Sobrevivente adverte que cúpula antiabusos pode ser a ''última chance'' do papa

28-11-2018-papa-francisco-vaticano_vaticanmedia.jpgUma sobrevivente de abusos sexuais clericais definiu uma cúpula sobre a proteção infantil – que acontecerá no Vaticano de 21 a 24 de fevereiro, envolvendo presidentes de todas as Conferências Episcopais do mundo, assim como os principais assessores do papa – como uma “última chance” para que o Vaticano seja levado a sério. “Se essa reunião de 2019 terminar com nada mais do que palavras entusiasmadas sobre as discussões que aconteceram e com promessas para o futuro, será o fim do caminho para muitos que esperaram anos para que a Igreja tomasse medidas concretas”, disse Marie Collins, sobrevivente irlandesa de abusos sexuais clericais, em uma entrevista por e-mail com o Crux em 23 de novembro.
Collins, ex-membro da Pontifícia Comissão para a Proteção dos Menores, tem sido firme ao longo dos anos em responsabilizar a Igreja e em pedir por reformas.
No dia 23 de novembro, o Vaticano anunciou o comitê de planejamento da cúpula, composto pelo cardeal Blase Cupich, de Chicago; o arcebispo Charles Scicluna, de Malta, o principal promotor do Vaticano sobre abusos infantis; o padre jesuíta alemão Hans Zollner, membro da Pontifícia Comissão para a Proteção dos Menores e chefe do Centro de Proteção Infantil da Pontifícia Universidade Gregoriana; e o cardeal Oswald Gracias, de Mumbai, na Índia, que também atua no conselho de cardeais conselheiros de Francisco, o “C9”.
A ausência do cardeal Sean O’Malley, membro do C9 e presidente da Pontifícia Comissão para a Proteção dos Menores, tem sido uma fonte de confusão para alguns.
Mas, para Collins, que não o está organizando, o evento não é tão importante quanto as medidas práticas que ele deve introduzir se quiser preservar a credibilidade da Igreja em relação aos abusos sexuais.
“O que mais importa nessa reunião não é quais cardeais participarão ou estarão envolvidos na sua organização, mas sim o que estará em pauta”, escreveu Collins. “O que se pretende alcançar? Que mudanças concretas trará?”
Ao mesmo tempo, Collins apontou para outra ausência notável na lista de organizadores: o arcebispo Diarmuid Martin, de Dublin, que teve uma vasta experiência em um país abalado por abusos clericais e que promulgou medidas eficazes, disse Collins, para a prevenção e a proteção das crianças.
“Ele implementou a sua política de salvaguarda rigorosamente por muitos anos e tem o respeito dos sobreviventes e dos fiéis pelo modo como lidou com a questão e cuidou das vítimas”, escreveu ela. “Um homem com tamanha experiência prática deveria estar nessa reunião.”
Segundo a sobrevivente e ativista, a reunião de fevereiro deve ter três eixos.
- Deveria ter como objetivo implementar “uma política de salvaguarda universal em todas as entidades da Igreja em todo o mundo”, escreveu Collins. Essa política deveria estar alinhada com a prometida política de “tolerância zero” de Francisco.
- Os participantes devem “chegar a uma decisão sobre uma política clara de responsabilização para todas as lideranças da Igreja em relação ao tratamento de casos de abuso de menores”.
- Finalmente, os participantes deveriam “discernir quais mudanças são necessárias no direito canônico para facilitar todas as provisões necessárias nessas mudanças para salvaguardar e responsabilizar”.
De acordo com Collins, a realidade da prevenção aos abusos na Igreja Católica muda drasticamente dependendo da localização, devido às várias sensibilidades dos bispos e das culturas e leis locais.
“A Igreja tem resistido a implementar políticas globais para proteger os menores e para responsabilizar as suas lideranças”, escreveu ela, criando “enormes diferenças em segurança, dependendo da localização”.
Collins também criticou a “obsessão pelo sigilo” da Igreja, que, segundo ela, não apenas levou ao tratamento injusto das vítimas, mas também obstruiu julgamentos canônicos.
A responsabilização de um bispo está entre os principais resultados que a sobrevivente deseja ver do evento, junto com mais informações sobre quem está realizando as investigações, quais são as penalidades, além de tornar públicos os julgamentos dos culpados.
Collins também expressou a esperança de que as conversas que acontecerem no encontro, junto com qualquer documentação e prazos, sejam tornadas públicas.
“Deve haver transparência e o fim das palavras ambíguas, do ofuscamento e das promessas não cumpridas”, escreveu ela.
Embora ela não saiba a identidade dos sobreviventes que irão participar do evento, Collins escreveu que espera que “eles sejam escolhidos a partir de grupos de defesa dos sobreviventes, com experiência, que falem sobre as necessidades das vítimas em relação ao tratamento dos abusos, e que a sua identidade não fique escondida”.
Ela descreveu como “deprimente” uma entrevista recente com Scicluna na America Magazine, na qual ele chamou a cúpula de fevereiro de “o início do processo”.
Collins lembrou que, há seis anos, em fevereiro de 2012, o Vaticano promoveu um simpósio em Roma chamado “Rumo à Cura e à Renovação” para combater a crise dos abusos sexuais, com a participação do Scicluna. Cada Conferência Episcopal foi convidada a enviar um representante, e o evento realizou reuniões, discussões e oficinas.
“Supostamente, também era para ser um ‘começo’, mas seis anos se passaram, e estamos exatamente na mesma situação”, escreveu Collins. “Nada mudou.”
Em uma entrevista na sexta-feira ao Crux, Cupich disse que o comitê está “comprometido em alcançar resultados específicos a partir desse encontro, que reflitam o pensamento do Papa Francisco”.
A mesma posição foi assumida por Gracias em uma entrevista de outubro com o Crux, na qual ele disse que a reunião de fevereiro “não pode ser cosmética”.
“Ou ela será bem-sucedida ou será um desastre para a Igreja”, disse ele, acrescentando que Francisco “não vai convocar outra reunião seis meses ou dois anos depois. Ninguém vai participar e levá-la a sério. Isso é muito importante”.
A reportagem é de Claire Giangravè, publicada em Crux, e Caminho Político. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

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