Conferência define diretrizes da política indigenista e firma pacto com Estado brasileiro; indígenas destacam que ainda faltam ações concretas do governo para reconquistar a confiança dos povos.
Sônia Guajajara fala diante da plenário final no último dia da 1ª Conferência Nacional de Política Indigenista (© Alan Azevedo / Greenpeace)
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Conferência Nacional de Política Indigenista, em Brasília, simbolizou um importante pacto entre os povos indígenas e o Estado brasileiro, com a aprovação de 886 propostas que se consolidarão como as diretrizes da política indigenista no Brasil.
Apresentadas e aprovadas na plenária final, as propostas contemplam as dimensões de território e da necessidade de se dar continuidade aos processos de demarcação e de gestão das terras indígenas; da autodeterminação, participação social e do direito à consulta; do respeito e fomento às concepções próprias de desenvolvimento dos povos indígenas; da afirmação da cidadania e da pluralidade étnica, além do direito à memória e à verdade. Do total, 216 foram acolhidas como propostas urgentes.
Com isso, a expectativa é que o Estado brasileiro execute iniciativas e políticas públicas que afetem ou digam respeito aos povos indígenas a partir das propostas consolidadas na Conferência. Trata-se, acima de tudo, de um gesto de confiança dos indígenas com o poder público, que se comprometeu a mudar a relação entre os índios, a sociedade nacional e o Estado.
Para fechar o evento que reuniu cerca de 1,5 mil participantes, sendo a grande maioria índios de todo o Brasil, o presidente da Fundação Nacional do Índio e representantes do Ministério da Justiça e do Ministério de Relações Exteriores compuseram ao lado de lideranças indígenas a última mesa de debate da programação, com o tema “Pacto pelo Futuro”.
Nos intervalos da programação, diferentes grupos indígenas se reuniam para cerimônias com cânticos e dança (© Alan Azevedo / Greenpeace)
Guajajara, coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), não deixou o discurso de cobrança de lado: “Faltou gente nessa mesa, faltou ministérios, secretarias... gostaríamos de um comprometimento muito mais plural”. A liderança destacou que dois pactos foram feitos, um entre os próprios povos indígenas e outro entre eles e o governo.
“Nós firmamos um pacto entre nós, parentes: fortalecer a cada dia a nossa luta. Precisamos ter uma unidade e um posicionamento comum pela defesa dos nossos direitos. Agora, para o governo, qual o nosso pacto? O nosso acordo era por ações concretas, que ainda não aconteceram. Somente quando tivermos uma demonstração verdadeira do governo em favor dos povos indígenas é que poderemos voltar a caminhar juntos”, defendeu a Guajajara.
O presidente da Funai, João Pedro da Costa, garantiu que a fala da presidente Dilma Rousseff no segundo dia da Conferência resume o pacto firmado. “Ela falou do reconhecimento da diversidade ética como característica desse país. Falou do reconhecimento da autonomia dos povos indígenas para tomar decisões com direito à consulta. A presidenta defendeu também a manutenção do concurso da Funai e fortalecimento do órgão”.
O encerramento foi marcado por um grande ritual do povo Guarani-Kaiowá, no qual o presidente da Funai também participou, recebendo a proteção do cacique Marciano Guarani e um lembrete: “não traia nossa confiança”.
Presidente da Funai recebe proteção de líder Guarani (© Alan Azevedo / Greenpeace)
A presidente Dilma Rousseff participou do segundo dia (15) da 1ª Conferência Nacional de Política Indigenista e anunciou a criação do Conselho Nacional de Política Indigenista via decreto presidencial, além da homologação de Terras Indígenas (TIs), sem dizer quais.
Antiga reivindicação do movimento indígena, o Conselho Nacional de Política Indigenista tramita no legislativo por meio do Projeto de Lei 3571/08. Segundo o representante do Ministério da Justiça, a criação do Conselho por meio de decreto do poder executivo traz como limitação sua caracterização como consultivo, pois a criação de um Conselho deliberativo só é possível por meio de lei. Para o cacique Marquinho Xucuru, entretanto, não é interessante aprovar a criação de um Conselho que não possua plena autonomia.
Presidente Dilma conversa com o Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo (© Wilson Dias / Agência Brasil)
foi ejeitada em votação da plenária. Os indígenas optaram pela apresentação de uma carta à presidenta Dilma solicitando que ela articule com sua base de apoio os meios para se aprovar a criação de um Conselho Nacional de Política Indigenista que seja, por definição, deliberativo e autônomo.
Por outro lado, a presidente cumpriu sua promessa em relação a homologação de Terras Indígenas no Estado do Amazonas. Foi publicado no Diário Oficial dessa sexta-feira, 18, a demarcação administrativa da TI Arary (município de Borba), da TI Banawá (municípios de Canutama, Lábrea e Tapauá), a TI Cajuhiri-Atravessado, (município de Coari) e da TI Tabocal (município de Careiro).
No entanto, para Maximiliano Tukano, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), os compromissos da presidente não foram suficientes: “Ela não tratou da questão da mineração em Terras Indígenas, não falou da Medida Provisória que autoriza a construção de hidrelétricas nas Terras Indígenas. Ela não citou diversas coisas realmente possíveis de serem aplicadas em nossos territórios”.
Protesto no Congresso
Na manhã de quarta-feira, dia 16, participantes da Conferência aproveitaram para juntar forças e protestar no Congresso Nacional contra a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215 e também contra Eduardo Cunha, aliado da bancada ruralista.
Cerca de mil indígenas ocuparam o espaço das cúpulas do prédio do Parlamento e realizaram diferentes rituais, entre danças e cantos. Após a ocupação da plataforma superior, os indígenas desceram a rampa e se reuniram no gramado em frente ao prédio, sob vigilância dos policiais, exibindo faixas e cartazes.
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