Libertação de mais 82 meninas de Chibok é uma notícia que merece ser celebrada, mas ela evidencia também que o Boko Haram está longe de ter sido derrotado, opina o chefe da redação hauçá da DW, Thomas Mösch. Ao todo, mais da metade das 270 estudantes que foram raptadas há três anos em Chibok estão de novo livres, depois da libertação de mais 82 delas, no sábado passado (06/05). Isso é, de fato, motivo para contentamento e uma grande conquista para o governo do presidente nigeriano, Muhammadu Buhari. Segundo a campanha Bring Back Our Girls, há ainda 113 meninas de Chibok desaparecidas.
Buhari aparentemente não pôde nem quis fazer uso da força militar para tentar libertá-las e, em vez disso, buscou apoio da Cruz Vermelha e do governo da Suíça. A libertação das meninas lhe era tão importante que ele aceitou até mesmo negociar com os terroristas, garantindo também a eles, indiretamente, um sucesso: vários combatentes que estavam presos foram libertados em troca das meninas.
É nesse ponto que a alegria pela libertação deixa um gosto ruim: pois as negociações e o acerto mostram que o Boko Haram não está de forma alguma derrotado, como os militares nigerianos há meses querem fazer acreditar. Ao menos aquela parte do grupo terrorista que mantém as meninas detidas está aparentemente em condições de impedir um ataque dos militares para libertá-las.
Além disso, as circunstâncias da libertação mostram que a notoriedade das meninas é, ao mesmo tempo, benção e maldição. Campanhas nacionais e internacionais transformaram o rapto em Chibok, em 2014, num símbolo do fracasso do então governo da Nigéria e desviaram os olhares do mundo para o conflito no nordeste da Nigéria, que até então recebia pouca atenção internacional.
Enquanto o rapto de centenas de outras meninas e mulheres quase não chamava a atenção, as meninas de Chibok se tornavam tão valiosas que nem os terroristas nem o governo queriam arriscar a vida delas. Para os sequestradores, elas viraram um seguro de vida, pois ninguém iria se responsabilizar por um ataque no qual poderiam morrer também meninas de Chibok. Representantes do governo e dos militares reconheceram isso, mais de uma vez.
Além disso, a notoriedade delas virou uma maldição para elas mesmas, ao menos para as 21 que, no ano passado, foram libertadas numa ação semelhante. Elas não puderam retornar às suas vilas porque o governo temia que terroristas pudessem voltar a sequestrá-las por causa de sua fama.
E o que acontece agora? Os canais de negociação, que evidentemente existem, também podem ser usados para negociar um fim para o terrorismo? Os militares fizeram o que se esperava deles: o Boko Haram foi obrigado a recuar amplamente, apesar de ainda conseguir fazer ataques pontuais e, com isso, manter uma região inteira insegura.
É chegada a hora de combater a origem do terrorismo. Ele se origina, em parte, na pobreza extrema, mesmo para padrões nigerianos, no nordeste do país. A comunidade internacional pode ajudar apoiando as poucas personalidades nigerianas que realmente se empenham no combate à pobreza e na reconstrução do debilitado sistema educacional do país.
Mas pressão política também se faz necessária. A violência excessiva que os militares e a polícia usaram nos primeiros anos do Boko Haram, quando ele ainda era um grupo extremista pequeno, contribuiu decisivamente para a sua radicalização. Buhari prometeu que, no seu governo, as forças de segurança vão respeitar os direitos humanos. Avanços existem, mas a brutal ação contra a minoria xiita, no fim de 2015, é só um exemplo de que Buhari e sua equipe ainda têm muito por fazer.
O mesmo vale para a luta contra a corrupção, na qual Buhari está de fato interessado. Mas notícias sobre o desvio de recursos destinados à ajuda humanitária – e que deveriam favorecer justamente as vítimas do Boko Haram – mostram que ainda há muito por fazer nessa área.
Thomas Mösch é chefe da redação hauçá da DW
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