Como governo quer combater a fome na Terra Indígena Yanomami

Ministério vai contratar empresa por R$ 185 milhões para levar, em aviões e helicópteros, cestas básicas às aldeias atingidas pela crise humanitária. Presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami (Condisi-Y), Júnior Hekurari acordou nesta quinta-feira (22/02) com a notícia de que 363 indígenas morreram na terra indígena Yanomami em 2023, primeiro ano do terceiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva, segundo dados do Ministério da Saúde.
Hekurari reclama da falta de apoio de governantes para combater a crise humanitária na maior terra indígena do país. "As cestas básicas estão sendo distribuídas pelo Exército", disse Hekurari a DW. "Estão deixando essas cestas básicas para as comunidades mais vulneráveis, onde os invasores entraram mais, onde os invasores rasgaram mais a terra, onde envenenaram a água. Mas essas cestas básicas não vão resolver nossos problemas. Nós temos que ter outros meios de garantia [de sobrevivência]".
Hekurari se refere a uma das principais estratégias do governo federal para combater a mortalidade e a desnutrição de crianças no território: a distribuição de cestas básicas. No início de fevereiro, o Ministério dos Povos Indígenas lançou uma chamada emergencial, com dispensa de licitação, para empresas interessadas em prestar o serviço de transporte aéreo dos alimentos.
Inicialmente, o governo estimou em R$ 155 milhões o valor do aluguel de cinco aviões e até quatro helicópteros para atuar por um ano na distribuição de cestas básicas aos yanomamis, além da construção de uma unidade de abastecimento e um reservatório para combustível. Neste mês, o montante aumentou para R$ 223 milhões – um ajuste "devido à meticulosidade e complexidade da contratação", segundo informou o Ministério dos Povos Indígenas à DW.
A empresa escolhida, Ambipar Fly One, no entanto, se consagrou vencedora da disputa ao ofertar o menor valor, R$ 185 milhões, de acordo com a pasta. "Quanto à situação atual da contratação, após análise e aprovação da proposta da empresa mais bem posicionada, encontra-se em fase de elaboração de contrato para subsequente assinatura junto à empresa melhor colocada", informou o ministério, em nota.
"A demanda em questão surge como imperativa devido à necessidade premente sofrida pelos povos yanomami. A saúde é um direito inalienável de todos os brasileiros e incumbência do Estado garantir medidas econômicas, políticas e sociais que salvaguardem esse direito fundamental. Assim, a contratação emerge como a via mais expedita e tangível para salvaguardar tais direitos", destaca um trecho.
A Ambipar competiu com empresas como Rio Madeira Aviação, Voare Taxi Aéreo e Helimarte.
Estocagem e combustível
O plano do governo inclui a locação de quatro aviões com capacidade de carga de 1,5 toneladas, próprios para pousar em pistas de até 700 metros de extensão, destinados "exclusivamente para transporte de cestas básicas" entre Boa Vista e dois "pontos de estocagem" na parte da terra indígena situada em Roraima. Cada uma das quatro aeronaves deverá voar 45 horas por semana – 8.640 horas por um ano, no total.
Além disso, devido às longas distâncias, outro avião voará mais 2,1 mil horas por um ano para transportar exclusivamente combustível de aviação.
Dos entrepostos, segundo o termo de referência divulgado no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), quatro helicópteros pequenos, do tipo "esquilo", ou dois grandes, do tipo "Bell 212", levarão as cestas às demais localidades dentro da terra indígena. Ainda não há definição sobre a quantidade e o modelo dos helicópteros.
No caso da opção pelos helicópteros menores, próprios para transportar até uma tonelada, serão 720 horas-voo por mês. No caso dos que têm capacidade de carga maior, de duas toneladas, 360 horas-voo.
Militares preteridos
Até as novas operações aéreas entrarem em vigor, a distribuição de cestas básicas na Terra Yanomami continua sendo feita pelas Forças Armadas, mas uma série de rusgas entre os militares e o governo Lula fizeram o governo buscar a terceirização do serviço.
Em um relatório enviado ao Supremo Tribunal Federal em 2022 pelo Serviço de Repressão a Crimes Contra Comunidades Indígenas da Polícia Federal, ao qual a DW teve acesso, por exemplo, os policiais reclamam de falta de apoio do Ministério da Defesa e do Exército, principalmente no fornecimento de aeronaves, para combater invasões na Terra Yanomami e em outras terras indígenas invadidas por garimpeiros.
Recentemente, reportagens apontaram a existência de mais de 30 mil cestas básicas encalhadas em Roraima por falta de ação dos militares no transporte aéreo às aldeias.
O Exército afirma ter distribuído mais de 36 mil cestas básicas desde janeiro de 2023.
A distribuição de cestas básicas, bem como a expulsão de invasores, é uma medida definida pela Arguição de Descumprimento de Preceitos Fundamentais (ADPF) 709, ação que desde a pandemia busca garantir no Supremo Tribunal Federal a proteção de sete terras indígenas sob ameaça de invasores.
Segundo o Centro de Operações de Emergência (COE) do Ministério da Saúde, mais da metade dos indígenas mortos na Terra Yanomami até 30 de novembro de 2023 eram crianças de 4 anos ou menos, muitas das quais contaminadas pelo mercúrio do garimpo. As mortes são ocasionadas, principalmente, por desnutrição, diarreia, doenças pulmonares e malária – e impulsionadas por garimpeiros que afugentam caças, poluem os rios e destroem as plantações.
Com 9,6 milhões de hectares – quase cem vezes o tamanho de Berlim – a Terra Indígena Yanomami abriga 31 mil indígenas espalhados por 376 comunidades.
Alvo de garimpeiros
Depois da primeira expulsão de invasores no ano passado, a terra indígena voltou a ser alvo de garimpeiros este ano, enquanto os servidores e fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) permanecem em greve por melhores condições de trabalho.
Divulgados pelo Ministério da Saúde, os dados mais recentes sobre mortalidade na TI Yanomami (363 em 2023) mostram que houve no ano passado 20 mortes a mais que em 2022 (343), o último ano do governo de Jair Bolsonaro.
Segundo especialistas, a diferença pode ser explicada pelo aumento no número de registros após mais equipes serem enviadas ao território com a declaração, em janeiro do ano passado, de emergência em saúde pública na TI Yanomami. À época, imagens de crianças indígenas desnutridas percorreram o mundo, o que pressionou o governo a adotar medidas emergenciais.
Com o desmantelamento de órgãos de Saúde Indígena nos últimos anos, especialistas apontam também que houve subnotificação de mortes entre os yanomamis durante o governo anterior, o que explicaria o número menor de mortes em 2022.
"Seria importante localizar onde, qual polo-base, as mortes foram registradas, para entender melhor a situação", afirma Estêvão Senra, pesquisador do Instituto Socioambiental (ISA), organização não governamental que defende os direitos dos povos indígenas. "A regularidade do atendimento varia muito de polo para polo, assim como a organização dos dados de saúde, prontuário, identificação, vacinação."
Entre novembro e dezembro do ano passado, nos registros do Ministério da Saúde, houve o incremento de 50 óbitos. "O mais provável é que tenham ocorrido ao longo do ano e não tenham sido devidamente registrados, pois não sabemos de nenhum evento que justifique 50 óbitos só em dezembro", diz Senra.
Ele critica a falta de dados precisos e a precariedade no "sistema de informação" dos servidores federais da Saúde Indígena. "Se não visitam as malocas, não é possível saber das coisas em tempo hábil", diz o pesquisador.
Bruno Abbud/Caminho Político
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