Disputa eleitoral em 2018 marcou mudança na maneira de fazer campanha. A propaganda na TV perdeu relevância, e o discurso político migrou para a internet. Terreno fértil para a propagação de notícias falsas. As eleições de 2018 marcaram uma mudança drástica na maneira de fazer campanha política. A propaganda dos candidatos na televisão e no rádio perdeu relevância. O discurso político migrou para a internet. As campanhas também. A figura do marqueteiro ficou em segundo plano, em uma campanha onde a possibilidade de lives de 24 horas parecem ter contado mais que segundos de aparição na TV durante o horário eleitoral. Foi por meio das redes sociais delas que se realizou a campanha eleitoral mais curta e com menos recursos de todos os tempos – regras definidas assim pelo Tribunal Superior Eleitoral. Foi também através das redes que as chamadas "fakes News" se espalharam em uma velocidade jamais vista anteriormente no Brasil.
A campanha do candidato que lidera as pesquisas de intenção de voto desde que a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi indeferida pelo TSE soube aproveitar essa virada de chave. Jair Bolsonaro (PSL) usou e abusou das redes para se promover. A análise do conteúdo que circula em grupos públicos de Whatsapp, monitorados pelo projeto "Eleições sem Fake", contatou que grande parte deles foi criada para apoiar o ex-capitão e rechaçar oponentes.
A plataforma desenvolvida pelo departamento de Ciências da Computação da Universidade Federal de Minas Gerais abre uma fissura em uma das paredes do Whatsapp, onde as mensagens são criptografadas. Isso permite espiar que tipo de conteúdo, em áudio, vídeo, foto ou texto, circula em pelo menos 350 grupos públicos (acessíveis por meio de links de convite que são publicados em sites ou redes sociais) criados recentemente.
Oficialmente, o limite de participantes em grupos é limitado a 256. Tutoriais disponíveis no Youtube, entretanto, ensinam a burlar essa fronteira e adicionar até mil pessoas. Os grupos públicos monitorados são escolhidos ao acaso, a partir de uma varredura de links disponibilizados publicamente pelos próprios criadores para o ingresso nos mesmos.
A ideia do monitor nasceu na Alemanha em 2017, ano em que o professor do departamento de Ciência da Computação da Universidade Federal de Minas Gerais, Fabrício Benevenuto, atuou como pesquisador convidado na Sociedade Max Planck. A inspiração foram as eleições americanas, nas quais o resultado sofreu forte influência de mensagens que circulavam pelas redes sociais. Um protótipo surgiu durante a greve dos caminhoneiros, quando ações para o bloqueio de rodovias em todo o país foram coordenadas via grupos de Whatsapp.
"A gente vê uma organização maior pró-Bolsonaro, até porque há uma maior mobilização das pessoas em torno do candidato. Tem muitos grupos pró-Bolsonaro, cujo nome do grupo é o sobrenome do candidato, portanto fácil de identificar o propósito. Mas há também de Cabo Daciolo, Ciro Gomes, Fernando Haddad. No início do ano, tinha até grupo de Aécio Neves”, aponta o professor.
O monitoramento do que ocorre nos grupos públicos serve de termômetro para saber que tipo de informação desagua nos grupos privados. "É como abrir uma frestinha nesse espaço e dar uma olhada. O dono do grupo divulga a url no Facebook e, depois que atinge certa quantidade de pessoas, ele torna o grupo privado”, explica Benevenuto.
Por esse motivo, a quantidade de grupos monitorados varia. Na semana passada, o monitor rastreava a atividade em cerca de 250 grupos. Na quinta-feira (4/10), quando falou com a DW Brasil, o número de grupos havia saltado para 350, movimento provavelmente impulsionado pela reta final da campanha.
Um estudo mais detalhado que aponte a influência do Whatsapp na campanha será feito após as eleições, a partir dos dados coletados. Apesar disso, por ora, algumas conclusões já saltam aos olhos.
"O que percebemos é que há conexão entre os grupos públicos. As mesmas pessoas estão em dois ou mais grupos, o que faz com que as mensagens se espalhem entre grupos e possam parar no privado. A estrutura de conexão é semelhante a das redes sociais”, analisa o professor. As mensagens difundidas em grupos públicos migram para os privados, onde espiar não é possível.
O intuito do projeto não é checar os fatos, mas disponibilizar uma ferramenta para que se conheça o teor do que circula pelo Whatsapp e possibilitar que jornalistas identifiquem e apontem fake news.
Sobre a possibilidade de a criação dos grupos se tratar de uma ação coordenada de apoiadores de determinada candidatura, até mesmo com remuneração, Benevenuto aponta um dos fatores limitantes do projeto: "Não dá para dizer se são ativistas ou se há alguma campanha por trás da criação desses grupos".
No mundo todo, o Whatsapp conta com mais de 1,5 bilhão de usuários ativos. Os brasileiros somam mais de 120 milhões na plataforma, quase o mesmo número de perfis cadastrados no Facebook, que chegam a quase 130 milhões no país. A principal diferença entre o Facebook e o Whatsapp, além da instantaneidade, é a não interferência de um algoritmo que afeta o círculo de distribuição de uma mensagem. A informação circula de A para B à distância de um clique. A mesma lógica distributiva é observada no Twitter, onde todas as mensagens escritas pelo usuário são disponibilizadas na timeline dos seguidores sem filtros ou barreiras.
Até o momento, 25 processos tramitam ou tramitaram no Tribunal Superior Eleitoral envolvendo denúncias de fake news na campanha para presidente da República. O protocolo mais recente verificado pela reportagem da DW Brasil ocorreu na quinta-feira (4/10). O jurídico da coligação "O povo feliz de novo", que tem Haddad como cabeça de chapa, ingressou com petição pedindo a retirada imediata dos conteúdos ofensivos do ar e a garantia do direito de resposta.
O documento de 92 páginas enumera exemplos de fake news que circulam no Facebook e Twitter contra a campanha da coligação e envolvendo Haddad, sua vice Manuela D'Ávila (PC do B) e o ex-presidente Lula. A representação, no entanto, não alcança o conteúdo que circula no Whatsapp. As montagens de fotos, vídeos descontextualizados e informações mentirosas foram catalogados a partir de denúncias recebidas pelo Whatsapp da coligação. Segundo eles, em dois dias de coleta (o número para o recebimento de denúncias foi criado e divulgado em 2 de outubro), o canal recebeu 15 mil mensagens.
Dos processos ingressados no TSE, alguns tiveram a solicitação de remoção de conteúdo atendida. É o caso de uma das solicitações da campanha de Haddad. O ministro Sérgio Banhos determinou a remoção de um vídeo que afirma que o petista estaria envolvido na distribuição de mamadeiras com o bico no formato de um pênis. O ministro também determinou que o Facebook apresentasse, em até 48 horas, informações sobre o responsável do perfil que postou o conteúdo falso na rede social.
Fernanda Pugliero/Caminho Político
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