A frase do presidente da República eleito, Jair Messias Bolsonaro, representa bem o pensamento da direita sobre a política externa brasileira: "Libertaremos o Brasil e o Itamaraty das relações internacionais com viés ideológico a que foram submetidos nos últimos anos. O Brasil deixará de estar apartado das nações mais desenvolvidas. Buscaremos relações bilaterais com países que possam agregar valor econômico e tecnológico aos produtos brasileiros. Recuperaremos o respeito internacional pelo nosso amado Brasil".Para o pensamento conservador, a política externa brasileira foi criada por Luiz Inácio Lula da Silva, sob orientação de Marco Aurélio Garcia, e tem influências comunistas. Durante o processo eleitoral, essa afirmação pode ser lida em várias páginas do Facebook e fóruns e quem costuma replicá-la, inclusive em páginas com viés de ódio, como meme tem certeza do que diz. No entanto, é um dos maiores exemplos de fake news, de que uma mentira, repetida milhares de vezes, ganha tons de verdade.
O Ministério das Relações Exteriores segue uma linha contínua de atuação que começa há 44 anos, no governo de Ernesto Geisel, general de Exército e terceiro chefe de Estado do regime militar de 1964. É uma prova evidente de que o preconceito e a desinformação andam juntos e são péssimos conselheiros. Tudo começou com uma simples pergunta, feita em tom de gozação, que assombrou os corredores do Itamaraty: “O que traz mais prestígio: ser porteiro do country clube ou o bamba da gafieira?”
Viés ideológico
Juracy Magalhães: "O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil"
Para o chanceler Juracy Magalhães, que assumiu a chancelaria em 16 de janeiro de 1966, nomeado pelo presidente (e general de exército) Humberto de Alencar Castello Branco, só havia uma resposta: ser o porteiro do country clube. Ele já deixara claro qual seria sua linha de atuação quando soltou uma pérola ao assumir a embaixada brasileira em Washington, em 1964: "O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil".
Era o raciocínio de um integrante ativo do Movimento Tenentista, que cumpriu missões espinhosas para o Estado Novo de Getúlio Vargas (foi interventor na Bahia) e que se retirou das atividades militares em 1956, com a patente de general de exército. Extremamente conservador, Juracy via os norte-americanos como campeões de democracia em um mundo claramente bipolarizado. Sua visão era maniqueísta: quem não seguia as determinações de Washington era cúmplice do Império do Mal (a expressão não existia na época) comandado pela União Soviética que queria espalhar o comunismo pelo mundo.
Essa política de submissão total ao Departamento de Estado norte-americano sobreviveu à passagem de Juracy pelo Itamaraty. José de Magalhães Pinto, banqueiro e político mineiro, e Mário Gibson Barbosa deram prosseguimento ao alinhamento automático com os Estados Unidos. O apoio incondicional dado às ações de manutenção do colonialismo português, à África do Sul e a Israel foram expressas em todos os votos brasileiros na Organização das Nações Unidas (ONU) até a eleição, pelo Colégio Eleitoral, do general Ernesto Geisel para a Presidência da República.
Ele tomou posse em 15 de março de 1974. Quatro dias depois, na primeira reunião de gabinete, lançou uma novidade: as relações com os outros países seriam construídas dentro do que ele classificou de “pragmatismo responsável.” Critérios como ideologia e a forma de governo seriam ignorados em prol de um incremento nas exportações agrícolas, industriais e de serviços.
Para implantar esta política, o novo chefe de Estado brasileiro escolheu um diplomata de carreira para o Itamaraty: Antonio Francisco Azeredo da Silveira, que, como embaixador junto à República Argentina, demonstrara especial capacidade diplomática ao desanuviar parte das relações críticas entre Brasília e Buenos Aires.
Iniciado o novo governo, cercado de diplomatas jovens, conhecidos como barbudinhos, o novo chanceler correu para assumir o controle da gafieira. Além da busca por novos mercados no terceiro mundo, o “pragmatismo responsável” procurava romper o bloqueio imposto pelos parceiros tradicionais, principalmente os Estados Unidos, para impedir o nosso acesso a tecnologias modernas, inclusive nas áreas espacial e nuclear.
