"Opinião: Trump declarou guerra à imprensa"

Ines Pohl é correspondente da DW em WashingtonPrimeira entrevista coletiva de Donald Trump como presidente eleito dos EUA não foi um evento de mídia, mas uma clara amostra de como ele pretende lidar com jornalistas críticos, opina a correspondente Ines Pohl. Quanto mais confusa for uma situação, tanto mais importante é dar um passo atrás para que o essencial não se perca dos olhos. Nesta quarta-feira (11/01), o futuro presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, concedeu a sua primeira entrevista coletiva à imprensa nessa função.
Numa democracia, a liberdade de imprensa é um bem valioso, já que os jornalistas, representando os cidadãos de um país, observam as atividades dos governantes. Por um lado, através de suas pesquisas investigativas. Pelo outro, por meio de seu persistente questionamento, como, por exemplo, em coletivas de imprensa.A entrevista coletiva concedida por Trump foi anunciada há muito tempo e adiada várias vezes. Basicamente, ela deveria girar em torno de como o milionário pretende assegurar que não vai usar seu poder presidencial para favorecer seus interesses comerciais particulares. No caso de Trump, essa não é uma pergunta banal, já que ele, por exemplo, lucra quando políticos e grupos de lobistas se hospedam em seus hotéis. Também em relação a seus negócios pelo mundo, muitos estão preocupados que o futuro presidente misture acordos políticos e privados – se não diretamente, então de forma indireta, já que no futuro ele vai dispor de informações que lhe darão uma clara vantagem em relação a seus concorrentes.
Pouco antes do evento, uma bomba explodiu quando diversas mídias, incluindo a emissora CNN, anunciaram que o serviço de inteligência russo tinha um material que iria comprometeria o futuro homem mais poderoso do mundo tanto na esfera privada como na pública. Segundo tais mídias, essas informações foram enviadas aos serviços secretos americanos e agora, poucos dias antes da posse, tornaram-se públicas. Trump reagiu prontamente. Acusou os jornalistas de mentirosos e comparou a suposta atuação dos serviços americanos de inteligência com as maquinações na Alemanha nazista. Para tal, ele utilizou, como de costume, o serviço de internet Twitter.
Isso é uma afronta. E reflete a situação ameaçadora em que atualmente se encontra a sociedade americana.
A relação entre políticos de primeiro escalão e imprensa é complicada por natureza. Muitas vezes, os interesses são muito divergentes. No caso de Barack Obama também não foi diferente. Na história recente, nenhum outro presidente se colocou menos à disposição para responder as perguntas da imprensa do que Obama. Na campanha eleitoral passada, essa relação foi tão envenenada que agora está corroendo os fundamentos do país. Isso tem muito que ver com o estilo agressivo de Trump e com o fato de ele ter utilizado as novas mídias para espalhar mentiras. Por exemplo, sobre a sua carga tributária pessoal ou sobre o suposto enfraquecimento da economia americana.
Ainda mais perigoso, no entanto, é a desconfiança fundamental no trabalho dos jornalistas, semeada por Trump. Não importa se um relato crítico é bem fundamentado, ele simplesmente é descartado como notícia falsa. Assim, um acompanhamento crítico do trabalho do governo não se torna mais possível. O que não se encaixa na visão do mundo é rejeitado como mentira.
Isso não se aplica somente ao entorno de Trump. Muitas vezes, a ala oposta também está mais do que disposta a acreditar e a espalhar, sem comprovação, notícias críticas a Trump. A acusação de que há reportagens tendenciosas em meios de comunicação liberais nem sempre está errada!
Nesta quarta-feira, Trump mostrou claramente ao mundo como ele irá lidar com jornalistas críticos. Ele recusou conceder uma pergunta a um repórter da CNN porque a emissora teria difundido notícias falsas. Perguntas difíceis de colegas de outros meios de comunicação foram tratadas com malícia, não houve respostas às questões realmente importantes, somente novas promessas vagas, como, por exemplo, que em breve haverá um seguro de saúde totalmente novo, que o chamado Obamacare vai ser abolido e que será construído um muro a ser pago, algum dia, pelo México.
Em declaração lida por uma de suas advogadas, Trump explicou como ele pretende, no futuro, separar os interesses políticos e pessoais: ele vai transferir os seus negócios para os filhos e se manter afastado até o fim de seu mandato. Perguntas sobre esse tema também não foram permitidas. No entanto, Trump se expressou, com a costumeira precisão, sobre os seus méritos, indo até o ponto de afirmar que seria o maior criador de postos de trabalho que Deus já pôs sobre a face da Terra.
Esse evento não foi o que se pode chamar de coletiva de imprensa, mas uma amostra de como o futuro presidente pretende lidar com jornalistas críticos. "Você está demitido", foi a última frase de Trump. Dita como piada em direção a seus filhos, se eles não conduzirem os negócios do milionário de forma lucrativa. Nenhum dos jornalistas presentes achou graça.

Ines Pohl é correspondente da DW em Washington

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