Se confirmada em segunda instância, sentença tira justamente candidato favorito da disputa pelo Planalto e é por isso tachada de perseguição política pelos petistas. Moro deixa de lado acusações mais duras da denúncia.Mais de três anos depois do seu início, a Operação Lava Jato voltou a sacudir o mundo político e conseguiu um feito inédito na história brasileira: a condenação em processo legal de um ex-presidente da República. Nesta quarta-feira (12/07), após nove meses de suspense, o juiz Sergio Moro condenou Luiz Inácio Lula da Silva por corrupção e lavagem de dinheiro no caso envolvendo a suspeita de pagamento de propina pela empreiteira OAS – o famoso episódio do triplex no Guarujá. O presidente havia se tornado réu em setembro do ano passado.
As consequências legais do caso são, por enquanto, ainda limitadas, já que o ex-presidente vai poder recorrer em liberdade. Mas os efeitos políticos são imediatos. Lula é pré-candidato à Presidência da República nas eleições de 2018.
Caso a condenação seja confirmada em segunda instância nos próximos meses, o petista corre o risco de se tornar "ficha suja" e ficar de fora do pleito, alterando profundamente os cálculos políticos da sucessão do presidente Michel Temer. Pela primeira vez em semanas, o episódio também passa para segundo plano do noticiário as dificuldades do atual governo, também atingido pela Lava Jato.
Para a operação, a sentença também é um terreno delicado, já que se trata da primeira condenação de uma figura política que conserva uma base de apoio relativamente ampla e uma militância partidária fiel e ativa. Não é a condenação de algum ex-diretor da Petrobras ou de algum ex-deputado caído em desgraça – pesquisas apontam que Lula tem pelo menos 30% das intenções de voto para presidente.
Narrativa da perseguição política
Ao contrário de outros condenados, o ex-presidente não deve apenas concentrar sua defesa e contrariedade com a decisão apenas nos tribunais. Um ensaio do que os petistas podem fazer pelos próximos meses já foi montado à época do depoimento de Lula a Moro, em maio deste ano, quando milhares de militantes se dirigiram a Curitiba para apoiar o ex-presidente. Já nesta quarta-feira estão sendo esperados atos de militantes nas ruas.
Para os apoiadores de Lula, o episódio deve reforçar a narrativa de que o petista é vítima de perseguição política. O PT já deixou claro que deve insistir na candidatura de Lula, apesar de seus problemas na Justiça, que vão além da condenação desta quarta-feira. Recentemente, o partido elegeu como presidente uma ré na Lava Jato, a senadora Gleisi Hoffmann, que adotou uma linguagem agressiva contra a Justiça, demonstrando que não deve desistir da sua tática de enfrentamento com a operação, apesar da popularidade de que ela desfruta entre os brasileiros.
A condenação também teve efeitos no mercado. Após o anúncio, a cotação do dólar caiu, e o índice Ibovespa disparou, escancarando que investidores estão interessados em ver o petista, que agora se posiciona contra as reformas econômicas do governo Temer, fora do próximo pleito presidencial.
Pelo lado pessoal, a sentença é mais um abalo na imagem de estadista que o ex-presidente tentou cultivar após deixar a Presidência. Em vez de colher os louros de um antigo governo bem-sucedido no aspecto econômico e social, o ex-operário passou os últimos dois anos se defendendo de suspeitas de corrupção e ligação com empreiteiras. No ano passado, já havia se tornando um réu. Agora, passa a ser um condenado que tenta reverter sua sentença. "No longo prazo, acusações como essa mancham a trajetória política de Lula", afirmou o cientista político David Fleischer, da UnB.
Tratamento especial?
As primeiras suspeitas sobre o envolvimento de Lula e seu antigo governo com a corrupção na Petrobras surgiram ainda em 2014. Já o episódio do triplex surgiu na segunda metade de 2015. Desde então, o ex-presidente adotou o discurso de vítima e disse sofrer de perseguição política. Tanto ele quanto seu partido também levantaram acusações contra Moro.
