com seus colegas adolescentes.
"[Com] as mídias sociais não sabemos realmente em que acreditar", disse ela. "Eu vejo muitas pessoas expressando suas opiniões sem saber o que está realmente acontecendo, e elas estão apenas criando um falso ponto de vista."
Seu colega de classe, Johannes Wehrheim, disse que busca suas informações somente de páginas de notícias confiáveis, mas também se mostrou preocupado com pessoas que não fazem o mesmo.
"Por exemplo, a AfD [o partido populista de direita Alternativa para a Alemanha]. As pessoas realmente seguem sua conta no Twitter e confiam em qualquer notícia que publicam. Preocupa-me que outras pessoas acreditem neles", disse o jovem.
Notícias falsas para o bem
Para aqueles que não têm a oportunidade de aprender numa sala de aula a detectar notícias falsas, mas que ainda sim querem adquirir algumas habilidades, existem outras maneiras. Embora o endereço de internet "getbadnews.com" pareça um mau conselho, trata-se na verdade de um jogo online criado por um grupo holandês chamado DROG, formado por acadêmicos, jornalistas e especialistas em mídia.Marije Arentze explicou que eles estão trabalhando para diminuir o impacto da desinformação usando a "teoria da inoculação", que sugere que expor pessoas à desinformação em um ambiente controlado pode ajudá-las a reconhecer e criar resistência a estas – uma espécie de "anticorpo mental" contra notícias falsas.
Usuários do "getbadnews.com" desempenham o papel de "jornalistas" que tentam espalhar histórias falsas, conquistar o maior número possível de seguidores e ainda manter a credibilidade como fonte de informação.
"A ideia é que, ao convidá-los a cruzar suas próprias fronteiras mentais, isso desencadeie um processo de pensamento que os ajuda a construir resistência", explicou Arentze, que afirmou que os estudos indicam que o jogo online deles está obtendo resultados.
"Estamos realmente fazendo pesquisa sobre a existência de chamadas imunizações em cooperação com a Universidade de Cambridge", disse Arentze. "E os primeiros resultados sugerem que, depois de jogar o nosso jogo, as pessoas ficam melhores em detectar notícias falsas e, ao mesmo tempo, não há diminuição no quanto elas confiam nas notícias reais."
Arentze comparou a iniciativa ao ensino de artes marciais. Não se trata de sair atacando os outros, mas de obter a habilidade de se defender, caso necessário. E na arena da desinformação, as habilidades de defesa definitivamente ainda são necessárias.
Reppert-Bismarck espera poder retornar ao jornalismo algum dia, mas neste momento a infelizmente tem muito trabalho pela frente com sua iniciativa. O programa "Detectores de Mentiras" está próximo de completar sua 700ª visita em salas de aula na Bélgica, Alemanha e Áustria. Há planos de expandi-lo para outros países e idiomas, na tentativa de garantir que não haja mercado para desinformação.
Teri Schultz/Caminho Político
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