Mas agora, ao ter seu nome envolvido no que as autoridades acreditam ser um possível episódio de troca benesses – que incluiriam um elevador privativo no tríplex – por contratos com o Governo, a reputação do líder petista sentiu o abalo. Vale lembrar que todos os ex-presidentes, de José Sarney a Lula, passando pelo tucano Fernando Henrique Cardoso, e políticos de modo geral, são frequentemente cortejados com presentes, favores e agrados por parte do empresariado, em relações que muitas vezes se encontram na fronteira entre o imoral e o ilegal. "Não basta parecer sério, é preciso ser sério", diz o provérbio atribuído ao imperador romano Júlio César, referindo-se à sua ex-esposa Pompeia.
Se no passado outros políticos brasileiros tiveram 'agrados' questionados, agora é Lula quem está no centro das atenções, justamente quando sua sucessora está no poder, e quando seu partido tem declarado interesse nas eleições de 2018. Por isso, cabe a ele justificar que o que parece ser não é exatamente. Nos últimos dias a seriedade do ex-presidente foi posta à prova com a divulgação de um ofício do delegado da Polícia Federal Marlon Cajado, responsável pela Zelotes, no qual ele confirma a existência de um inquérito para apurar se o ex-presidente e outras pessoas participaram do esquema investigado ou se foram vítimas do mesmo. Assim, Lula entrou de vez nas duas operações da Polícia Federal: seu nome começou a ser atrelado à Lava Jato e já é investigado na Zelotes.
O reflexo da crise na imagem do petista se traduz em números. Pesquisa do instituto Ipsos divulgada nesta semana apontou que apenas 25% dos entrevistados consideram que o petista é honesto. Durante o escândalo do mensalão eram, 49% acreditavam na idoneidade do líder. E não é só: 68% das pessoas acham que Lula não tem moral para falar de ética, (ante 57% em 2005), e 67% disseram que a Lava Jato mostra que o ex-presidente é tão corrupto quanto outros políticos (no mensalão 49% tinham essa percepção). Soma-se a isso a péssima avaliação do Governo de Dilma Rousseff, o naufrágio ainda sem socorro da economia brasileira e a expectativa de mais um ano de martírio na relação do PT com o Congresso – sem contar o surto de doenças com o zika vírus –, e têm-se os ingredientes que podem jogar vinagre nas aspirações do ex-sindicalista de subir, pela terceira vez, a rampa do Palácio do Planalto.
Os números são influenciados fortemente pelo bombardeio sofrido pelo ex-presidente na imprensa, que colocou sob escrutínio seu patrimônio – e de seus amigos. Alguns veículos fizeram até mesmo o levantamento de quantas vezes Lula esteve no sítio de Atibaia (111 vezes), filmagens aéreas da região, e o cálculo do tamanho da propriedade: 173.000 metros quadrados ou 24 campos de futebol, como repetem diariamente os noticiários. É aí que mora o perigo, segundo alguns analistas. O brasileiro simples pode se perder dentro das notícias que falam sobre desvios de 100.000 reais ou 100 milhões. Mas ele entende perfeitamente a figura de linguagem que chegou agora para falar sobre as posses do ex-líder sindical. Ou sobre uma cozinha planejada adquirida para o triplex no Guarujá, pago por uma construtora.
“Quando você fala que o mensalão desviou milhões, bilhões, de reais, ou menciona compra de apoio parlamentar, isso não quer dizer nada para o ‘brasileiro médio”, diz Ricardo Caldas, da Universidade de Brasília. “Agora quando você fala em elevador privativo e reformas no sítio pagas por empreiteiras, isso choca demais a população, que passa a ver o Lula como uma farsa. As pessoas tendem a se questionar: ‘esse era o presidente pai dos pobres?”. Segundo ele, nesse cenário o valor envolvido na reforma, por exemplo, não é o fundamental para provocar o desgaste da imagem do petista, mas sim a questão dos valores e da ética.
A vantagem que Lula sempre teve em relação a seus rivais desde que foi eleito em 2003, que é justamente o imaginário popular sobre o homem que saiu da pobreza para olhar pelos menos favorecidos, entra em curto-circuito neste momento em que o juiz Sergio Moro foi elevado a categoria de herói nacional. Vale lembrar, de qualquer forma, que o Guarujá é hoje uma praia de classe média mas está longe dos circuitos dos milionários, assim como a cidade de Atibaia, a uma hora da capital paulista.