Ações subversivas
Em 25 de abril, o Brasil foi o primeiro país a reconhecer o governo português, inicialmente ligado à esquerda radical, que pôs fim à ditadura salazarista de quase meio século. Era a aplicação de uma nova postura diplomática a favor de descolonização e à abertura para novos mercados,
Ainda em 1974, Azeredo da Silveira participou da comitiva presidencial que compareceu ao encontro com o presidente paraguaio em Foz do Iguaçu (PR) no mês de maio, para a posse da diretoria da Companhia Hidrelétrica de Itaipu, e foi delegado de outro encontro presidencial Brasil-Paraguai ocorrido em Campo Grande, atual capital de Mato Grosso do Sul. Nesse mesmo ano chefiou as delegações brasileiras à Reunião de Chanceleres Americanos em Washington, à 29ª Sessão da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova Iorque; à 15ª Sessão de Consulta de Ministros das Relações Exteriores do Continente, em Quito, no Equador, e à 4ª Assembleia Geral da OEA, em Atlanta, nos Estados Unidos.
O mundo vivia uma crise econômica desde que a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) decidira aumentar o preço do produto, tradicionalmente vilipendiado pelos consumidores. Em resposta, o Brasil estabeleceu relações diplomáticas com os Emirados Árabes, o Bahrein e com Omã.
A audácia de Silveira não parou por aí. Em 15 de agosto, estabeleceu relações diplomáticas com a República Popular da China quebrando os laços que mantinha com a República da China, na época conhecida como Formosa (hoje, é Taiwan). A medida causou uma crise interna no Brasil. O ministro do Exército, Silvio Frota, manifestou seu mal-estar diretamente a Geisel. "Não se abandona um velho aliado assim."
A partir deste momento, ele aplicou uma estrela vermelha imaginária no peito do presidente da República e no principal assessor palaciano, Golbery do Couto e Silva. Três anos depois, ele tentaria derrubar o governo. A manobra foi malsucedida e ele foi destituído do cargo. Frota contou sua versão no seu livro de memórias: Ideais Traídos: A mais grave crise dos governos militares narrada por um de seus protagonistas. Na obra, deixa claro seu inconformismo com as iniciativas do chanceler, que não pararam por aí.
É bem verdade que os Estados Unidos já tinham se aproximado de Pequim e que não havia razões econômicas que justificassem privilegiar os 20 milhões de habitantes de Formosa em detrimento de mais de um bilhão de pessoas sobre o controle de Beijing.
No dia 4 de setembro, ao receber o chanceler da Arábia Saudita, o Brasil se pronunciou pela primeira vez a favor da retirada de Israel dos territórios árabes ocupados e do reconhecimento dos direitos dos palestinos. Um ano depois, apoiaria a Resolução 3379 da Assembleia Geral das Nações Unidas, adotada em 10 de Novembro de 1975, que classificava o sionismo como uma forma de racismo.
Apostas de risco
A nova visão anticolonialista do Itamaraty ficou evidente em 18 de julho de 1974 quando o Brasil reconheceu a independência da Guiné Bissau e apoiou o ingresso da ex-colônia portuguesa na ONU. A 27 de fevereiro de 1975 o Brasil estabeleceu relações diplomáticas formais com o governo de transição instalado em Luanda, Angola, tendo sido o único país no mundo a ter um representante diplomático em Luanda durante este período.
O governo, desde que o país se emancipou de Portugal, foi exercido pelo Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), que controlava a capital, Luanda. O grupo, de orientação comunista, com o apoio de tropas cubanas, passou a combater outros grupos rivais (FNLA e Unita), apoiados pelo Ocidente e pela China, resistindo também aos ataques de tropas sul-africanas e congolesas. Em novembro, assumiu o controle de quase todo o país. No entanto, seriam necessários 27 anos para que a Unita, comandada por Jonas Savimbi, apoiado pelo Ocidente, fosse definitivamente derrotada.
O folclore do Itamaraty conta que, antes da decisão, Silveira se encontrou com o presidente Ernesto Geisel no Palácio do Planalto. O chefe de Estado perguntou se os integrantes do MPLA eram sérios. A resposta do chanceler arrancou risos do sisudo general:
"Dom Pedro I era sério? E José Bonifácio? E a Princesa Leopoldina?"
Ao comparar os novos líderes angolanos com os pais da independência brasileira, Azeredo da Silveira obteve a assinatura do presidente.
Uma notícia que, além de surpresa (dado o sigilo das negociações), causou um forte impacto tanto no Brasil como no exterior foi a revelação do chanceler brasileiro, no dia 29 de maio de 1975, em Cochabamba, na Bolívia, de que o Brasil iria futuramente construir seus próprios reatores nucleares.
