"Mulheres sauditas votam e se candidatam pela primeira vez em pleito municipal"

Especialistas e ativistas concordam que direitos eleitorais femininos recém-introduzidos representam um avanço para a sociedade saudita. Porém, há ressalvas: os cargos mais relevantes seguem sendo atribuídos pelo rei.

As cidadãs da Arábia Saudita estão satisfeitas: neste sábado (12/12), pela primeira vez, elas não só vão votar num pleito municipal, como também puderam se candidatar aos conselhos locais. Trata-se de uma guinada inédita naquele reino no Oriente Médio. Alguns observadores falam de um acontecimento histórico.
Nos últimos dias, a DW tentou entrevistar ativistas de direitos humanos da sociedade civil árabe. Em vão: segundo esclareceram, as autoridades sauditas os proibiram de se pronunciar sobre o tema. No entanto, há meses os jornais oficiais o abordam, inclusive dando voz às candidatas.
Uma delas é Farida Mohammed Ali Farsi, do Comitê das Escolas Femininas da Câmara do Comércio de Gidá. Em entrevista no início de agosto ao jornal Al-Riad, ela se dizia contente – apesar de o desempenho dos conselhos locais nas duas legislaturas anteriores ter deixado um tanto a desejar. Contudo, "o fato de que agora as mulheres podem votar e se candidatar dá esperanças de que esse desempenho melhore".
Valor principalmente simbólico
No exterior, a avaliação é bem diferente. A antropóloga da religião Madawi al-Rashid, que realiza pesquisas em Londres, atribui significado restrito à votação. "O poder político dos conselhos municipais é pequeno demais. Além disso, nem todos os membros entram no conselho através das eleições."
Para Al-Rashid, o direito eleitoral ativo e passivo, instituído pelo rei Abdullah bin Abdulaziz Al Saud, morto em janeiro, tem sobretudo valor simbólico. "A medida para um acréscimo sério do poder das mulheres não é o fato de agora se verem alguns rostos femininos em todas – ou mesmo só em algumas – instituições."
A antropóloga acrescenta que na Arábia Saudita a discussão sobre a influência feminina se restringe a alguns campos temáticos. Por exemplo, quando as mulheres foram admitidas na Assembleia Consultativa. Ou quando os jornais retratam cidadãs que conseguem superar determinados obstáculos que lhes são impostos pelas autoridades.
"Contudo só se pode falar de poder feminino quando as mulheres estiverem representadas em muitas instituições relevantes e, com suas reivindicações, contribuírem para reformar o sistema. A esse ponto, ainda não chegamos", critica Madawi al-Rashid.
Monitoramento pelo Ministério do Interior
O ativista e cronista liberal Fuad Ibrahim, radicado em Londres, tem uma visão similar da questão. Como ressalvou em conversa à DW, em termos de critérios globais, não se pode considerar as presentes eleições como um acontecimento histórico. "No contexto local, porém, elas são certamente uma renovação."
Ibrahim diz ter um outro motivo para ser reticente: o Estado saudita continua não aceitando incondicionalmente o papel das mulheres na esfera pública. Isso se reflete também sobre o pleito municipal, que é monitorado pelo Ministério do Interior.
O órgão acompanha a escolha dos candidatos, subordinando sua indicação a condições extremamente rigorosas. Assim, ele rejeitou algumas candidatas sem apresentar qualquer justificativa para tal. "Por isso não se pode comparar estas eleições com as de Estados realmente democráticos. Elas não preenchem os requisitos vigentes."
Prerrogativa real intocada
Mesmo perante as ressalvas, para muitas sauditas a votação representa um passo significativo. O Al-Riad cita a porta-voz de uma associação beneficente feminina, para a qual "conselhos municipais são instituições a que os cidadãos levam suas reivindicações". "Lá os problemas deles são resolvidos. Por isso é importante agora também as mulheres poderem ter influência sobre problemas concretos."
A especialista em religião Madawi al-Rashid igualmente vê o pleito como um passo na direção certa, apesar de todas as reservas. "Ao se apresentar em público, as mulheres vão desenvolver habilidades e know-how. Porém, os resultados vão ser menores do que muitos acreditam e esperam. A coisa vai adiante, sim, mas só um pouquinho." Afinal, falta uma verdadeira representatividade política para os cidadãos.
De fato, os membros dos grêmios políticos mais relevantes seguem sendo nomeados pelo rei. E, por não serem eleitos na Assembleia Consultativa, eles não têm que prestar contas a ninguém. Esse fato permanece intocado pelas novas regras relativas às eleições municipais.
Casa real conservadora
O liberal Fuad Ibrahim também conta entre os que consideram estas eleições um avanço, no fim das contas. Por um lado, elas mostraram como as mulheres se engajam na luta pelos direitos políticos; por outro, contribuíram para que essa luta avançasse mais um passo.
No entanto, ele adverte para que não se veja esse passo como um realinhamento político da casa real saudita. Antes pelo contrário: a atual regência, sob Salman bin Abdulaziz Al Saud, é altamente conservadora, rechaçando a participação política tanto de homens como de mulheres.
O ativista lembra que a decisão de admitir as mulheres nas votações municipais remonta ao sucessor, rei Abdullah, a qual Salman não tem alternativa senão implementar. No entanto é preciso que se sigam novos passos em direção à democracia, aponta Ibrahim.
dw.com

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