"Coaf, Receita e terras indígenas dominam debate sobre MP da reestruturação ministerial"

Ordem do dia para discussão e votação de diversos projetos. Dep. Beto Pereira (PSDB - MS)As discussões em Plenário sobre a mudança na estrutura ministerial do governo Bolsonaro prevista na MP 870/19 seguiram as polêmicas da comissão mista que analisou a proposta: a competência para demarcar terras indígenas, as atribuições dos auditores da Receita Federal e o órgão a que está subordinado o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) foram os pontos mais controversos.
Até mesmo o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, interveio durante a sessão desta quarta-feira (22). Ele respondeu a uma fala do deputado Célio Silveira (PSDB-GO), segundo o qual o PSDB votaria “tudo o que for necessário para o País crescer e se desenvolver, inclusive a questão do Coaf, que se tornou nacional”.

Maia avaliou que colocar o conselho no Ministério da Economia ou no da Justiça não é relevante para as contas nacionais. “O Coaf não vai fazer o Brasil crescer. Temos 20% da população cozinhando com lenha e carvão; é se preocupando com essas pessoas que vamos fazer o País crescer”, defendeu.
O Coaf fazia parte do Ministério da Fazenda até o fim do governo Temer. O texto original da MP passou o órgão para o Ministério da Justiça e Segurança Pública, de Sérgio Moro, mas os deputados decidiram hoje, por 228 votos a 210 e 4 abstenções, que o Coaf deverá ser remanejado para o Ministério da Economia, sob o comando de Paulo Guedes. Eles seguiram o texto aprovado na comissão especial.
A alteração uniu oposição e partidos de centro não alinhados ao governo. O líder do Psol, deputado Ivan Valente (SP), lembrou que foi sob a autoridade do Ministério da Fazenda, atualmente Economia, que o Coaf identificou movimentações suspeitas que deram origem a investigações contra o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente da República. “Qualquer analista sério sabe que, nos países desenvolvidos (Alemanha, França, Espanha, entre outros), todo Coaf está na pasta da Economia”, disse.
O deputado Beto Pereira (PSDB-MS) ressaltou que a bancada tucana se dividiu, mas ele defendeu a ida do Coaf para a Economia ao lembrar que foi um relatório do órgão sobre o doleiro Alberto Youssef que deu início à Operação Lava Jato. “Em 21 anos de existência, o Coaf nunca foi acusado de ser partidário e muito menos inerte: ele atua como um grande auxiliar nas investigações criminais sem perder o objetivo de fazer a investigação financeira”, declarou.
O líder do DEM, deputado Elmar Nascimento (BA), destacou que a salvaguarda do órgão na equipe econômica leva em conta o sigilo de dados financeiros.
O deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) afirmou que a mudança pretendida pelo texto original da MP era um casuísmo, opinião também do deputado Otoni de Paula (PSC-RJ): “Se o Sérgio Moro for para outro ministério, não vai poder levar o Coaf”.
Já o líder do governo, deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO), defendeu o retorno ao texto original. “O brasileiro elegeu um presidente coerente com as bandeiras de combate à corrupção, à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo. Não importa como outros países fazem, o Brasil tem de ter coragem de tomar uma decisão que vai ser seguida pelos outros”, disse ele. O líder governista se referiu ao principal argumento dos que defendem o Coaf na Economia: o órgão tem trabalhado com excelência fazendo parte da equipe econômica.
Pablo Valadares/Câmara dos Deputados
Reunião ordinária. Líder do governo, dep. Major Vitor Hugo (PSL - GO)
Já Major Vitor Hugo queria a retomada do texto original da MP, com o Coaf no Ministério da Justiça
Para o deputado Diego Garcia (Pode-PR), porém, o Coaf sairia fortalecido sob a gerência de Sérgio Moro. “Essa mudança feita na comissão mista em nada vem agregar aos trabalhos que já vêm sendo muito bem desempenhados pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública. Muito pelo contrário”, criticou.
O deputado Filipe Barros (PSL-PR) argumentou que devolver o Coaf à estrutura de Moro faz parte da lógica da estrutura organizacional proposta pelo Executivo. “Temos de compreender a proposta da nova estrutura ministerial do governo Bolsonaro: um Ministério da Justiça focado no combate à corrupção; um Ministério dos Direitos Humanos com a inclusão dos indígenas”, afirmou.
Funai 
A Fundação Nacional do Índio (Funai) e a competência sobre a demarcação de terras indígenas foram incluídas no Ministério da Justiça pela comissão mista e mantidas pelo Plenário, em outro ponto controverso do texto.

A oposição defendeu a mudança, que governo e parlamentares ligados ao agronegócio tentaram modificar. No texto original, a Funai foi transferida para a pasta dos Direitos Humanos e Família; e a demarcação, ao Ministério da Agricultura.
Para o deputado Nilto Tatto (PT-SP), os índios não podem estar subordinados ao agronegócio. “Precisamos entender que a visão que os indígenas têm de território não é a mesma visão econômica que nós temos.”
Filipe Barros, no entanto, sustentou que a ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, tem competência para gerir a questão indígena. “A ministra é mãe de uma indígena e foi militante nessa causa durante toda a sua vida”, apontou.
Receita
A limitação das competências dos auditores da Receita Federal, medida incluída pela comissão mista, foi outro ponto questionado durante os debates. Esse dispositivo ainda será analisado nesta quinta-feira (23) pelo Plenário.

A interpretação dos contrários à mudança é que o Fisco terá atuação prejudicada na identificação de crimes de colarinho branco. “Essa diminuição da competência do auditor fiscal, limitando-se, em matéria criminal, à investigação dos crimes contra a ordem tributária ou relacionados ao controle aduaneiro, é um instrumento que vai dificultar o combate à corrupção”, criticou o deputado Bacelar (Pode-BA).
O deputado Tadeu Alencar (PSB-PE) também condenou a alteração. “É uma coisa incrível que se queira subtrair da autoridade fiscalizatória a possibilidade de fazer representações fiscais com fins penais.”
Já o deputado Ricardo Barros (PP-PR), favorável à mudança, argumentou que hoje há abusos na Receita Federal por uma lacuna legal. “Não há autorização expressa para que o auditor quebre sigilo fiscal. Não está escrito que pode, mas não está escrito que não pode, e, então, os auditores passaram a ser investigadores de todos os cidadãos brasileiros”, disse.
Reportagem – Carol Siqueira
Edição – Marcelo Oliveira

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