No dia 27 do mês seguinte, Silveira assinou em Bonn, na então República Federal da Alemanha, o Acordo Nuclear Brasil-Alemanha, envolvendo operações financeiras em torno de 80 bilhões de cruzeiros. O acordo previa a construção e a instalação de oito centrais nucleares, de uma usina de enriquecimento de urânio e de empresas para fabricação e reprocessamento de combustível atômico e prospecção de minérios.
O acordo foi um tiro na água. O sistema de enriquecimento, conhecido como jet nozzle, era ineficiente e caro. Dos oito reatores, apenas um ficou pronto. A obra do segundo, localizado na usina de Angra 3, ainda continua. Apesar disto, a tecnologia de fabricação e de soldagem de metais especiais, obtida da Alemanha, permitiu que o Brasil avançasse no projeto, desenvolvimento e fabricação de ultracentrífugas e se tornasse autossuficiente na produção de combustível nuclear.
Desacordo
Durante o governo Geisel, as embaixadas brasileiras proliferaram em países do terceiro mundo. O ano de 1976 iniciou-se com a criação no dia 5 de janeiro de seis novas embaixadas na África: as de Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Guiné Equatorial, Alto Volta e Lesoto. Em entrevista concedida ao Jornal do Brasil em 12 de setembro de 1976, o chanceler Azeredo da Silveira reafirmou a determinação de seu ministério em seguir uma política anticolonialista e antirracista.
Em 27 de setembro, ao abrir a 31ª Sessão da Assembleia Geral da ONU, foi profético: exortou em seu discurso essa organização a atuar “em favor da transformação das estruturas econômicas responsáveis pela divisão do mundo em países pobres e ricos” e advertiu para o fato da “transferência de capital das áreas desenvolvidas para as menos desenvolvidas estar se tornando um mito, pois em breve passaria a correr em sentido oposto.”
Nesse discurso, o chanceler advogou “a abolição do uso irrestrito do direito de veto no Conselho de Segurança da ONU e a desestabilização da atual estrutura internacional para que se assegure aos Estados participação equitativa nas decisões que afetam seu futuro e o da humanidade”. Pouco antes, Azeredo da Silveira havia participado da Conferência Internacional de Apoio aos povos do Zimbábue, antiga Rodésia, e da Namíbia e da Conferência Mundial de Ação contra o apartheid, realizado em Lagos, na Nigéria.
Caneladas
Com a posse de Jimmy Carter na presidência dos Estados Unidos em janeiro de 1977, começaram os primeiros atritos entre o Brasil e o governo norte-americano. Em fins de janeiro, visitando Bonn, o vice-presidente americano, Walter Mondale, externou a posição de seu governo contrária ao acordo nuclear germano-brasileiro, colocando assim em xeque o memorando de entendimento assinado por Azeredo e Kissinger em fevereiro do ano anterior.
Esta atitude despertou reação negativa em Brasília, mas os Estados Unidos insistiram nesta posição. Em 7 de fevereiro, o secretário de Estado norte-americano Cyrus Vance sugeriu publicamente que o Brasil e a República Federal da Alemanha suspendessem temporariamente a execução do acordo nuclear para que os Estados Unidos tivessem tempo de fazer consultas mais amplas com os dois países. Dois dias depois o chanceler Silveira declarou à imprensa que o Brasil não via possibilidade de interromper ou suspender a execução do acordo.
Deteriorando-se o clima entre o Brasil e os Estados Unidos, em início de março foi lido no Congresso norte-americano um relatório sobre a situação dos direitos humanos em vários países, entre os quais o Brasil. O documento foi entregue pelo embaixador norte-americano ao governo brasileiro, que o devolveu em seguida e denunciou, em represália, o acordo de assistência militar Brasil-Estados Unidos, firmado em 1952, segundo o qual o Brasil deveria receber no decorrer de 1977, uma ajuda de cerca de 50 milhões de dólares. Como consequência, desenvolveu-se a Base Industrial de Defesa que conseguiu grandes exportações para a África, América Latina e o Oriente Médio.
Em meio à crise, o subsecretário de Estado Warren Christopher visitou Brasília para encontrar-se com o chanceler Azeredo da Silveira e discutir a questão do acordo nuclear. A visita, visivelmente frustrada, durou apenas quatro horas e o subsecretário, dando por encerradas as conversações, regressou a seu país.
