Candidato do PT não tem posições claras sobre os graves problemas da economia brasileira e muda suas teses de acordo com o interlocutor, escreve o colunista Alexander Busch. Encontrei Fernando Haddad várias vezes. Em 2015, nós, correspondentes estrangeiros, falamos com ele quando era prefeito de São Paulo. Ele explicou que, apesar da forte crise financeira, conseguiu reduzir o déficit orçamentário sem economizar em cultura e educação. Disse que contratou a Fundação Getúlio Vargas para que esmiuçar o seu orçamento. Sobre o escândalo em torno da Operação Lava Jato, que ganhava proporções cada vez maiores, disse claramente: é fato que a corrupção ocorreu quando nós, do PT, estávamos no governo. Disse que ele, como prefeito, combateria esses desvios com uma liderança transparente e que os brasileiros não estão condenados a viverem para sempre com a corrupção.
Haddad declarou que um prefeito não deve governar de olho nas pesquisas de popularidade. Um dos lados bons da política é poder iniciar tendências que a população só conseguiria reconhecer alguns anos mais tarde, disse o prefeito, que, ao longo das duas horas de conversa, soava cada vez mais como o professor de filosofia que ele de fato é.
Ele se referia às ciclovias e aos limites de velocidade, pelos quais seria, mais tarde, punido pela maioria dos paulistanos. Decisões como essas custam caro, mas se alguém governa apenas de olho nas pesquisas, é melhor nem assumir o mandato, afirmou.
Eu me surpreendi positivamente com sua eloquência e franqueza e o considerei um típico representante da elite esclarecida de São Paulo, a quem faltava a garra para um cargo tão difícil como o de prefeito. Um ano depois, ele foi rejeitado pelos eleitores, com apenas 17% dos votos, na sua tentativa de se reeleger. Pensei que ele iria retornar às suas atividades como professor universitário.
Na semana passada reencontrei Fernando Haddad. Dois dias antes, ele havia sido nomeado candidato pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que está preso e de quem era, até então, o vice na chapa. Em poucos dias, Haddad subiu para a segunda colocação nas pesquisas eleitorais, que colocam o populista de direita Jair Bolsonaro isolado na liderança.
O Haddad que falou com os correspondentes, desta vez, era outro. Ele começava quase todas as frases com "como Lula demonstrou", "como Lula disse". Questionado, respondeu que considera Lula uma personalidade que ainda pode fazer muito pelo país e que não acredita que o ex-presidente permaneça por muito tempo na cadeia. Como advogado, disse não estar convencido dos argumentos que levaram à condenação de Lula.
Como presidente, Haddad disse que pretende continuar do ponto onde, a seu ver, o bem-sucedido governo de Dilma Rousseff parou, em 2014. Vale lembrar: exatamente naquele ano, o Brasil caiu numa grave recessão, com orçamento altamente deficitário, juros básicos de 12% ao ano e uma inflação de dois dígitos. Tudo isso fez com que sobretudo os pobres, que haviam experimentado uma ascensão social durante o boom econômico dos anos anteriores, voltassem a cair socialmente.
Segundo Haddad, a culpa pela grave crise econômica não é de políticas equivocadas, mas da sabotagem feita pela oposição, que impediu o governo de governar. Ele disse considerar as preocupações com o elevado déficit público exageradas e fáceis de resolver. Basta se reunir com os governadores e prefeitos para cortar o deficit pela metade.
Haddad parece ignorar que o deficit no orçamento público acabou de fazer a Argentina despencar. Os investidores não estão mais convencidos de que o governo argentino conseguirá manter os gastos elevados sem se endividar. No Brasil, pelo mesmo motivo, o real perdeu um terço de seu valor desde o início do ano, e o risco de crédito subiu na mesma proporção. A falência do Estado é, segundo o candidato do PT, uma opinião econômica com viés ideológico.
Ele disse acreditar que os investidores retornariam por si sós se lhes forem apresentados planos credíveis e que pretende reverter as reformas no setor petrolífero, ou seja, retornar o monopólio da Petrobras na exploração de petróleo, assim como a garantia de produção e conteúdo local mínimo nas concessões estatais para o setor.
Mas foram justamente essas reformas que possibilitaram o retorno dos investimentos, depois de anos de paralisação no setor, e que o Brasil voltasse a elevar lentamente a sua produção – e isso apesar de a Petrobras, depois dos governos Lula e Dilma, ser apenas uma sombra do que já foi por causa da má gestão e da corrupção.
O tema corrupção, aliás, não foi mencionado uma única vez por Haddad.
Fiquei surpreso com a transformação de Haddad. Colegas me disseram que tudo não passa de retórica de campanha. E deve ser isso mesmo. Mas não seria a hora de um candidato – ainda mais um tecnicamente bem preparado como Haddad, que é advogado e economista – pôr os pingos nos is com os eleitores? Falar às claras. Que o Brasil necessita de reformas fundamentais no sistema previdenciário, na burocracia, no orçamento, porque do jeito que está não tem como continuar?
E esta semana? Parece que, seguindo conselhos de seus assessores, Haddad recuou. Nos últimos dias é a vez do Haddad que tenta agradar o mercado e os investidores. Ele disse que falou com o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, e que ambos entraram em acordo. Bancos que reduzem juros para empréstimos devem ser recompensados. Uma meta inflacionária é uma diretriz sensata para a política monetária. A exigência de que a fixação da taxa de juros leve em conta também o desemprego não foi mais mencionada. A equipe dele permite especulações sobre um futuro ministro das Finanças que agrade o mercado sem bloquear a discussão. Também a justificada crítica de Haddad aos juros elevados cobrados pelos bancos não está mais sendo repetida toda hora.
A questão é: qual Haddad passaria a governar a partir de 1º de janeiro? O professor racional, o ideólogo de esquerda ou o defensor da economia social de mercado?
Há mais de 25 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.
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