Alemanha debate reforma para proteger sua Suprema Corte

Em todo o mundo, governos autoritários vêm tentando reduzir o poder de tribunais constitucionais. À medida que ultradireita ganha terreno na Alemanha, juristas querem fortalecer independência desse bastião da democracia. Advogados e políticos alemães estão debatendo planos para garantir que a mais alta corte do país não seja enfraquecida por um eventual governo antidemocrático no futuro, tendo em vista reformas judiciais controversas implementadas por outros países da União Europeia (UE), como Polônia e Hungria.
O sucesso do partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD), que teve alguns de seus diretórios estaduais classificados como ameaças à ordem constitucional pelas agências de inteligência, desperta a preocupação de juristas. A AfD tem hoje cerca de 20% de apoio em todo o país, segundo pesquisas.
O Bundesrat, a câmara alta do Parlamento que representa os 16 estados da Alemanha, apresentou no início de fevereiro um projeto de lei que inscreve as regras que regem o Tribunal Constitucional Federal na própria Constituição alemã, tornando mais difícil que futuros governos possam alterá-las.
A Constituição alemã, ou Lei Básica, tem três artigos que determinam como os 16 juízes do Tribunal Constitucional Federal são eleitos. Atualmente, metade deles é nomeada pelo Bundestag, a câmara baixa do Parlamento, e a outra metade pelo Bundesrat.
Mas, de acordo com o projeto de lei, há "lacunas" sensíveis na Lei Básica que ameaçam a independência do tribunal. Especificamente, não há exigência de uma maioria de dois terços para nomear novos juízes, não há limite para o mandato de um juiz e não há proibição de que os juízes sejam reeleitos.
Essas regras estão hoje definidas apenas em uma lei federal, que pode ser alterada por maioria simples no Parlamento. Em outras palavras, um possível futuro governo autoritário poderia facilmente reduzir o quórum mínimo de dois terços e, assim, nomear juízes favoráveis ao governo.
O projeto de lei também quer eliminar a possibilidade de que um terço dos deputados do Bundestag consiga bloquear a nomeação de novos juízes e, dessa forma, indiretamente desativar o Tribunal Constitucional.
O alerta polonês
Ulrich Karpenstein, vice-presidente da Associação Alemã de Advogados e um dos maiores especialistas em direito público da Alemanha, considera que essas mudanças são vitais. "O Tribunal Constitucional não está protegido contra bloqueios de minorias parlamentares, especialmente quando se trata de nomear juízes", disse ele à DW. "Tampouco está protegido contra maiorias simples no Bundestag, como o cenário criado pelo partido PiS na Polônia."
"Seria possível realizar o chamado court-packing – em outras palavras, simplesmente nomear juízes adicionais ou criar câmaras adicionais com seus próprios juízes, por exemplo", acrescentou. "Há maneiras de melhorar isso e, de fato, o consenso é de que é necessário fazer alguma coisa."
Mas Stefan Martini, pesquisador em direito público na Universidade de Kiel, considera que, embora as reformas possam parecer razoáveis, os legisladores precisam ter um pouco de cautela. "Eu seria muito cuidadoso", disse ele à DW. "Certamente faz sentido inscrever algumas das regras sobre o Tribunal Constitucional na Lei Básica, mas eu as limitaria a regras muito fundamentais."
Martini avalia que as regras que limitam os mandatos dos juízes e os proíbem de serem reeleitos fazem sentido, mas tem "sentimentos contraditórios" sobre exigir maiorias de dois terços para selecionar juízes. "Porque se você fizer isso, terá que descobrir como contornar os bloqueios parlamentares", disse. "E não há uma solução perfeita para isso – seja outro ramo do governo assumindo a responsabilidade, seja um painel de juízes, isso traria menos legitimidade democrática."
A recente crise provocada pela reforma judicial na Polônia estimulou muitos advogados na Alemanha a pesquisar maneiras de proteger o Tribunal Constitucional alemão. A crise polonesa, que provocou protestos em massa, teve início em 2015, quando o Partido da Lei e da Justiça (PiS) foi acusado de fazer court-packing após assumir o poder. Com maioria absoluta no Parlamento, a legenda alterou as leis que regem o Tribunal Constitucional e nomeou cinco novos juízes.
Em 2019, o governo do PiS também criou uma nova câmara da Suprema Corte da Polônia, chamada Câmara Disciplinar, e alterou a lei para permitir que o governo nomeasse e demitisse o presidente da corte. As reformas sofreram um revés em 2019, quando o Tribunal de Justiça da União Europeia decidiu que elas violavam a legislação da UE e prejudicavam a independência do Judiciário.
Na Polônia, o Tribunal Constitucional lida com disputas envolvendo a constitucionalidade de leis e tratados e a atividade de órgãos públicos e partidos, enquanto a Suprema Corte é o tribunal mais alto do país que dá a palavra final em todas as áreas do direito.
Pior cenário possível
Crises semelhantes já ocorreram em outros lugares – as reformas introduzidas na Hungria pelo partido Fidesz em 2013 foram criticadas internacionalmente por enfraquecer a separação de poderes entre o Legislativo e o Judiciário.
"O Tribunal Constitucional é central para a democracia e o Estado de direito, a fim de proteger os direitos fundamentais, a separação de poderes e as eleições livres", disse Karpenstein. "Imagine se, ao final de uma legislatura, tivéssemos um cenário como o do [presidente dos EUA Donald] Trump ou do [presidente do Brasil Jair] Bolsonaro – chanceleres ou presidentes que não querem deixar o poder, alegando que a eleição foi fraudada. Em um momento como esse, precisamos de um tribunal que decida se essas alegações são verdadeiras."
Mas Martini alerta que tornar as regras mais difíceis de serem alteradas nem sempre é bom. "Depois que um governo iliberal é derrotado e um governo progressista é eleito, por exemplo, eles também precisariam garantir uma maioria para reverter políticas", disse. "E isso fica mais difícil se você consagrar certas regras na Constituição."
A reforma proposta pelo Bundesrat foi inicialmente apoiada por todos os partidos de centro-esquerda e centro-direita. No entanto, as negociações entre o ministro da Justiça, Marco Buschmann, e a oposição conservadora no Bundestag parecem ter chegado a um impasse no final de fevereiro.
Martin Plum e Volker Ullrich, deputados da União Democrática Cristã (CDU) e da União Social Cristã (CSU), escreveram um artigo publicado no jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung afirmando que, embora estivessem abertos à ideia de ancorar o Tribunal Constitucional mais firmemente na Constituição, eles querem vincular tais reformas a outras mudanças na lei eleitoral – e isso abriria todo um novo debate sobre outro problema constitucional.
Ben Knight/Caminho Político
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