A situação entre os dois países, no entanto, melhorou paulatinamente. De um lado, o governo brasileiro continuava, de forma “lenta e gradual”, o processo de democratização do país. De outro, o governo norte-americano desistia de pressionar contra o acordo nuclear. Em maio de 1977 o subsecretário Terence Todman visitou Brasília e, em junho, Rosalyn Carter, esposa do presidente americano, foi recebida pelo presidente Geisel. Na ocasião, além de conferenciar com o ministro Silveira, visitou o Congresso, o Supremo Tribunal Federal e, finalmente, Recife. Na capital pernambucana, ela se encontrou com o padre Lourenço Rosebaugh e o missionário Thomas Capuano, detidos pela Polícia Civil quando puxavam uma carroça cheia de restos de alimentos recolhidos em uma feira.
Eles foram torturados na Delegacia de Roubos e Furtos porque estavam mal trajados. Os agentes diziam que suas roupas não eram compatíveis com a situação social de ambos.
Amazônia
Confirmando a posição brasileira de relação preferencial com os países da América Latina, ainda em meados de maio de 1977, ao falar perante a Comissão de Relações Exteriores do Senado, Azeredo confirmou a existência de sondagens junto aos países vizinhos da Amazônia (Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Suriname, Guiana e Bolívia) “para uma ocupação harmoniosa da região”. Essa proposta representava uma medida de cautela contra a ideia de internacionalização da Amazônia, corrente na época. Estavam lançados os alicerces do Pacto Amazônico.
Azeredo da Silveira mostrou aos senadores o texto da carta que o governo brasileiro enviara às chancelarias dos países interessados e afirmou que, com exceção da Venezuela, que se mantinha silenciosa a respeito, os demais países haviam se manifestado positivamente. Em fevereiro de 1977, o governo venezuelano de Carlos Andrés Pérez apoiara a posição de Carter sobre a questão dos direitos humanos, manifestando-se, também, contra os riscos da proliferação nuclear na América Latina. Na ocasião, o Itamarati interpretou o pronunciamento como uma crítica e suspendeu uma visita do ministro das relações brasileiro a Caracas.
A reaproximação com a Venezuela teve início em dia 16 de novembro de 1977, do presidente venezuelano a Brasília. Nessa ocasião foi assinado um tratado de amizade e cooperação entre os dois países. No final do mês, a Venezuela enviou representantes para a primeira reunião preparatória do Pacto Amazônico, realizado em Brasília, à qual compareceram 26 diplomatas dos oito países interessados. Na ocasião ficou acertado que a segunda reunião também seria realizada em Brasília, no ano seguinte.
Tango
Com relação à Argentina, o chanceler Silveira não obteve grandes sucessos. Em julho, quando a Argentina fechou aos veículos de carga brasileiros o túnel das Cueva-Caravelas, que liga a Argentina ao Chile, o Brasil não tomou qualquer medida de retaliação, propondo ao governo argentino conversações bilaterais sobre todos os assuntos pendentes. Nesse mesmo mês, a convite do então ministro do Exército, o general Sylvio Frota, o chanceler Silveira fez para o Alto Comando, a portas fechadas, uma exposição sobre a política brasileira para com a Argentina. O projeto argentino de construção da hidrelétrica de Corpus, no rio Paraná, também deu margem a várias dificuldades diplomáticas entre os dois países, centradas nos problemas de sua compatibilização com o projeto de Itaipu.
A briga foi feia. A chancelaria argentina insistia na tese de que a construção da usina de Itaipu, acertada pelos governos do Brasil e Paraguai, rompia o compromisso firmado nos tratados anteriores de consulta a todos os países que compartilhassem a bacia hidrográfica do Paraná. Os argentinos também alegavam que Itaipu inviabilizaria a Usina Hidrelétrica de Corpus Christi, a ser localizada rio abaixo (e que nunca saiu do papel, diga-se de passagem).
A tese defendida pelo Brasil era a de que tudo dependia de acordos bilaterais entre as nações beneficiadas, como a própria Argentina demonstrara ao firmar o Tratado de Yaciretá-Apipé com Assunção, para construção de uma hidrelétrica de médio porte. As obras de Itaipu, inclusive, já estavam em curso e não seriam paradas para discutir uma questão que o Itamaraty considerava ultrapassada.
A chegada do embaixador Oscar Héctor Camilión a Brasília não colaborou para o processo de negociações. O diplomata tinha o hábito de usar a imprensa para dar recados ao governo brasileiro, o que irritava Azeredo da Silveira. As tensões só começaram a se reduzir depois de um encontro quase informal em Montevidéu entre o então ministro-chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), general de divisão João Batista de Figueiredo, e o secretário de Inteligência do Estado, general de divisão Carlos Alberto Martínez. Coube ao jornalista Carlos Conde, então credenciado pelo jornal Estado de São Paulo para cobrir o MRE, revelar a reunião.
