Bolsonaro prometeu gabinete enxuto. Hoje, tem 23 ministros. Para Antônio Flávio Testa, que participou, junto a militares, da montagem da estratégia do governo após a eleição, algo só para "impressionar a população".O cientista político Antônio Flávio Testa foi um dos únicos civis que participou de um grupo encabeçado por militares da reserva para formular as estratégias de campanha e do governo de transição do presidente Jair Bolsonaro. Em entrevista à DW Brasil, ele conta que se afastou do governo logo no início, por discordar da forma como a Educação estava sendo conduzida, e que sua maior decepção foi a "promessa irreal" de juntar ministérios. "Isso só serve para impressionar a população", afirma.
Eleito, Bolsonaro prometeu um gabinete enxuto, com no máximo 15 ministérios. Hoje, o governo tem 23 ministros - o mais novo deles o deputado Fábio Faria, que vai chefiar a pasta das Comunicações.
O cientista político critica a comunicação do presidente, chefiada pelo filho Carlos Bolsonaro, e garante ainda que não há chance de intervenção das Forças Armadas. Para ele, o Brasil vive uma democracia plena.
DW Brasil: Você foi um dos únicos civis que ajudou a traçar estratégias do programa de Jair Bolsonaro e participou do governo de transição.
Antônio Flávio Testa: Eu fui convidado por um general para participar das primeiras reuniões de campanha. Aceitei e convidei meu amigo e colega Paulo Kramer [cientista político]. Quando fui designado para coordenar e participar de grupos temáticos – segurança pública, esporte, cultura, apoio familiar, meio ambiente, educação, ciência e tecnologia –, convidei outros civis especializados para participar. Durante a transição, levei dezenas de civis doutores, técnicos e gestores públicos experientes para participar dos grupos que coordenei. Foi muito proveitoso. Bolsonaro conseguiu a colaboração de dezenas de especialistas. À medida que Bolsonaro foi designando os ministros, nós fomos entregando nossos trabalhos. Eu fiquei como secretário-executivo da Educação na época do mal fadado, péssimo e pior decisão de Bolsonaro, o [então ministro da Educação] Ricardo Vélez Rodríguez. Depois, eu me afastei do governo e fiquei como colaborador informal.
Mas você acabou se afastando, ainda no início do governo. Partiu de você sair?
Eu saí porque não concordava com a visão de educação do Vélez Rodríguez. Sou professor há 40 anos e achava que a proposta de ficar brigando com o passado não é a ideal. Afinal, constrói a história quem venceu. Essa briga ideológica de querer reescrever a história, ser contra Karl Marx, Paulo Freire e Antonio Gramsci, tudo isso não leva a nada. Ou seja, é uma visão retrógrada e não daria certo. O [então] ministro tinha um pensamento de inquisidor, tanto que ele nomeou dois especialistas em Inquisição Espanhola para serem consultores do Inep [Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira], que elabora o Enem. Só aí você vê a mentalidade dele. Não dá.
Então essa foi a gota d'água...
Sim. Eu saí sem brigar com ele. Simplesmente disse: muito obrigado pelo convite, mas não vou ficar aqui de jeito nenhum. Eu tinha montado uma equipe de técnicos muito competentes e que não tinha nenhum interesse ideológico para gerenciar o Ministério da Educação.
O caso Vélez foi um dos primeiros episódios de vários que parecem estar progressivamente corroendo a popularidade de Bolsonaro...
Na minha opinião, na realidade, ele não perdeu popularidade, mas o índice está tendo oscilações normais. Ele tem um grupo fiel de eleitores que o levaria para o segundo turno da próxima eleição presidencial, mas não vou dizer que ele venceria. Ainda faltam três anos.
Qual foi a sua maior decepção no governo Bolsonaro?
Para mim, foi quando decidiram juntar ministérios. Aquela proposta de campanha de ter somente 15 ministérios sempre foi irreal: ela só serve para impressionar a população, que não conhece o dia a dia do governo. A junção dos Ministérios da Cultura, Esporte e Desenvolvimento Social, no ministério da Cidadania, por exemplo, abarcando o Bolsa Família: foi uma das maiores burrices estratégicas que eu já vi em toda a minha vida de 50 anos de serviço público.
