"Opinião: “O que cobrar de um jornalista que vai atuar no serviço público?”, por Wagner de Alcântara Aragão"
Em 20 de janeiro último, tive a oportunidade de realizar uma prova de concurso público – no caso, para a Câmara Municipal de Santo André. Segundo o edital, apenas uma vaga. O cargo – Técnico Legislativo/Especialização em Jornalismo - prevê uma série de atribuições, desde a coleta básica de informações para a produção de material jornalístico até atribuições no campo da comunicação corporativa. O teor da prova, porém, mais parecia buscar selecionar uma máquina registradora de datas, siglas, comandos de computador e outras tarefas mecânicas. Durante a prova, questionei: que perfil de jornalista as organizações do poder público estão recrutando? Busca-se um ser pensante, um profissional capaz de identificar as especificidades do serviço público – e, portanto, da comunicação nesse serviço público? Que compreenda as complexidades da comunidade em que a instituição contratante está inserida e atende?
A julgar pelo teste aplicado pela Câmara Municipal de Santo André (por meio do Instituto de Brasileiro de Administração Pública, o Ibam, contratado para realizar o concurso), parece que não. O que é trágico para a comunicação pública – e, assim, para a sociedade. O que é aviltante ao profissional de Jornalismo.
Para começar, na referida prova não havia uma questão dissertativa sequer. Redação, então, passou longe. Nada. Só perguntas de marcar xis. Isso mesmo: uma prova para selecionar jornalista que não exigiu dos candidatos a escrita. É como um time de futebol contratar um centroavante sem precisar saber dele como se posiciona na área. É como avaliar um técnico em enfermagem sem verificar se ele saber encontrar a veia do paciente.
Mas os absurdos não param por aí.
Uma questão pediu para que o candidato assinalasse o ano de publicação de um determinado livro (Propaganda Techniques in the World War, de Harold D. Lasswell), se 1922, 1924, 1926 ou 1927. Nada se perguntou sobre o conteúdo da obra. Se um candidato chegou só à ficha catalográfica e por acaso memorizou a data, teve mais chance de ser selecionado que algum concorrente que tenha lido todo livro, refletido sobre a obra, mas eventualmente não se lembre com precisão do ano de publicação (ainda que saiba relacionar o conteúdo ao contexto da época de produção).
Com critérios de seleção tão rasos como esse, que serviço público de comunicação a Câmara de Santo André objetiva oferecer aos munícipes?
Há mais aberrações: uma questão pedia que se assinalasse a opção que significasse a transcrição da sigla RSS, todavia nada se indagou sobre a utilidade desse recurso para as atividades do jornalista do Legislativo de Santo André. E esta outra aqui: “O cordão colorido, geralmente feito de algodão ou seda, aplicado na cabeça e no pé dos elementos de amarração das lombadas de livros com acabamento costurado, se chama”, e lá vinham quatro opções.
Insisto: um jornalista para o serviço público deve ser competente e sensível para lidar com a comunicação de instituições que atuam na prestação de serviços ao público, e não um craque em quiz, não é mesmo?
A comunicação no serviço público é indispensável para a garantia de uma comunicação democrática e plural em uma sociedade. É imprescindível também para que as instituições logrem êxito nos serviços que oferecem ao cidadão. Para isso, entretanto, devem contar com quadros comprometidos com a coletividade, bem formados, motivados, hábeis nas técnicas, nos procedimentos, todavia com conhecimento holístico necessário para compreender a complexidade do mundo em que vivem. Provas de seleção como essa da Câmara de Santo André não parecem levar a esse caminho.
Wagner de Alcântara Aragão é jornalista e professor de disciplinas de Comunicação na rede estadual de ensino profissional do Paraná. Mestre em Estudos de Linguagens (UTFPR). Mantém um site de notícias (www.redemacuco.com.br) e promove cursos e oficinas nas áreas de Comunicação e Cultura, sobre as quais desenvolve pesquisas também.
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