Livro de jornalista revela falhas na investigação de assassinato e provoca questionamentos sobre um dos julgamentos mais famosos do país.Em 29 de março de 2008, a vida de Isabella Nardoni foi tirada de forma brutal. A criança, que tinha apenas cinco anos, foi jogada do sexto andar do Edifício London, na zona norte de São Paulo. Anna Carolina Jatobá e Alexandre Nardoni, pai e madrasta da menina, foram acusados pelo crime e condenados, em 2010, a mais de 26 anos de cadeia. Os dois cumprem pena até hoje. Ela está no regime semi-aberto e ele deverá ter o mesmo benefício até o final deste ano. Parecia um caso completamente encerrado, com os culpados identificados e presos e a Justiça feita. Mas dez anos depois da morte de Isabella, um livro recém-lançado – O Pior dos Crimes, do jornalista Rogério Pagnan – coloca dúvidas sobre a autoria do assassinato e sobre como ele realmente aconteceu. Na obra, o repórter, diante de várias falhas apontadas na perícia, revela inconsistências na investigação policial e afirma não saber quem é o verdadeiro assassino.
A versão da acusação é bem conhecida: a madrasta de Isabella agrediu a menina dentro do carro da família que estava dentro da garagem do prédio em que moravam e a garotinha teria sido levada pelo pai no colo até o apartamento e sido sufocada com uma fralda. Na sala do apartamento, a sessão de tortura teria continuado e Alexandre teria jogado a menina contra o solo, causando ferimentos no quadril e no pulso da menina. Em seguida, a madrasta teria estrangulado Isabella e, por fim, o pai teria cortado a tela de proteção do quarto dos outros dois filhos e lançado a filha pela janela. Segundo o livro, porém, a agressão dentro do carro pode não ter acontecido. O que foi apontado como uma mancha de sangue detectada na cadeirinha que estava no banco de trás, onde Anna Carolina teria atingido a testa da menina com um anel ou uma chave tetra, na verdade, era material biológico compatível com saliva e pertencente a uma pessoa com DNA do sexo masculino.
O livro também mostra suposta incoerência na informação de que Isabella teria sido esganada pela madrasta. “Entrevistei o médico legista e ele diz que nunca afirmou que foi a madrasta que apertou [o pescoço]”, afirma Pagnan. “Na opinião dele é a ‘mãozona’ do Alexandre [marcada no pescoço da menina]”, diz o jornalista. De acordo com a advogada Roselle Soglio, que defende o casal, foi feito um laudo pela Universidade de Washington que diz que Isabella jamais foi esganada. “Não teria a mão da Anna nem do Alexandre. Dois inocentes estão na cadeia até hoje e o verdadeiro assassino está solto”, afirma. Na versão da advogada de defesa, que também é considerada pelo autor do livro, uma terceira pessoa poderia ter cometido o assassinato. Pagnan lembra que um policial viu um homem correndo entre os carros na garagem do prédio logo após o crime e de uma moradora que ouviu uma batida forte da porta corta fogo do edifício logo após a queda.
Terceira pessoa
O procurador Francisco Cembranelli, que foi promotor do caso, não tem dúvidas de que os assassinos da menina são Alexandre e Anna Carolina. De acordo com ele, médicos do IML analisaram o corpo todo de Isabella, não só o pescoço, e que os órgãos da menina apontavam para sinais gerais de esganadura nos órgãos dela. O promotor do caso justifica o suposto homem correndo dizendo que uma pequena multidão tinha se colocado no local para saber o que tinha acontecido e que os ânimos estavam exaltados. “Porque o policial não deteve esse desconhecido [se ele agia de forma suspeita]?”, afirma. Sobre a porta batendo, Cembranelli afirma que portas, normalmente, batem e que isso não era relevante para a investigação. Segundo ele, por conta da grande movimentação de pessoas no prédio a suposta terceira pessoa tentaria sair de lá de forma discreta e não batendo portas. Cembranelli diz, finalmente, que o jornalista que escreveu o livro “não é operador do direito e não tem condições de interpretar provas.”
O advogado Roberto Podval, que também cuida da defesa de Anna Carolina e Alexandre, afirmou que entrou, há cerca de um mês, com um habeas corpus pedindo a redução de pena do casal por entender que a pena aplicada aos dois foi exagerada. Nos próximos 10 dias, ele também entrará com um pedido de anulação do julgamento. Segundo ele, os pedidos nada têm a ver com o lançamento do livro. “Eu entendo que, com aquela opinião pública, eles não tiveram um julgamento imparcial. Eles querem mostrar para a sociedade que não são como foram pintados”, diz.
Giorgia Cavicchioli
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