Voluntariamente, o Brasil abriu mão do papel de liderança no combate às mudanças climáticas. O que o país apresentará de interessante aos outros líderes do G20 daqui em diante – histórias sobre o socialismo perverso? Sim, no último fim de semana, o Brasil também esteve representado na cúpula do G20 em Buenos Aires. Eu vi o presidente Michel Temer – primeiro, durante a foto oficial do grupo, e depois, durante sua chegada ao Teatro Colón.
Não ouvi nada dele – assim como nos anos anteriores. Apresentações em palcos gigantescos como esse parecem deixá-lo constrangido. Será que ele não sabe falar nenhuma língua estrangeira? Ou ele não sabe o que dizer? Ou então, será que ninguém quer falar com ele, por causa de Dilma, do impeachment ou por causa da JBS?
Mas falou-se sobre o Brasil, mesmo que com rodeios. O presidente francês, Emmanuel Macron, alertou o Mercosul de que uma saída do Acordo sobre o Clima de Paris, de 2015, anularia um possível acordo comercial entre a União Europeia e o bloco sul-americano. Foi uma indireta para Jair Bolsonaro, suas críticas recorrentes ao Acordo de Paris e a renúncia do Brasil a sediar a COP25, a próxima Conferência do Clima das Nações Unidas.
A luta contra o aquecimento global costumava ser uma área em que o Brasil ocupava posição de liderança internacional. Sob Lula e Dilma, as delegações brasileiras pegaram as outras nações pela mão, as levaram a obter bons resultados. Agora, ouvem-se estranhas histórias contadas pelo presidente eleito sobre a ONU, que supostamente quer criar "nações" indígenas dentro do Brasil, e há o conto da criação de um corredor ecológico conhecido como "Triplo A" (Andes, Amazônia, Atlântico), que seria parte do Acordo de Paris – mas que, na verdade, só existe dentro da cabeça do futuro presidente.
É uma pena, visto que o Banco Mundial acaba de anunciar a liberação de auxílios financeiros num total de 200 bilhões de dólares para ações climáticas nos próximos anos. A proteção ambiental se tornará um negócio gigantesco, assim como energias alternativas e verdes. No palco do G20, o Brasil teria muito a oferecer nessa área. Mas o interesse do novo governo parece ser extremamente reduzido nesse contexto.
Em Buenos Aires, imaginei várias vezes como os chefes de Estado e de governo reagirão quando Bolsonaro ou seu futuro ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, contarem suas histórias esquisitas sobre o complô marxista-comunista da ONU na esfera internacional. Claro, Donald Trump também tem desses enredos. Mas ele é o homem mais poderoso do mundo, pode dar-se esse luxo. Será que o Brasil também pode?
Enquanto Temer ficou mudo, Eduardo Bolsonaro, um dos filhos do presidente eleito, deu curiosas declarações, num inglês esquisito, a programas de TV americanos. No canal preferido de Trump, a Fox News, ele prometeu que o Brasil nunca mais será "um país socialista".Fiquei surpreso. Afinal, não sabia que o Brasil jamais tenha sido um "país socialista". Sempre pensei que, no Brasil, dominava um capitalismo selvagem desenfreado.
Mas, talvez, eu entenda o conceito de outra forma. Para mim, o socialismo tenta estabelecer igualdade e justiça entre os cidadãos. O elemento mais fundamental para isso é a libertação das pessoas da pobreza.
Apesar dos enormes esforços dos últimos 15 anos, o Brasil continua sendo um dos países mais desiguais do mundo. Concretamente, o nono país mais desigual do mundo numa lista de 189 nações, segundo relatório do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). Os resultados são apenas pouco melhores que os da África do Sul, da Namíbia e do Botsuana.
Até agora, mal ouvi declarações sobre como o novo governo quer garantir mais igualdade e justiça. Uma abordagem clássica seria valorizar e melhorar as instituições de ensino. Algo urgentemente necessário. Em 2015/16, o Brasil ocupou apenas o 63º lugar entre 71 países no ranking de desempenho escolar PISA, da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Em matemática, os alunos brasileiros chegaram somente à 66ª colocação.
Mas as visões do novo governo na área da educação parecem se restringir ao projeto "Escola Sem Partido", que – em vez de fortalecer escolas e professores – implode o sistema escolar brasileiro, já bombardeando também o esclarecimento ocidental. Avançamos para o século 21 ou retornamos à Idade Média?
Nas últimas semanas, pessoas que entrevistei me asseguraram que projetos como o Escola Sem Partido fracassarão, seja no Congresso ou, mais tardar, no STF. Frequentemente, ouvi que o governo Bolsonaro está diante de um "choque de realidade". A realidade vai mostrar os limites aos novos governantes – e indicar-lhes o caminho certo. A ver.
De qualquer maneira, o G20 será fascinante em 2019, quando acontecerá com Bolsonaro, que certamente será mais loquaz que seu antecessor, Temer. Vamos ver se Angela Merkel achará divertidas as suas tramas sobre a conspiração marxista-comunista mundial.
Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como o Bayerischer Rundfunk, a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.
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