"ARTIGO : O tempo e a vida"

Nesta segunda-feira minha família enfrenta a data de 11 anos da morte do nosso filho Marcelo, num acidente de moto em Salvador. Todos os anos registro a data neste espaço, menos por nós e mais por outros pais, porque morrem mais jovens do que adultos em nosso estado. Os pais nunca estão nem de longe preparados para esse terremoto. Não é natural que filhos morram antes dos pais, embora seja cada vez mais freqüente no mundo atual. Mais livres e com maior liberdade e acesso a bens de consumo, bebidas, automóveis, drogas e sem medo de nada, eles se atiram na vida com a vitalidade e pressa que  lhes são naturais.

Marcelo tinha 29 anos, era casado com Daniela e tinham Luka, aos três anos quando morreu. Nesses 11 anos passamos por muitas fases. Do sofrimento à adaptação e, finalmente, a compreender que a realidade nos impõe a saudade, mas nos consola saber que a vida não tem data pra acabar seguindo um calendário de anos vividos. Um dia ela termina, e pronto! Buscamos ajuda e consolo. Encontramos as duas coisas em nós mesmos e fora de nós. Muitos amigos e muita solidariedade.


            Os artigos que escrevo nesta data, todos os anos tem esse sentido. Lembrar aos pais que passaram e aos que passarão por essa quadra de experiência, que a vida segue. Todos que temos filhos estamos de algum modo sujeitos. Os números de mortes dos jovens por acidentes diversos e violência, é a metade. E metade das mortes no estado é de jovens.

            Dizer que a gente sai inteiro de uma experiência como essa não é verdade. Sai mais amparado espiritualmente, mais sensibilizado e perde um pouco do vigor de lidar com situações extremas. Com aquela mesma força. Perdi muito a capacidade de enfrentar conflitos. Prefiro mais serenidade nas relações sociais, profissionais e na vida. Minha família também: Carmem, os filhos André e Maria do Carmo, Fábio e Aline, Daniela, Tiago e Mariana. Fechamos um formidável bloco de afetividade familiar, incluindo nossos netos.

            Se posso dar um conselho a quem está entrando nessa longa estrada da vida e a quem ainda vai entrar, é: procure a ajuda que julgar oportuna. Mas não tente enfrentar sozinho. Não dá. Uma hora a gente cai e fica muito difícil se levantar. Pode ser ajuda religiosa, terapêutica, medicinal. Sozinho é que não dá, porque parece arrebentar nosso íntimo uma corrente que não pode ficar quebrada. É preciso, de algum modo, remendar o elo quebrado.

            Marcelo está bem. Sabemos. Daniela e Luka também. Aliás, ele já é um doce rapaz em tudo parecido com o pai. O sorriso de todos nós é que, talvez, tenha fica um pouco mais contido.

Onofre Ribeiro é jornalista em Mato Grosso

ribeiro.onofre@gmail.com    www.onofreribeio.com.br

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