"Debatedores divergem sobre ação do Ministério Público em acordos de leniência"

A participação do Ministério Público em todas as fases da celebração do acordo de leniência com empresas acusadas de formação de cartel ou outros crimes foi motivo de divergência entre os participantes de audiência pública da comissão mista que analisa a Medida Provisória (MP) 703/15.
A MP, editada em dezembro do ano passado, modifica a Lei Anticorrupção (12.846/13) para facilitar a formalização dos acordos e reduzir as penas impostas às empresas que colaborarem com a Justiça e ressarcirem os cofres públicos.
Além disso, a medida prevê que o Ministério Público e os tribunais de contas só entrem no caso, para fiscalizar os acordos, depois de iniciadas as negociações (veja quadro).
O senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), autor de um projeto (PLS 105/15) que exige a homologação dos acordos de leniência pelo Ministério Público para terem validade, disse que essa obrigação foi incluída no projeto sobre leniência aprovado ano passado pelo Senado e em discussão por uma comissão especial da Câmara (PL 3636/15), mas desapareceu na medida provisória – editada em dezembro depois que a oposição obstruiu a votação do projeto na Câmara.
“Houve um avanço na lei aprovada no Senado, mas, na medida provisória, o Ministério Público será apenas informado sobre o acordo. No projeto em análise na Câmara, o acordo fica condicionado à presença do Ministério Público”, disse o senador.
Homologação explícita
O subprocurador-geral da República Nicolao Dino defendeu que a medida provisória deixe explícita a necessidade de os acordos de leniência serem homologados pelo Ministério Público.

“Não há segurança jurídica para a empresa que celebra o acordo, por isso é importante o MP participar do acordo. Isso está no projeto aprovado no Senado. Isso tem que constar na medida provisória para que os efeitos do acordo efetivamente se estendam a outras fases do processo”, disse.
O promotor de Justiça Roberto Livianu, de São Paulo, seguiu na mesma linha. Segundo ele, ao não obrigar a chancela do Ministério Público sobre o acordo, a medida causa insegurança jurídica. “Qual a segurança jurídica de um acordo que o MP não homologou?”, perguntou.
Segundo ele, os acordos celebrados pelos órgãos de controle interno podem ser questionados juridicamente depois de celebrados.
Tira poderes do TCU
Para o secretário de Fiscalização de Obras para a Área de Energia do Tribunal de Contas da União (TCU), Rafael Jardim Cavalcante, a medida tira poderes do TCU e do Congresso Nacional ao prever que órgãos de controle interno do governo federal, estados e municípios celebrem os acordos com as empresas.

Ele sugeriu mudanças na proposta. A MP prevê a suspensão e arquivamento dos processos administrativos referentes a licitações e contratos em curso em outros órgãos ou entidades que versem sobre o mesmo objeto do acordo de leniência.
“É preciso deixar claro que a suspensão e o arquivamento dos processos só podem se dar em caso de cumprimento integral das obrigações assumidas pela pessoa jurídica”, disse.
Defesa
O relator da medida provisória, deputado Paulo Teixeira (PT-SP), defendeu a proposta e disse que ela não tira poderes do Ministério Público em relação ao que está estabelecido pela Lei Anticorrupção. “Na medida provisória, o Tribunal de Contas da União e o Ministério Público permanecem com o mesmo status. Parece que o Ministério Público quer ampliar sua competência na lei de leniência”, disse o deputado.

Para o relator, vários órgãos diferentes podem inviabilizar os acordos.
Carlos Higino Ribeiro de Alencar, secretário executivo da Controladoria Geral da União (CGU), também defendeu a MP. “Na Lei Anticorrupção, o Ministério Público não aparecia de forma expressa como autor do acordo. Isso está mais explícito no PL 3636, mas a medida provisória diz que isso pode acontecer desde o início das negociações”, disse.
Quem também defendeu a medida provisória foi o advogado Gilson Dipp, ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ). “Quem tem o controle do acordo de leniência é a Controladoria Geral da União, um órgão de Estado e não de governo. A CGU não está submetida a pressões, e o MP e o TCU podem participar da negociação a critério da Controladoria”, disse.
O ex-ministro rebateu as críticas do Ministério Público em relação à possibilidade de mais de uma empresa obter benefícios a partir do acordo de leniência. “Essa premissa é válida para cartéis, mas a lei trata de danos ao poder público”, disse.
Dipp defendeu a medida provisória como maneira de garantir o ressarcimento aos cofres públicos dos danos causados pelas empresas. Segundo ele, hoje as penalidades são muitas vezes impraticáveis. “Penalizar não é decretar pena de morte para as empresas. A MP visa diminuir o impacto da reparação das penas e deixar mais palatável para as empresas”, disse.
Oposição
O ponto de vista foi rebatido por outro convidado da audiência pública, o professor Heleno Torres, do Departamento de Direito Econômico, Financeiro e Tributário, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

“Não se pode admitir indenização abaixo do dano apurado. Vai quebrar a empresa? Que se quebre a empresa, porque o dano causado foi por ação da empresa. O dano não pode ser negociado”, disse.
A oposição promete votar contra a proposta e obstruir a votação da medida provisória. Segundo o deputado Bruno Covas (PSDB-SP), a MP protege as empresas corruptas. “Estamos fazendo uma legislação nacional ou legislando para beneficiar as empresas implicadas na Lava Jato?”, perguntou.
A MP 703/15 tem que ser votada pela Câmara e pelo Senado até o dia 29 de maio para não perder a validade.
 Reportagem - Antonio Vital
Edição - Newton Araújo

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