Os embates entre o ex-presidente e o magistrado vem marcando a "relação" entre os dois. Foi Moro que torpedeou a nomeação de Lula como ministro da ex-presidente Dilma Rousseff em março de 2016, ao divulgar escutas telefônicas entre o petista e a então presidente, um episódio determinante para a derrubada do antigo governo. O juiz também autorizou semanas antes a condução coercitiva de Lula pela Polícia Federal. As críticas às duas ações de Moro não foram limitadas à militância, sendo ouvidas também no meio jurídico.
Na condenação de Lula, no entanto, o juiz parece ter adotado certa prudência. Apesar do entendimento de que as condenações em regime fechado possam levar à prisão apenas após a confirmação em segunda instância, Moro tinha o poder de determinar a detenção temporária do ex-presidente. Na sentença divulgada nesta quarta-feira, ele elencou uma série de acusações, como destruição de provas, e disse que elas poderiam justificar uma ordem de prisão preventiva. Só que o próprio Moro admitiu que a prisão de um ex-presidente merece ser tratada de modo especial.
"Considerando que a prisão cautelar de um ex-presidente da República não deixa de envolver certos traumas, a prudência recomenda que se aguarde o julgamento pela Corte de Apelação antes de se extrair as consequências próprias da condenação", concluiu o juiz na sentença.
Os efeitos legais
Não há prazo para que a apreciação da condenação de Lula seja analisada por uma instância superior. No caso dos processos da Lava Jato na Justiça Federal do Paraná, onde Moro despacha, as sentenças são reavaliadas pelo Tribunal Regional Federal da 4º Região, com sede em Porto Alegre. Nos últimos meses, o tribunal vem perdendo a sua antiga agilidade e agora tem demorado em média 15 meses para analisar os casos da Lava Jato. Dessa forma, uma nova decisão sairia em outubro do ano que vem, em pleno segundo turno da campanha presidencial, ou seja, tarde demais para impedir que o ex-presidente registre a candidatura.
Também existe a possibilidade de Lula ser absolvido pelo TRF. Dados do tribunal mostram que os juízes da segunda instância absolveram 30% dos condenados pelo magistrado. O caso mais recente é o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, que foi absolvido em junho. Na sua sentença desta quarta-feira, Moro já absolveu Lula da acusação de corrupção e lavagem de dinheiro no caso do armazenamento de bens do seu acervo presidencial, cuja conta havia sido bancada pela OAS.
Na sua sentença, Moro também evitou confirmar as acusações mais duras da denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal (MPF), que havia imputado a Lula o papel de "comandante" de um esquema criminoso de perpetuação no poder. Em sua decisão, Moro apontou apenas que o petista tinha "papel relevante no esquema criminoso". Antes mesmo da condenação, juristas já haviam apontando estranhamento com o fato de o MPF apontar Lula como "chefe de uma quadrilha" mas ao mesmo tempo ter evitado denunciá-lo por participação em organização criminosa.
Para que Lula cumpra pena em regime fechado, o TRF teria que confirmar a sentença ou estabelecer uma nova pena que seja superior a oito anos de prisão.
Ineditismo
Lula não foi o primeiro ex-presidente que enfrentou problemas legais, mas é o primeiro a enfrentar uma sentença desfavorável na Justiça e que corre o risco de cumprir pena em regime fechado. Antes dele, o ex-presidente Fernando Collor, ainda no poder, mas já afastado, enfrentou um julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por suspeita de corrupção. Ele foi absolvido em 1994 por falta de provas. Ex-presidentes da República Velha, como Artur Bernardes e Hermes da Fonseca, chegaram a ser detidos após deixarem o poder, mas os casos ocorreram em circunstâncias excepcionais – Hermes, por exemplo, foi acusado de apoiar uma revolta militar – e eles não chegaram a ser condenados em ações judiciais.
Autoria Jean-Philip Struck/dw/cp
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