O acordo tripartite sobre o uso da Bacia do Paraná só firmado em 1979, já na gestão do discreto chanceler Ramiro Saraiva Guerreiro. Figueiredo fora promovido de chefe do SNI para a Presidência da República, o que facilitou as negociações.
Na gafieira
O Itamaraty continuou a política de aproximação com países da África. Em julho, estabeleceu um convênio com a Secretaria de Planejamento da Presidência da República a fim de prestar cooperação técnica ao continente negro. No mês seguinte, ao receber o chanceler do Togo, Silveira voltou a destacar a “importância primordial” da região. Em novembro de 1977 o presidente do Senegal, Leopold Senghor, visitou o Brasil.
Sobre a política externa com a Ásia durante o ano de 1977, destaca-se o acordo assinado com a China, em Pequim, pelo qual ficaram oficializados os canais que iriam regularizar as operações de comércio entre os dois países.
As relações do Brasil com a América Latina em 1978 foram bem-sucedidas: em 25 de janeiro Geisel visitou o Uruguai, firmando na ocasião um documento sobre a exploração conjunta da Lagoa Mirim e, em julho, foi estabelecido em Brasília o Pacto Amazônico, oficialmente denominado Tratado de Cooperação Amazônica.
Em entrevista publicada pelo Jornal do Brasil de 24 de dezembro de 1978, Silveira defendeu a universalização do não-alinhamento automático, seguido pelo Itamaraty, citando o estabelecimento de relações diplomáticas com o Vietnã “como um passo a ser dado num futuro próximo.” Nesta entrevista expressou ainda a confiança de que o general Figueiredo, já eleito presidente, daria continuidade à política externa de Geisel.
Conclusão
A política externa traçada por Geisel foi seguida à risca por seus sucessores. Graças a ela, o Brasil ganhou espaço e passou a exportar seu soft power. Passamos a fornecer serviços e produtos industrializados em todos os continentes graças aos mecanismos de financiamento criados pelo BNDS, depois renomeado como BNDES. Este sistema permite que empresas nacionais adquiram materiais e equipamentos no Brasil para realizar trabalhos no exterior. Desta forma, gera-se emprego no mercado interno.
O fim do regime militar não significou o abandono das propostas que levavam ao favorecimento das relações sul-sul. Em 1991, o presidente José Sarney firmou o Tratado de Assunção, com os presidentes Raúl Alfonsín, da Argentina; Andrés Rodríguez, do Paraguai, e Luis Alberto Lacalle, do Uruguai.
Antes de Bolsonaro, Fernando Collor de Mello esboçou uma reação, malsucedida, diga-se de passagem, à proposta desenhada por Silveira e Geisel e tentou se aproximar da Europa e dos Estados Unidos. Abriu o mercado para bens estrangeiros, sem qualquer reciprocidade, com resultados desastrosos. Ao assumir a Presidência da República, Fernando Henrique Cardoso acentuou a aposta na gafieira e chegou a assinar um acordo para exploração de gás na Bolívia. Também ajudou a tirar o Tratado de Cooperação Amazônica e o Mercosul do papel. Também enfrentou a tentativa dos Estados Unidos de formar a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), uma proposta mal disfarçada para criar uma zona de exploração econômica monopolística que fazia poucas concessões aos países latinos.
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva, com Celso Amorim no Itamaraty, deu prosseguimento ao trabalho de Azeredo da Silveira e conseguiu dar ao Brasil uma presença global. A cooperação sul-sul ganhou novos contornos com a criação da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e o aprofundamento do BRICS, bloco informal que soma o Brasil, a Rússia, a Índia, a China e a África do Sul. O Mercosul se ampliou com a entrada da Venezuela (hoje suspensa) em 2012.
A reviravolta prometida por Bolsonaro inclui o fim do reconhecimento dos direitos do povo e do Estado palestinos; a transferência da embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém e o alinhamento automático com Washington. O futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, também promete colocar o Mercosul, hoje o segundo maior destino das exportações brasileiras, na geladeira para se aproximar dos Estados Unidos e da União Europeia. Ele ignora o fato de que ambos veem o Brasil como concorrente e se negam a fazer concessões nas áreas onde somos mais competitivos, como na agroindústria. Em suma, voltaremos a ser porteiros do country clube e sem garantia de que receberemos um salário digno pelo posto honroso, mas subalterno.
Pedro Paulo Rezende é jornalista especializado em assuntos militares.
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