E agora ele recriou o Ministério das Comunicações, passando a ter 23 ministros, oito a mais do que os 15 prometidos na campanha...
É discurso político, puramente, e ficou insustentável manter isso. Há ministérios que você tem que manter. Esse Ministério das Comunicações é muito importante. Politicamente, Bolsonaro teve que recriá-lo por vários motivos, sendo o principal o de tentar mudar o direcionamento da comunicação: foi uma inovação juntar telecomunicações, radiodifusão, internet, Telebrás e Anatel no novo ministério e trazer ainda duas instituições de comunicação social, a Secom [Secretaria Especial de Comunicação Social] e a Empresa Brasileira de Comunicações (EBC).
Em uma entrevista em outubro de 2018, você afirmou que Bolsonaro e seu vice, Hamilton Mourão, têm compromisso com a democracia e que muitas vezes são mal interpretados pela imprensa. Porém, nesse meio tempo, Bolsonaro criou uma guerra entre os Poderes, faz críticas à imprensa e participa com frequência de atos de sua base que pedem intervenção militar. Você mantém sua opinião?
Eu acredito que ele não flerta com uma intervenção militar. Em nenhum momento, a sua participação nesses protestos foi de estimular a intervenção militar. Ele participa sempre em prol do Brasil. É uma coisa livre. Mas, em contrapartida, eu concordo que o presidente comprou uma briga com a imprensa, disso eu não tenho dúvida. Desde quando era deputado federal, ele realmente bate forte contra a imprensa e sempre diz que não aceita determinadas posturas das mídias.
Mas a presença do presidente nesses atos já é, por si só, uma forma de endossar o que pedem os manifestantes...
Não necessariamente. Eu não vejo nem ele nem o Mourão flertando com uma intervenção militar. No Brasil de hoje, eu acho que é praticamente impossível haver uma, pois não vejo condições nenhumas. O Brasil vive uma democracia plena, mas só que tem uma quantidade imensa de contradições e muitos interesses.
Voltando à questão de Bolsonaro criticar a imprensa: o presidente parece não entender que o papel dela, como pilar da democracia, é de manter uma visão critica ao governo, independentemente da figura e partido do presidente...
Eu acredito que ele entende o papel da imprensa e usa esse relacionamento. É uma estratégia: ele está na mídia o tempo todo e todo o tempo a mídia fala mal dele. Bolsonaro sempre reforça os seus argumentos, mas perde muito apoio junto aos setores esclarecidos que acham que ele exagera muito. Porém, parte da população adora. De todos os presidentes, o povo o acaba enxergando como o mais perseguido pela mídia. Bolsonaro foi uma onda política, mas ninguém sabe se esse fenômeno político acontecerá novamente. Ele sabe muito bem aproveitar disso.
As eleições municipais serão um teste.
Sim, as eleições municipais serão o primeiro grande teste de Bolsonaro. Agora, quanto ao seu discurso, eu acho muito difícil de ser mudado, até porque ele já falou que assim que foi eleito e é dessa forma que quer continuar. Por outro lado, ele deveria melhorar sua estrutura de comunicação pública. A comunicação social do governo é muito ruim e é focada somente nele. Já o alertamos diversas vezes.
A comunicação do Planalto parece estar, em grande medida, nas mãos do Carlos Bolsonaro.
O Carlos é o filho que o pai confia plenamente no jeito de ele comunicar. A administração das redes sociais do presidente fica por conta do Carlos. Agora, quem dá a diretriz geral de comunicação é o próprio presidente. Como responsável pelas redes sociais do presidente, Carlos monitora e dá as respostas aos usuários das redes. Ele é o porta-voz do pai. Porém, quando a situação é muito grave, aí o pai entra em cena e fala. O Carlos é debochado, às vezes agressivo, mas tem um estilo muito próprio de usar o Twitter pessoal e do presidente. Quando algo acontece contra o pai, o Carlos dá a resposta imediatamente. Essa tática está gerando resultados positivos para o presidente. O Carlos é o grande estrategista do pai na área de comunicação.
Fernando Caulyt/Caminho Político
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