Demétrio Magnoli, em artigo* intitulado “Para onde vai a ´nova esquerda´?” busca refletir sobre os impasses do estado de bem estar social, tempo que, julgo eu, não retorna mais. Nessa rota ele afirma que “o nacionalismo é a trincheira da direita”, o que seria, para ele, “uma verdade óbvia.” Haveria hoje uma “nova esquerda” que cultua o Estado-nação, sendo a soberania nacional “a opção fundamentalista que interliga a direita a essa ´nova esquerda´ sem rumo.” Magnoli parte da crítica à formulação de Dani Rodrik, professor turco de Economia Política Internacional atuando em Harvard, que identificou um “trilema”, problema que só admite a conciliação entre dois de três objetivos, no caso, soberania nacional, democracia e hiperglobalização. Rodrik sugere uma solução que é a renúncia à hiperglobalização, criticada por Magnoli. O tema é importante e cheio de armadilhas, nas quais se enreda (não inconscientemente) o articulista, com vários senões na argumentação, desde significar democracia e globalização como se fossem neutros em termos de conteúdo, falar de Estado-nação e valoração do desenvolvimento das nações sem distinguir países entre países do centro do sistema e aqueles da semiperiferia ou em desenvolvimento, democracia tomada unilateralmente como o paradigma liberal ocidental. Ao cabo, não dá saídas aos impasses estruturais em que mergulhou o estado de bem estar social. A China é exemplo de defesa dos interesses nacionais, do papel do Estado e da globalização, sob democracia popular. O Ocidente – EUA e Europa –, por outro lado, o de globalização neoliberal e democracia liberal, às custas da soberania nacional das demais nações (e até mesmo de países da Europa!); a Europa segue na mesma esteira, malgrado seus países terem perdido vários graus de soberania e estarem sujeitos à política de austeridade, até recentemente encabeçada pelos ex-welfare state hoje social-liberais. Essas são as duas grandes abordagens rivais hoje. Outros países se exercitam em “governos fortes”, adeptos ou não da globalização. Repito o que já escrevi em outros artigos. A ideologia dominante no neoliberalismo é o cosmopolitismo, não o nacionalismo. Este surgiu em determinado contexto histórico longo, como forma ideológica apropriada a uma fase histórica específica das relações capitalistas de produção. O capitalismo monopolista de Estado trafegou para o capitalismo globalizado pleno, onde se realizam os lucros principalmente em base internacional, para obter ganhos de escala, deslocalizando a produção em procura de baixos custos do trabalho, onde o imperialismo não se baseia mais em conquistas territoriais, mas em sofisticadas formas de neocolonização. O que corresponde a isso é o cosmopolitismo das classes dominantes, aliança entre a elite capitalista e estratos médios antes “progressistas”, cimentados ideologicamente pela combinação de neoliberalismo e dos direitos civis referidos a categorias particulares, em termos rigorosamente interclassistas; tal aliança que substituiu o bloco social keynesiano. Nesse estado de coisas, não estamos assistindo ao enfraquecimento do Estado-nação, e sim ao fortalecimento do caráter de classe burguês do Estado; apesar da ideologia cosmopolita, o Estado nacional burguês não se eclipsa, se fortalece. De outra parte, o nacionalismo conservador, hoje, é reação aos diferenciais do desenvolvimento combinado e desigual do capitalismo e à polarização social criada em cada país, derivados dos impasses da globalização sob a hegemonia neoliberal por quase 40 anos. Mas o fascismo não é forma de governo ou de Estado adequados ao capital neste momento, malgrado algum apelo em eleições. O que se releva face à crise capitalista e barbárie neoliberal é que o desenvolvimento com autodeterminação é a grande bandeira deste tempo. Isso pode conviver com a globalização e com democracia popular – aliás a China demonstra isso e desmente a célebre e reacionária declaração de Thatcher: há sim alternativas ao neoliberalismo! Magnoli explora o ceticismo sobre a defesa da nação e do desenvolvimento soberano nos países em desenvolvimento. É verdade que tal ceticismo tem guarida em setores da esquerda tradicional e “nova” sob dois aspectos centrais: não interpretar bem as grandes contradições do tempo do neoliberalismo, que leva à neocolonização de regiões inteiras do planeta; e o ceticismo em relação ao próprio Estado, considerado como inimigo independentemente de seu caráter de classe e ignorado, muitas vezes, como terreno de disputa, ou seja, uma concepção despolitizada do Estado. Mas o Estado nacional soberano é fundamental. Por que não contar – e como não contar? – com a força de Estados nacionais sob direção de forças populares, para uma guerra de posição contra as principais forças da época, as do rentismo e imperialismo? A luta por autodeterminação, independência e soberania nacional para o desenvolvimento no caso dos países dependentes é inteiramente internacionalista do ponto de vista da luta pelo socialismo e compreende o fortalecimento do Estado nacional soberano. De fato, a esquerda anticapitalista precisa responder cabalmente “para onde vai” e em seu caminho há também a luta contra a neocolonização: a luta por projetos nacionais de desenvolvimento compartilhado, condição básica para atender o desenvolvimento da democracia e os direitos sociais e civis em torno de antigas e novas causas. A “nova esquerda” mais uma vez emerge, combinando globalismo e cultura baseada nos direitos da pessoa abstrata, em alternativa à centralidade do conflito entre capital e trabalho assalariado, com uma determinada apropriação do multiculturalismo que se fez dominante sob a égide dos EUA, rigorosamente interclassista. Projeto alternativo sistêmico e nação, para ela, nada significa. Mas as lutas de classes na sociedade estão mais vivas que nunca e abordá-las do ponto de vista dos trabalhadores e trabalhadoras é irrecusável se se quer, de fato, falar de “esquerda.” Uma das formas que se fez mais saliente com a hegemonia neoliberal, é a luta de classes nacional, pelo desenvolvimento soberano e autodeterminação, ligada aos conflitos de classes, à rivalidade entre os interesses imperialistas e por renovar a luta e os caminhos do socialismo. Essa é a mensagem da China neste momento e nada tem a ver com “nacionalismo”. Apesar dos argumentos de Magnoli, a esquerda precisa defender um projeto emancipatório de nação para emancipar também os trabalhadores e as trabalhadoras. Não há por que não o disputar com a direita xenófoba e anacrônica, com vistas a outros fins. Considere-se que está em curso um amplo esforço de formular, teórica e praticamente, uma nova luta pelo socialismo. A esquerda socialista reúne coragem e forças ideais para renovar seu arsenal. O mesmo não se pode dizer da experiência do welfare state: seus pregoeiros largaram as bandeiras pelo caminho, não logram superar o impasse estrutural que os levou à derrota e muitos deles, na Europa, se tornaram social-liberais. Alcançar o bem-estar social, no mundo de hoje, exige realmente uma revolução e ela se dá pela combinação de projetos nacionais de desenvolvimento sob a soberania democrática e popular, que significa que só a luta dos trabalhadores e trabalhadoras pode liderá-la. Será patriótica.
Vice-presidente do PCdoB.
Walter Sorrentino*, em seu blog
Foto: Marcelo Favaretti
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