Aumento das hostilidades contra a comunidade judaica em países como Alemanha e França reflete tendência no continente, apontam pesquisas. Cerca de um em cada três judeus já foi alvo de ofensas em nações do bloco. O aumento significativo de atos hostis contra judeus e instituições judaicas na Alemanha e na França, segundo dados divulgados por esses países recentemente, refletem uma tendência observada em diversos Estados da União Europeia (UE), onde autoridades alertam para o crescimento do antissemitismo em níveis alarmantes. Na Alemanha, a polícia revelou que atos de violência motivados por ódio aos judeus aumentaram em mais de 60% no país no período de um ano. Segundo os dados, solicitados por parlamentares do partido A Esquerda, foram 62 ataques violentos em 2018, deixando 43 pessoas feridas, enquanto em 2017 haviam sido registrados 37 ataques.
Já o número total de crimes relacionados a antissemitismo, não necessariamente violentos, chegou a 1.646 em 2018 – 9,4% a mais do que no ano anterior.
Na França, o Ministério do Interior informou também nesta semana que as ofensas contra judeus aumentaram quase 74% no ano passado, saltando de 311 em 2017 para 541 em 2018.
Uma pesquisa divulgada no final de 2018 pela Agência de Direitos Fundamentais da União Europeia (FRA, na sigla em inglês) – o maior levantamento já realizado sobre antissemitismo no continente – afirma que o discurso de ódio e casos de abuso estariam se tornando algo cada vez mais normal, assim como o medo entre os judeus de serem reconhecidos publicamente como tal.
"Décadas após o Holocausto, níveis crescentes e alarmantes de antissemitismo continuam a afligir a União Europeia", disse o diretor da FRA, Michael O'Flaherty, citado pelo jornal britânico The Guardian. "Os judeus querem o direito de viver livres, sem ódio e sem temer por sua segurança."
A agência europeia denuncia que a "onda" de crimes de ódio contra judeus ameaça "os próprios valores sobre os quais a União Europeia foi construída".
Segundo o estudo da FRA, 90% dos judeus entrevistados disseram sentir um aumento do antissemitismo em seus países, enquanto 30% afirmaram que já foram alvo de ofensas. Um terço das pessoas evita ir a eventos ou locais judaicos temendo por sua segurança. A mesma proporção de pessoas afirma que considera emigrar para outros países.
Apesar dos dados alarmantes, 80% dos entrevistados disseram não relatar incidentes menores às autoridades, por entender que nada vai mudar se o fizerem.
A pesquisa Eurobarômetro, divulgada pela Comissão Europeia no mês passado, revelou uma discrepância maior entre a percepção pública do antissemitismo entre a população e os membros da comunidade judaica. Entre os judeus, 89% afirmaram que os atos hostis aumentaram significativamente, enquanto entre o público geral esse percentual ficou em 36%.
Outra pesquisa recente realizada pela emissora CNN afirma que um quinto dos 7 mil entrevistados avaliou que os judeus exercem influência excessiva na política e nas finanças. Outros 34% disseram saber pouco ou nada sobre o Holocausto, enquanto 32% afirmaram que os judeus exploram o massacre ocorrido na Segunda Guerra Mundial para "avançar suas posições".
O presidente francês, Emmanuel Macron, disse que o aumento do antissemitismo em seu país é inaceitável, além de significar uma "rejeição da República e seus valores".
Frédéric Potier, membro de uma comissão interministerial do governo francês contra racismo e antissemitismo, afirmou ao jornal Le Monde que algumas formas tradicionais de preconceito contra judeus vêm ressurgindo recentemente.
"Testemunhamos o ressurgimento de políticas perigosas, de identidade política de extrema direita, que não hesitam em colocar em prática as suas crenças", observou Potier.
Na Alemanha, um fluxo maciço de refugiados e migrantes muçulmanos a partir de 2015 impulsionou a ascensão do partido populista de direita e anti-imigração Alternativa para a Alemanha (AfD), cujos membros, além de exercerem críticas ao multiculturalismo, também se tornaram conhecidos por minimizarem o Holocausto.
Em junho do ano passado, o copresidente da AfD, Alexander Gauland, provocou um escândalo ao afirmar que Adolf Hitler e os nazistas não foram mais do que um "cocô de pássaro" na história alemã.
A Alemanha também testemunhou um aumento de ataques antissemitas cometidos por imigrantes de países árabes. Em um caso que gerou repercussão no ano passado, um refugiado sírio de origem palestina de 19 anos foi condenado por agredir com um cinto um cidadão israelense que usava um quipá judaico em Berlim.
O presidente do Conselho Central dos Judeus na Alemanha, Josef Schuster, denunciou "uma tendência aterradora" e pediu "um compromisso mais forte e urgente contra o antissemitismo de políticos, polícia e Justiça". "Se pensarmos em todos os atos que não são criminosos, as coisas são ainda mais preocupantes", acrescentou o responsável da comunidade judaica.
Os crimes e delitos antissemitas no país registraram o maior nível desde 2009 (quando ocorreram 1.690 atos). A vice-porta-voz do governo alemão, Ulrike Demmer, ressaltou que "não há lugar para antissemitismo na Alemanha" e que a vida judaica no país deve "se desenvolver de maneira livre e segura".
Petra Pau, parlamentar do partido A Esquerda, observou que um número cada vez maior de pessoas se sente livre para renegar o Holocausto e "se envolver em agitações antissemitas". "Os militantes da extrema direita convocam abertamente a profanação de instituições judaicas e os ataques contra os judeus", afirmou.
O Conselho Europeu adotou no ano passado uma declaração pedindo a todos os Estados-membros da UE que aumentem seus esforços para combater "todas as formas de antissemitismo" e "garantir a segurança dos cidadãos, comunidades e instituições judaicas".
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