Líderes religiosos pediram nesta quarta-feira (19) diálogo e respeito às diferenças para combater a propagação de intolerâncias e discursos odiosos. As declarações foram feitas em encontro ecumênico durante audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados.
Números do Disque 100, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, mostram que seguidores de umbanda e candomblé e evangélicos lideram a lista de vítimas das denúncias de intolerância religiosa no País. Os deputados também receberam dados da Secretaria de Assistência Social do Rio de Janeiro, que registrou 948 queixas relacionadas a religião em todo o estado, entre 2012 e 2014.
Para ilustrar a crescente violência contra os cultos afros, a líder do candomblé no Pará, Oneide Rodrigues, mais conhecida como Mam'etu Nangetu, citou o caso da menina Kayllane Campos, de 11 anos, apedrejada, na zona norte do Rio, quando voltava para casa com roupas típicas do candomblé. Mam'etu Nangetu fez um apelo dramático por paz e respeito.
"O ódio religioso a cada dia cresce mais. Estamos vendo pessoas invadirem os nossos terreiros e destruírem o nosso sagrado. Então, eu vim pedir socorro pelo meu povo. Tem que se dar um basta nisso. Nós temos que fazer campanha e todas as religiões se unirem para que o povo veja que nós só cultuamos um Deus diferente, mas nós somos todos iguais. Nós somos humanos e merecemos respeito", declarou.
Mam'etu Nangetu afirmou que, por causa de suas crenças e vestes, seguidores de cultos afros são perseguidos cotidianamente em ambiente público e que muitas denúncias são ignoradas pelas autoridades.
Vítimas de intolerância
Líderes evangélicos também afirmaram que os seguidores da religião são vítimas históricas de intolerância no país, resultante de resistências da maioria esmagadoramente católica da população, até o fim do século passado. Em nome dos evangélicos, o senador Marcelo Crivella (PRB-RJ) atribuiu os casos de intolerância religiosa a fanatismos.
"Nós, evangélicos, talvez tenhamos episódios a lamentar por parte de certos segmentos que, no afã de defender seus ideais e a fé, esbarram no fanatismo. Mas não se pode, de maneira nenhuma, sob pena de cometermos uma injustiça histórica, generalizarmos isso. Na sua imensa maioria, o povo evangélico é um povo tolerante, pacífico e amoroso sem arredar um milímetro de suas convicções", disse o senador.
O encontro também contou com religiosos católicos e anglicanos. O bispo anglicano e presidente do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (Conic), dom Flávio Irala, defendeu o Estado laico e afirmou que toda forma de intolerância e discriminação atinge a dignidade humana. "Sou anglicano e busco a inclusividade. Para nós, a diferença é uma bênção", declarou.
Já o escritor, teólogo e monge católico beneditino Marcelo Barros reconheceu "erros históricos" da Igreja Católica, que, segundo ele, "foi uma das religiões mais intolerantes, durante séculos".
Ao fazer essa espécie de autocrítica, ele lamentou que alguns seguidores de grupos pentecostais mantenham hoje discursos discriminatórios, sobretudo contra cultos afros. "As igrejas dominantes têm dívidas históricas. A religião surgiu para ser instrumento de amor universal e não tem a ver com intolerância, discriminação e crueldade", disse Barros.
Ele defendeu ainda o Estado laico como "um bem, uma dádiva; seria muito ruim se o Brasil fosse só católico".
Diálogo inter-religioso
O presidente da Comissão de Direitos Humanos, deputado Paulo Pimenta (PT-RS), informou que este foi apenas o primeiro de uma série de debates que o colegiado vai promover, a fim de contemplar pronunciamentos de todas as religiões existentes no Brasil.
"O objetivo é contribuir para a promoção do diálogo inter-religioso, a liberdade e convivência respeitosa entre os diversos cultos e a laicidade do Estado. Todos nós sabemos que as instituições religiosas são vocacionadas à formação de valores humanistas, mas há também uma outra realidade histórica, que é a ocorrência de episódios de violência e de intolerância entre as religiões", afirmou o deputado.
A Câmara analisa uma proposta (PL 1219/15) que cria o Estatuto da Liberdade Religiosa, incluindo as liberdades de consciência, pensamento, discurso, culto e organização religiosa.
Reportagem – José Carlos Oliveira
Edição – Pierre Triboli
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