A polícia investiga se o sítio seria efetivamente de Lula, embora esteja em nome de amigos, o que caracterizaria ocultação de propriedade. Para aliados do ex-presidente, que saiu do poder com 80% de aprovação, essa leitura é absurda. Em entrevista ao jornal O Globo,o prefeito de São Bernardo, Luiz Marinho, diz que qualquer pessoa poderia comprar um sítio ou casa na praia e emprestar a alguém. “Vamos imaginar que eu tenho uma casa na praia e disponibilize para você usar todo final de semana, alguém tem alguma coisa ver com isso? É o caso do sítio”, afirmou. “O problema é que não estão atrás da verdade. Estão atrás de encontrar um jeito de mostrar que o Lula está envolvido na Lava-Jato”, completou Marinho.
Se real ou apenas perseguição política, o fato é que já há quem duvide que o ex-presidente chegue com fôlego de concorrer à eleição em 2018. A empresa de consultoria política e de risco Eurasia Group, que costuma ser ponderada em suas avaliações políticas sobre o Brasil – nunca encampou a tese do impeachment de Dilma, por exemplo – chegou a cravar em um relatório que “Lula está fora da corrida presidencial de 2018”. Para justificar a análise, cita um estudo segundo o qual as chances de um presidente emplacar sucessor quando sua popularidade é menor do que 40% gira em torno de 6%. “A aprovação de Dilma gira em torno de 10% a 15%”, diz o relatório. Soma-se a isso “a profundidade com que o escândalo da Lava Jato já rebaixou Lula aos olhos de 70% da população”.
Caldas, da Universidade de Brasília, hesita em tirar Lula do páreo em 2018, em todo caso. “Prova disso é o mensalão. Todos davam ele como acabado em 2004, e no entanto em 2006 ele se reergueu e foi reeleito”, afirma o professor, que, no entanto, vê diferenças no tipo de escândalo que resvala no ex-presidente agora. O único cenário no qual o cientista político vê o fim das pretensões presidenciais do petista é caso ele seja condenado na Justiça.
O analista político Thiago de Aragão, da Arko Advice, concorda com a avaliação de Caldas. “É complicado colocá-lo como carta fora do baralho faltando dois anos para as eleições, principalmente no Brasil, onde a população tem uma enorme capacidade de perdão e esquecimento”, afirma. No entanto, ele faz uma ressalva com relação à diferença nos momentos econômicos vividos no país à época do mensalão e agora: “Quanto mais a economia cresce, mais a sociedade é tolerante com a política, e o contrário também é verdade. Os anos do mensalão foram de esperança, foi um momento positivo para a economia nacional”. Hoje, com a atual crise econômica e o aumento do desemprego, Aragão diz existir uma parcela da população que relaciona o “o petrolão com a crise”. “Um indivíduo que acabou de perder o emprego e está em casa assistindo TV vê uma reportagem com os números dos desvios na Petrobras, e faz essa associação. E no final, tudo isso é canalizado para o Lula e o PT”.
Até o momento o ex-presidente prestou depoimento no âmbito da operação Zelotes, que investiga a compra de Medidas Provisórias durante seu Governo e a venda de sentenças no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. No entanto até o final do mês ele e sua mulher, Marisa Letícia, devem depor na condição de investigados. Para o Instituto Lula, "fracassaram todas as tentativas de envolver o nome do ex-presidente no processo da Lava Jato, apesar das expectativas criadas pela imprensa, pela oposição e por alguns agentes públicos partidarizados, ao longo dos últimos dois anos".
De acordo com a nota, tentativas do mesmo gênero feitas no âmbito da Zelotes também devem fracassar. Não há nenhum elemento que justifique a mudança do tratamento. Sobre o inquérito que irá apurar eventuais responsabilidades de Lula no caso de vendas de MPs, o advogado do ex-presidente, Cristiano Zanin Martins, afirmou que o petista "foi ouvido no dia 6 de janeiro na condição de informante, sem a possibilidade de fazer uso das garantias constitucionais próprias dos investigados", e que "não há nenhum elemento que justifique a mudança do tratamento [de tratá-lo como investigado]".
Gil Alessi
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