Atrás apenas das 6.800 nos EUA, Brasil é segundo país com mais mortes por covid-19 em 2024, quatro anos após a eclosão da doença no país. Fatores são diversos, indo do novo comportamento do vírus às fake news. Quando Cilene Brito começou a sentir febre, em paralelo a uma tosse seca e constante, no começo de janeiro, ela supôs que havia contraído dengue. Em Itanhaém, cidade a pouco mais de 100 quilômetros de São Paulo onde ela mora, a doença transmitida pelo mosquito Aedes aegypti está em alta desde os últimos meses de 2023. À medida que os sintomas foram se agravando, porém, ela resolveu ir ao ambulatório do município vizinho, Peruíbe, próximo ao hotel em que ela dá expediente como recepcionista.
No dia seguinte veio o diagnóstico: covid-19. "Minha primeira reação foi surpresa com o resultado do teste, mas depois fiquei preocupada, porque provavelmente transmiti para mais gente enquanto estava trabalhando", lamenta. Um dos contaminados imediatos foi seu filho, Lucas, de 17 anos, com quem divide a casa. Ambos foram orientados a ficar em reclusão por uma semana, tratando da febre com medicamentos antitérmicos.
No começo de 2024, duas pessoas morreram de covid-19 em Itanhaém, segundo a catalogação de casos mantida pelo Ministério da Saúde. Em Peruíbe, foi um óbito até agora. Os números, aparentemente baixos, escondem um dos grandes dilemas do auge da pandemia no Brasil: a subnotificação. "Hoje em dia é muito difícil saber o número real de casos, porque muita gente descobre a doença por meio de testes vendidos em farmácias", explica Ralcyon Teixeira, diretor da Divisão Médica do Instituto Emílio Ribas, em São Paulo, um dos principais centros de infectologia da América Latina. Mas não é só. Especialistas que permanecem debruçados sobre o Sars-Cov-2, o vírus da covid, concordam que, se os dados não são tão elevados quanto nos últimos anos, eles ainda preocupam por vários motivos. Embora a doença – que outrora pautava o noticiário, mobilizava as instâncias públicas, incentivava campanhas de prevenção, desenhava políticas públicas de saúde e repercutia no cotidiano do país – seja hoje um tema marginal em todos esses contextos.
"É uma doença altamente transmissível e que circula por mais tempo. Além disso, tem ciclos maiores do que a gripe, por exemplo – e só por isso já se espera que cause mais contaminações e mortes. Sem contar as variantes que seguem aparecendo, muitas delas ainda escapando da imunização existente", relata à DW o microbiologista Átila Iamarino, que ficou famoso durante a pandemia explicando o comportamento do vírus em seu canal do YouTube.
O peso das comorbidades sobre os óbitos
Só em janeiro de 2024, 769 brasileiros morreram por causa da doença, uma média de 192 óbitos por semana epidemiológica (ou 27 por dia). Comparando com os dados compilados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil foi o segundo país com mais mortes por covid-19 no mundo no período, atrás apenas das 6.800 nos Estados Unidos e seguido da Itália, que teve 550 registros. Além disso, foram mais de 127 mil casos confirmados pelo país – ou cerca de 35 mil por semana.
"As vítimas hoje estão se concentrando, principalmente, em imunossuprimidos e em idosos", revela o médico infectologista Julio Croda, pesquisador da Fiocruz, no Rio de Janeiro. "Daqui para a frente, é natural que a covid-19 permaneça como uma doença endêmica, se associando a mortes dependendo da cobertura vacinal da população e de possíveis novas variantes que forem surgindo."
De fato, várias pesquisas recentes têm mostrado como no Brasil a taxa de mortalidade está ligada, sobretudo, a casos de covid-19 em que as vítimas já possuíam doenças de base, como complicações cardiovasculares ou diabetes, por exemplo. "É difícil uma morte acontecer puramente por causa da síndrome gripal, como víamos há alguns anos. Os óbitos acontecem mais porque a covid intensifica um caso clínico anterior", corrobora Ralcyon Teixeira.
Para Iamarino, a vacinação tem um peso determinante para a conjuntura atual dos indicadores: de um lado, o calendário de imunização não está bem estabelecido, "ao contrário da gripe, que já tem uma campanha vacinal massiva antes do inverno para que as pessoas atravessem o período de frio com o ápice da imunidade".
De outro, muita gente, de fato, ainda não se vacinou – o que explica o altíssimo volume de óbitos nos EUA: "Ainda não temos uma cultura de doses de reforço, de vacinação anual tão bem assimilada." Teixeira entende que o contexto hoje é melhor, se comparado com meados de 2022, mas ainda é alarmante para a perspectiva do presente, principalmente porque há como evitar que os casos se agravem.
"A desinformação colabora com esse número. Agora há um remédio de fácil acesso, inclusive gratuito em dispositivos públicos de saúde, e que não tem sido prescrito corretamente pelos profissionais médicos. Pior, sequer é conhecido pela maioria da população." Ele se refere ao Paxlovid, em comprimidos, produzido pela americana Pfizer e aprovado comercialmente pela Anvisa em 2022.
Controle do vírus é processo de longo prazo
A covid não tem sido mais uma crise de mutações do vírus: pelo contrário, a variante ômicron – identificada na África do Sul no fim de 2021 e que se espalhou rapidamente pelo Brasil – é a única em circulação pelo país neste momento.
"Ela consegue escapar da imunidade de anticorpos a ponto de seguir sendo transmitida meses depois de um surto. Isso vai gerando novos casos e, assim, mutações de escape. Por um lado, o vírus chegou ao seu patamar mais transmissível possível; por outro, ele só escapa para contaminar, não para criar casos graves", explica Iamarino.
Hoje, de cada 100 mil brasileiros, 60 contraem a doença. A taxa de mortalidade, porém, que já foi de 201 a cada 100 mil em 2021, antes da ômicron, caiu significativamente em 2024, sendo agora de 0,37.
Ralcyon Teixeira concorda que a tendência é o vírus ir sendo controlado lentamente, num processo de prazo longo: "Ele vai ficar circulando por muito tempo, com períodos de altas e baixas, como nas gripes comuns. As variantes já são menos agressivas." O Carnaval deveria ser um momento de elevação de casos: "Os primeiros boletins públicos já indicaram uma alta na curva de contaminação desde o fim de janeiro, no chamado 'pré-Carnaval'."
Vinicius Mendes/Caminho Político
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